Sociólogo
questiona a aplicação das delações premiadas, analisa as repercussões da greve
geral e o panorama para as próximas eleições
Por
Patricia Fachin, da IHU On-Line
IHU
On-Line – As decisões do STF de libertar Eike Batista, réu na Operação
Eficiência e, dias depois, José Dirceu, réu na Operação Lava Jato, indicam que
o “tribunal não tem demonstrado total imparcialidade em todo o processo da Lava
Jato” e “essa decisão de libertar uns é feita para poder libertar outros mais
adiante”, avalia o sociólogo Cândido Grzybowski à IHU On-Line.
Embora
muitos especulem que a liberdade concedida ao ex-ministro chefe da Casa Civil
tenha como objetivo evitar uma possível delação de Antonio Palocci, Grzybowski
aposta que “o STF vai receber um pedido para soltar (Eduardo) Cunha”.
Na
avaliação do sociólogo, “o tribunal está constrangido” e “dá compensação a quem
banca o ‘dedo-duro’, mas a pessoa não pode dizer tudo o que ela sabe, ela
precisa informar somente o que eles querem saber. Na verdade, o que parece é
que o tribunal não quer que determinadas informações venham à tona. Se se trata
de uma delação, a pessoa deveria dizer tudo o que ela sabe. Diante dessas
‘solturas’, nos perguntamos qual é o critério para que ocorram, porque fica
sempre a dúvida”.
Na
entrevista a seguir, concedida por telefone, Cândido Grzybowski avalia a greve
geral que aconteceu na última sexta-feira (28), comenta a atual conjuntura
brasileira e afirma que hoje o país está “pagando o preço de ter optado por um
Congresso constituinte ao invés de uma Constituinte”. Para ele, “sem uma
reforma política, não se vai mudar o modo de fazer política”.
Cândido
Grzybowski é graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ijuí, Rio Grande do Sul, mestre em Educação pela PUC-Rio e doutor em
Sociologia pela Sorbone, Paris. Foi diretor geral do Ibase de 2000 a 2014 e,
desde então, integra sua direção colegiada.
Como
está analisando a conjuntura política neste momento?
Vejo
duas novidades na conjuntura. Primeiro, que a greve geral foi mais importante
do que o governo reconhece. Tanto é que a pesquisa Datafolha, feita dias antes
da greve, captou que 71% das pessoas são contra a reforma da previdência. Os
meios de comunicação disseram, no dia da greve, que se tratou de uma “meia
greve”, mas se analisarmos a oposição que existe à reforma, veremos que ela é
gigantesca, porque 71% da população é muita gente. Além disso, 61% das pessoas
são contra a reforma trabalhista.
A
segunda novidade que percebo é que se criou um fosso entre a cidadania e o
governo, e com isso podemos sair de uma trincheira defensiva para uma
trincheira mais ofensiva. O governo tem baixíssima popularidade, e o presidente
está cercado de corruptos e depende de um Congresso também muito corrupto. Além
disso, a propaganda que está sendo feita sobre a reforma, não está convencendo
a população e esse é um sinal interessante.
A
Rede Globo noticiou que a aprovação do governo Temer é baixa, mas não noticiou que
71% da população é contra a reforma, porque a própria Globo é a favor da
reforma. A Globo, por exemplo, teve um papel importante no impeachment, pois
criou um ambiente para que houvesse aquelas mobilizações de direita que
assistimos e isso ajudou a criar um clima que levou ao golpe. Mas isso está
começando a se desmantelar de alguma forma, porque a população está percebendo
que caiu num engodo.
De
outro lado, tenta-se passar a imagem de que a conjuntura econômica está boa,
mas o número de desempregados ainda é de 14 milhões. As 300 empresas de
acionistas, aquelas que são obrigadas a divulgar seus balanços na Comissão de
Valores Imobiliários, tiveram um crescimento do seu lucro em 9,4%. Isso
significa que as empresas estão bem e o desemprego persiste. Esse balanço é
puxado, de um lado, pelos bancos, que tiveram altos rendimentos, e, de outro,
pelo setor da construção civil. A Vale passou de um déficit de 40 bilhões em
2015 para um lucro de 12 bilhões em 2016. Então, há setores que estão
crescendo. A Petrobras, de outro lado, ainda não saiu do buraco, mas está quase
lá.
