Desde
o início da operação Lava Jato, em março de 2014, juristas e pesquisadores do
campo do Direito têm alertado para os abusos cometidos no processo
investigação, produção de provas e julgamento. A polêmica mais recente envolve
grampos telefônicos entre um jornalista e uma fonte – o colunista político
Reinaldo Azevedo e Andrea Neves, irmã do ex-governador de Minas Gerais e
senador Aécio Neves (PSDB).
Na
próxima terça-feira, o juiz Sérgio Moro será julgado no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) pela divulgação de interceptações telefônicas do ex-presidente
Lula (PT) e de seus familiares.
Para
entender cada uma dessas críticas e conhecer os artigos da Constituição Federal
de 1988 que estão sob ameaça, conversamos com Cláudia Maria Barbosa,
pós-doutora pela York University, no Canadá, e professora titular de Direito
Constitucional na PUC-PR.
Cláudia
Maria Barbosa explica que o modus operandi da Lava Jato ameaça,
particularmente, o artigo 5º da Constituição, e exemplifica os casos de
violação a quatro incisos:
Inciso III
Assegura
que não haverá tortura ou tratamento desumano e degradante na condução do
processo. A prisão preventiva por tempo indeterminado, sem a formalização de
uma acusação, é um método de tortura psicológica e foi caracterizada como crime
pela Convenção Interamericana para Prevenir e Proibir a tortura (1995).
Inciso XII
Prevê
a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações. Exemplo de
violação: Divulgação dos telefonemas do ex-presidente Lula e da então
presidenta Dilma Rousseff, autorizada por Sérgio Moro em março de 2016.
Inciso LVI
Proíbe
a utilização de provas ilícitas e a apreensão de documentos sem a devida
autorização judicial. Exemplo de violação: Computadores e documentos foram
apreendidos sem justificativa no Instituto Lula em março de 2016.
Inciso LXVI
Garante
que a prisão será utilizada apenas excepcionalmente. Segundo a especialista, a
prisão se tornou “moeda de troca” entre o acusado e as autoridades. Exemplo de
violação: Doleiro Alberto Youssef foi preso preventivamente em 2014, fez acordo
de delação e pôde deixar a prisão.
Segundo
a professora Cláudia Maria Barbosa, as ameaças e violações cometidas pela
força-tarefa da Lava Jato e pelo juiz Sérgio Moro não se limitam à Constituição
Federal de 1988, mas também ferem documentos assinados internacionalmente. O
direito de ser julgado por um juiz imparcial, por exemplo, está previsto no
artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no artigo 8º do Pacto
de São José da Costa Rica.
“O
estado democrático de direito consagrado na Constituição não é apenas um
conceito retórico”, ressalta Cláudia. “Ele está expresso em diversos
dispositivos constitucionais que adotam uma posição garantista em relação aos
direitos fundamentais e o máximo respeito ao chamado devido processo legal.
Qualquer ameaça ou restrição a direitos deve ser restritivamente analisada, de
maneira a que o indivíduo possa estar protegido do abuso de qualquer
autoridade, inclusive a judiciária”, finaliza.
Em
entrevista recente ao Brasil de Fato Paraná, o juiz Alexandre Morais da Rosa,
professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), também criticou o
uso de conduções coercitivas na Lava Jato – casos em que o acusado é levado,
mesmo contra a vontade, a prestar depoimento diante de autoridades. “É sempre
um mecanismo autoritário”, ressaltou. “O acusado tem o direito de não produzir
prova contra si mesmo, por disposição internacional e constitucional”.
O problema das
delações
A
professora Cláudia Maria Barbosa considera que “a Lava Jato transforma em regra
aquilo que deveria ser exceção, na medida em que prioriza mecanismos
processuais que se voltam à restrição da liberdade de locomoção, da proteção e
sigilo das comunicações, do direitos a ser julgado por um juiz imparcial, entre
outros”.
A
maior parte das violações à Constituição se dá a partir da utilização da
delação premiada como método prioritário de obtenção de provas ou indícios para
acusação. “A delação tem previsão legal, mas não expressa previsão
constitucional. Como medida restritiva, deve ser usada apenas nos estritos
limites expostos pela lei. Nesse sentido, seu uso ‘corrente’ pela Lava Jato já
poderia, por si só, configurar abuso de autoridade”.
Na
Lava Jato, ainda de acordo com a interpretação da professora, a delação não é
espontânea, como prevê a lei, mas provocada mediante uma ameaça de tortura
psicológica. “A delação existe, mas o uso que a Lava Jato faz dela a torna um
procedimento ilegal (porque infringe a lei) e inconstitucional (porque agride,
por exemplo, a dignidade humana e configura-se como ato de tortura”.
https://www.brasildefato.com.br/2017/05/26/passo-a-passo-como-a-lava-jato-ameaca-a-constituicao-federal/
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