Vejo
ainda outra novidade, que é o fato de o Bolsonaro estar crescendo nas pesquisas
de opinião.
Mas
ele seria uma possibilidade para a eleição presidencial de 2018?
Possibilidade
ou não, o fato é que 15% da população já é a fatia do eleitorado que é de
extrema direita, a mais reacionária e conservadora, a qual votaria nele. Essa é
uma cara nova que a sociedade brasileira revela. Isso nos põe em sintonia com o
mundo, onde o conservadorismo de Trump, Marine Le Pen e outros está crescendo.
Isso é grave porque o Brasil era exemplo de uma democracia dinâmica, que
tentava ser inclusiva. Claro que ela foi menos do que esperávamos e, inclusive,
eu achava que estávamos encurralados com os governos do PT. Porém, como
tínhamos um governo favorável, nos satisfazíamos pelo fato de poder ir às
conferências, de sermos consultados, mas no fim das contas nada do que
sugeríamos era feito; havia um transformismo leve, como diz o (André) Singer.
Mas, de todo modo, se avançou na questão racial, na questão das mulheres, no
aumento do salário mínimo. Então, era uma democracia que apontava para novas
possibilidades ao emancipar algumas pessoas.
Quais
são as alternativas a uma possível candidatura de Bolsonaro?
Dado
que querem destruir o Lula, o único que aparece é o Ciro Gomes, e depois a
Marina, mas ela é essa figura camaleônica, que para ganhar o poder faz de tudo.
Nós temos o Lula, que aparece com 30% das intenções de voto. Isso demonstra que
ele é independente do PT, porque o partido está em frangalhos. Lula é o maior
líder que produzimos no início do século XXI, um líder de dimensão mundial, ou
seja, é uma figura de grande presença, basta compará-lo a Temer. Pessoas como
eu, críticas ao PT, estamos falando não de um vinho excelente, mas de um vinho
razoável, comparado ao vinagre – nesse caso, Bolsonaro é um ácido.
Muitos
têm criticado o fato de a esquerda estar apostando boa parte das suas fichas na
volta do ex-presidente Lula em 2018. Não há uma alternativa ao ex-presidente?
O
que seria uma alternativa? Num período curto, só surgiria um salvador da
pátria, porque nós não criamos novas lideranças significativas. Estamos ainda
lidando com o sindicalismo, que está virando velho, e o PT renunciou àquilo que
lhe dava total distinção no mundo como um partido de esquerda. Compare o PT e o
PSOL: o PSOL surge de cima para baixo, e é formado por um pessoal que saiu do
PT, enquanto o PT foi contra tudo e contra todos e surgiu como um movimento
baseado em grandes massas. Essa foi a força do PT e o principal líder do
partido foi o Lula. Vamos demorar no mínimo mais uns 30 anos para criar um
movimento como esse. De uma hora para outra pode aparecer uma espécie de
Emmanuel Macron, como ocorre na França. O que é aquilo? É um mal menor.
Mas,
no caso brasileiro, Lula não seria um mal menor também?
Não,
seria uma inversão, ou seja, seria mais do que um mal menor. Lula representaria
uma inversão de direções. Se ele tem ou não condições de ganhar, não sei.
Nessa
altura, vale a pena apostar numa candidatura de Lula com uma perspectiva de
virada à esquerda, para se fazer o que poderia ter sido feito e não foi?
Não,
eu não estou apostando nisso. Eu apenas estou dando dados para mostrar como
ainda é surpreendente que, apesar de tudo que aconteceu e do que estão fazendo,
Lula ainda aparece como o favorito e bate todos os outros possíveis candidatos
no segundo turno.
Agora,
dizer que os que vêm como alternativa são melhores do que Lula, isso não posso
dizer, porque não vejo nenhum. O Ciro Gomes vem de onde? É cria do Tasso
Jereissati, e é um “vira-casaca”, como o Garotinho. Por quantos partidos o Ciro
já passou? Como confiar numa figura assim? Quem realmente tinha uma raiz
popular era a Marina, mas ela jogou isso no lixo com suas opções e seu
individualismo. Porém obviamente ela representa uma fatia do eleitorado. Na
minha opinião, será difícil agregar tanto de um lado quanto de outro.
O
que vejo é uma derrocada e quando há um vazio, como o que nós estamos vivendo -
porque esse é o maior fato político -, aparece o salvador da pátria. Eu citei o
exemplo do francês que está disputando o segundo turno. Ele é um funcionário de
Estado, nunca foi de partido e se apresenta quase como o Doria, só que ele não
vem do mundo empresarial, mas ele diz: “Não tenho nada a ver com os partidos”.
No que vai dar isso? Não sei. Tudo indica que ele vai ganhar. Antes ele do que
a Le Pen, que é anti-imigrante, é racista. No entanto, ela estaria mais afinada
com Trump, pois ela também defende abertamente a saída da França da União
Europeia - UE, que virou, também, uma arapuca para os países membros. Isso
porque a UE está servindo, basicamente, para a ascensão da Alemanha como
potência; a Alemanha é que impõe as políticas à União Europeia, dizendo “vamos
dividir o mundo em nosso benefício”.
A
que atribui uma desvinculação de Lula ao PT?
Eu
não sei como seria um novo governo Lula, porque sem a reforma política não se
vai mudar o modo de fazer política. Mas não se sabe o que a Lava Jato vai fazer
com o Lula. Aliás, ela foi montada justamente para acabar com o Lula; esse é o
sentido dessa operação. Ela não tem o objetivo de acabar com a corrupção em si,
mas com uma determinada corrupção. Inclusive, o próprio Odebrecht disse que
esse tipo de corrupção já existe há mais de trinta anos, mas é estranho que só
venha à tona agora.
Apesar
de a corrupção já existir há muitos anos, não diria que há uma decepção maior
justamente porque o PT tinha um discurso diferenciado dos demais partidos?
Sim,
de fato há essa decepção e já em 2004 eu dizia que, enquanto cidadãos, nós
estávamos encurralados e tínhamos entrado numa fria, porque embora parte da
militância estivesse participando do governo, essas pessoas estavam nos
ministérios mais fracos, pois os ministérios importantes foram entregues aos
banqueiros, aos empresários, aos ruralistas. Se fez menos reforma agrária nos
governos do PT do que no governo FHC, mas havia um mal-estar do movimento em
enfrentar essas questões.
Como
o senhor reage diante das últimas delações tanto dos executivos da Odebrecht,
que denunciam o sistema político como um todo, quanto das delações dos
marqueteiros das campanhas do PT, que revelaram o pagamento de propina por
parte da Odebrecht às campanhas presidenciais da ex-presidente Dilma, em 2010 e
2014, e na campanha do ex-prefeito Haddad, e ainda sobre os pagamentos de
propina feitos à cúpula do PMDB?
Diante
dessas delações, não sobra muita gente no sistema político. É por isso que a
reforma política começa a entrar em discussão no Parlamento, mas que reforma
eles farão? Uma com a qual possam se manter no poder. Eu vejo a Lava Jato
entrando em contradições que começam a fugir ao controle dela, e as
investigações alcançaram o Judiciário, que é o poder mais corrupto.
Que
contradições percebe?
O
ponto é que o Judiciário não tem como segurar as delações, mas nas delações
também devem aparecer acusações contra juízes. Antes eles conseguiam “direcionar”
as delações, mas agora não tem mais como. Alguns diretores da Petrobras dizem
que a corrupção já existia no governo FHC, mas nisso não se toca. No entanto,
agora que a situação chegou na Odebrecht, aparece o modo como todos os
políticos estão envolvidos nesse sistema de corrupção, porque a empresa apoiava
todos os políticos com chances de se elegerem e era o baú da felicidade dos
partidos.
Nas
últimas semanas saíram da prisão o ex-tesoureiro do PP, João Claudio Genu, o
empresário Eike Batista e, nesta semana, José Dirceu. Como o senhor avalia
esses casos e que implicações isso pode ter para a Lava Jato?
Eu
pessoalmente acredito que a Lava Jato extrapolou. Essa equipe que está
conduzindo a Lava Jato é contra habeas corpus, ou seja, contra uma conquista
fundamental. De outro lado, essa equipe deu um protagonismo político ao
Judiciário, mas que o desmoraliza, pois o Judiciário não pode ter protagonismo
político; ele é um poder passivo, que tem como finalidade dirimir dúvidas
quando ocorrem conflitos. Cabe ao Judiciário avaliar se houve alguma falta ou
não, mas não cabe a ele ser protagonista. Esse é um dos maiores problemas que
temos, e a Lava Jato vai nos deixar uma herança de um Judiciário incontrolável.
Um
ponto fundamental da reforma política seria o enquadramento do Judiciário. Uma
vez que os membros do Judiciário são concursados, quem os tira de lá? Eles são
julgados pelos seus próprios pares. Eles falam em corrupção, mas vai ver o
contracheque do (Sérgio) Moro. É algo em torno de oitenta e tantos mil reais.
Mas não gira na casa dos 30 mil reais o limite de salário para o funcionalismo?
Então, como isso é possível? O único pequeno avanço que a Constituição de 1988
fez foi dar um papel novo ao Ministério Público, mas não deu a ele os contrapesos.
Com isso surge essa garotada que está aí, que tem um discurso interpretativo e
que já julgou todo mundo, e agora só busca argumentos para deixá-los
definitivamente na prisão.
Eike
Batista está em prisão domiciliar, mas o menino pobretão que roubou um celular
está preso, sendo preparado para ser criminoso nas prisões brasileiras. O Eike
não roubou também? Não sonegou impostos? No caso do Cunha, por exemplo, não tem
como dizer que o dinheiro que ele recebeu foi para caixa dois. O (Sérgio)
Cabral também não recebeu dinheiro para a eleição; esse dinheiro foi para o
bolso dele.
Mas
há diferença se a propina recebida foi usada para benefício pessoal ou para
benefício dos partidos que receberam esse dinheiro para financiar suas
campanhas de modo ilegal?
A
diferença é que as empresas podiam doar dinheiro para as campanhas legalmente.
Se elas extrapolaram fazendo do jeito que fizeram, foi porque elas não podiam
declarar a origem do dinheiro, isso é crime, mas é um crime de rico com rico.
Nesse caso funciona habeas corpus, funciona o uso de tornozeleira para ficar
gozando o que se roubou. O pobre, ao contrário, nem advogado tem para
defendê-lo. Por que o Ministério Público não vai defender essas pessoas? É essa
contradição, que é mais estrutural, que não vai mudar.
Outra
questão é o abuso de autoridade. De fato, é de interesse do Congresso limitar a
Operação Lava Jato, mas que há abuso de autoridade na operação, isso há. O
ministro (Edson) Fachin talvez seja a figura mais decente naquele Supremo. Mas
o Gilmar Mendes, “meu Deus do céu”, é um representante do agronegócio no STF.
Mesmo no Tribunal há um toma lá dá cá. Essa decisão de libertar uns agora é
feita para poder libertar outros mais adiante. O tribunal não tem demonstrado
total imparcialidade em todo o processo da Lava Jato; ele é muito direcionado.
A
decisão de libertar José Dirceu, por exemplo, indica que o STF poderá libertar
quem na sequência?
O
Eduardo Cunha, por exemplo. Acho que o STF vai receber um pedido para soltar o
Cunha.
Alguns
já comentam que a defesa de Palocci também entrará com um pedido de habeas
corpus no STF para libertá-lo. Outros ainda especulam que isso poderia
acontecer para evitar uma possível delação dele, a qual atingiria outros
setores, como os bancos, os meios de comunicação e inclusive membros do STF.
Essas especulações têm algum sentido?
Eu
imagino que quando o próprio tribunal é objeto das delações, os ministros não
irão aceitá-las. A decisão sobre aceitar ou não as delações é dos juízes, então
se uma delação envolve o tribunal, eles irão aceitá-la? O tribunal está
constrangido. Ele dá compensação para quem banca o “dedo-duro”, mas a pessoa
não pode dizer tudo o que ela sabe, ela precisa informar somente o que eles
querem saber - esse é o viés que o tribunal está dando. Na verdade, o que
parece é que o tribunal não quer que determinadas informações venham à tona. Se
se trata de uma delação, a pessoa deveria dizer tudo o que ela sabe. Diante
dessas “solturas”, nos perguntamos qual é o critério para que ocorram, porque
fica sempre a dúvida. Será que não tem coisa por trás? Além disso, há aqueles
casos em que as delações não são aceitas.
Depois
que o STF decidiu pela liberdade de Dirceu, o procurador Deltan Dallagnol
publicou um texto comparando a atuação do STF no julgamento de outros crimes
semelhantes, ou inclusive menores, nos quais os ministros que votaram pela
liberdade de Dirceu votaram a favor da condenação desses outros casos.
Mas
aí entra toda aquela história de a pessoa poder ter um advogado que faça sua
defesa. Nós estamos falando de uma elite, tanto dos delatores quanto dos
corruptos, e todos eles têm advogados e podem pagar por eles. Mas 1/3 das
pessoas que estão presas no país não têm condições de pagar bons advogados para
tirá-las da prisão. No Brasil se sabe que basta ter um bom advogado para que
seja possível postergar uma decisão judicial por vinte anos.
Outra
denúncia feita pelos executivos da Odebrecht diz respeito à relação da empresa
com o movimento sindical. Lula e Paulinho da Força são citados por terem
apoiado interesses da construtora durante greve de trabalhadores. Como o senhor
vê esse tipo de denúncia, que envolve não só os políticos, mas o movimento
sindical que se apresenta como defensor dos direitos dos trabalhadores?
Eu
não sabia desse fato, mas não o acho estranho, porque as lideranças sindicais
são parte do sistema político na medida em que são uma representação política
também. Esse sistema está sentado em cima da corrupção e temos que combatê-la
radicalmente em todas as frentes: não se trata de destruir ou prender somente
esse ou aquele ou só aquela organização, mas de encontrar uma forma para que a
corrupção não possa ser feita. Mas isso é parte da reforma política: é preciso,
via a reforma política, encontrar um modo de resgatar a política, e isso passa,
ao meu ver, por uma reforma da mídia.
A
mídia privada nunca vai defender o interesse público, seus interesses estão
acima do interesse público; esse é um problema. Nós não temos um canal público,
como a BBC, que poderia fazer um contraponto e obrigar os veículos a fazerem
outro tipo de jornalismo. Durante sua gestão, o PT criou a EBC, que já está
sendo destruída.
Como
as últimas delações envolvem praticamente todo o sistema político, que
implicações a Lava Jato pode ter na política?
A
questão está dada. Agora, desse antro de corrupção que é o nosso Congresso, não
vai sair nada. Então, no limite, nós temos que voltar a uma constituinte para
fazer uma reforma do Judiciário, uma reforma da política e uma reforma da
mídia. É preciso zerar o jogo e recomeçar, pois no quadro em que estamos, não
será possível enquadrar nem o Judiciário, nem os partidos.
Estamos
com um grande problema e a nossa democracia não vai gerar, em si, uma solução.
Portanto, precisaremos fazer uma pregação, como fizemos durante 20 anos, para
ir conquistando “beirada por beirada”, “comendo pelas bordas”, para que do seio
da sociedade civil possam surgir forças novas capazes de criar um movimento
irresistível por uma constituinte soberana, autônoma de partidos, definindo como
serão e atuarão os partidos, como serão as eleições, com será o Executivo, como
substituí-lo caso ele não corresponda ao que prometeu na eleição, como
enquadrar o Judiciário. Embora ele deva ter autonomia, será que ele tem que ser
vitalício? Essa é condição para poder julgar?
Nós
estamos pagando o preço de ter optado por um Congresso constituinte ao invés de
uma Constituinte, embora ela tenha representado uma base pela qual nós
poderíamos avançar com emendas constitucionais progressistas, mas as que estão
sendo feitas são de desmonte.
Se
achava – e eu continuo achando – que a democracia é o melhor método de
transformação, mas para isso é preciso que o cidadão esteja consciente de que
quem constitui e institui é ele e não o Estado, mas nós pensamos o contrário.
Mas os movimentos constituintes não podem ser feitos da forma como o Nicolás
Maduro está fazendo na Venezuela, via decretos – aquilo é um golpe aos seus
moldes.
Voltando
ao tema da greve geral, como percebe a movimentação dos bispos ao apoiar a
manifestação? O que ocasionou essa manifestação crescente dos bispos?
Existem
mudanças na Igreja em razão do Papa Francisco. Há, portanto, uma virada depois
de 30 anos de conservadorismo dentro da Igreja. O que está acontecendo agora é
um certo movimento de se abrir, embora haja uma ameaça para a Igreja Católica
nesse momento, porque quem acabou redesenhando o projeto que a Igreja teve nos
anos 70 foram os pentecostais, que têm o projeto de serem a religião oficial.
Eles não estão lutando por um Estado laico, mas por um Estado a sua semelhança.
Basta ver como estão crescendo, criaram partidos, começaram a ganhar eleições.
De
outro lado, sempre existiram correntes progressistas dentro da Igreja, mas elas
estavam perdendo espaço por conta desses anos de conservadorismo. Mas agora
mudou o colégio que elege a CNBB e a Igreja está mudando de postura.
Eu
acho que as igrejas são uma variável política muito mais importante do que
admitimos. Não quer dizer que entre os pentecostais só existam pessoas que têm
uma perspectiva conservadora. Ao contrário, entre eles há muitos que lutam
contra o racismo, a favor da igualdade, porque se há uma coisa que une todas as
igrejas é a luta antiaborto, relacionada à emancipação feminina, porque as
igrejas têm dificuldade de lidar com essa agenda. Os bispos, cardeais, padres e
pastores são todos homens, então como eles vão entender as questões das
mulheres?
Nesta
semana o Comando Vermelho fechou a Avenida Brasil. Por que isso aconteceu? O
senhor pode nos dar algumas informações sobre o caso? Qual é a situação neste
momento?
Nós
estamos num esgarçamento total no Rio de Janeiro e a crise aqui tem uma
particularidade por conta do Estado, que se assentou na corrupção, como o fez o
Cabral, e inclusive o Tribunal de Contas do Estado está envolvido como parte no
esquema de corrupção. Então, o Estado está falido, não tem dinheiro, e no
contexto político geral do país, em que há violência em todos os estados, há
uma atitude condescendente, ou seja, há uma situação favorável para que a
violência ressurja com força.
No
Rio de Janeiro há um descontrole, a polícia não tem dinheiro nem para abastecer
os carros, os equipamentos nem sempre funcionam, ou seja, há um Estado incapaz
de dar conta das tarefas mínimas, como garantir segurança e saúde. Nesse
contexto ressurge a violência de uma forma escandalosa. Aqui no Rio nos
perguntamos todos os dias onde terá um novo conflito, porque eles acontecem
diariamente. A Avenida Brasil foi fechada na terça-feira pelo Comando Vermelho,
mas amanhã ela poderá ser tomada de novo, ou seja, não sabemos onde vão
acontecer os próximos conflitos. Os traficantes ocuparam a Av. Brasil à noite e
durante a manhã toda. Foi apreendido um arsenal de vinte fuzis com os
traficantes. Diante disso, eu me pergunto qual é a diferença entre nós e a
Síria, porque nós estamos vivendo uma situação de guerra civil, sem ter uma
disputa de poder, porque o que há aqui é uma disputa por territórios para poder
fazer negócios.
Há
uma disputa entre as facções dentro e fora dos presídios, em âmbito nacional,
mas em alguns locais a situação estoura com mais força. No Rio de Janeiro há
muito mais mortes hoje do que há dois anos. A violência é geral, e se mata por
qualquer coisa. Há um estado de total insegurança na cidade. Nesse contexto
esses grupos ligados ao tráfico se sentem mais liberados para agir, dado que a
polícia tem menos capacidade de ação, e muitos policiais morreram neste ano,
assim como muitos inocentes.
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2017/05/lava-jato-nos-deixara-a-heranca-de-um-judiciario-incontrolavel-diz-candido-grzybowski
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