O
golpe parlamentar transformou o Brasil num país sem lei. A cada dia novas
notícias deprimentes nos assolam. Quando não são os nove sem-terra chacinados
em Colniza (MT), são três manifestantes do MTST que são presos por motivo
fútil, mantida a prisão para deleite de uma magistrada aparentemente militante
dos celerados que ajudaram destituir uma Presidenta eleita com 54 milhões de
votos. Quando não são índios Gamela atacados por fazendeiros sanguinários que
lhes decepam as mãos, é Mateus assaltado covardemente por um capitão da PM de
Goiás, que lhe afundou o crânio com uma cacetada tão forte que quebrou o
cassete. E tudo se passa sem uma palavra de condolência, de conforto dos atores
golpistas instalados no governo federal; sem uma promessa de providências do
procurador-geral da República, preocupado demais com a ideia fi xa de “combate”
à corrupção. Parece que as instituições estão de férias, deixando o descalabro
correr solto.
Segurança
jurídica? O que é isso? Depois que um juiz de piso - como gosta de dizer o meu
amigo Eugenio Aragão - da provincial
Curitiba se arrogou poderes de subverter o devido processo legal ao jogar para
a plateia ao invés de jurisdicionar, pode se esperar tudo. As demais
instâncias, seja por razões de comodismo, seja por conivência ou seja por
pusilanimidade, sacramentaram largamente as práticas "excepcionais"
para "tempos excepcionais". Quatorze reclamações disciplinares contra
o juiz de Curitiba foram arquivadas no CNJ. Ele tudo pode. Até mesmo tornar
públicas interceptações realizadas em comunicação telefônica que não
interessavam ao processo, somente para destruir as reputações dos
interlocutores. Ficou por isso mesmo. O juiz virou um popstar. E nenhuma pecha
nele gruda.
Isso,
claro, enquanto o magistradinho estava se limitando a dar suas caneladas na
turma do PT. Todos o festejavam e batiam palmas para maluco dançar. E enquanto
palmas se batiam, maluco dançava feliz.
Com
a divulgação precipitada das delações de Emílio Odebrecht e de Leo Pinheiro,
contudo, parece que a bonança acabou em Curitiba. As palmas parecem querer
silenciar. Ao menos as mais entusiasmadas delas, as palmas institucionais. Não
que a divulgação tenha obedecido à mesma dinâmica perversa das publicidades
anteriores, com timing calculado para destruir toda e qualquer chance de
sobrevida política de atores do PT. Desta vez, a ostentação das delações
escapou como um salve-se quem puder. Os relatos eram de um vulto tal, que não
tinham como ser mantidos longe da curiosidade pública por muito tempo.
Tornaram-nos públicos para salvar a cara do ministério público, já no fim do
segundo e provavelmente último mandato de seu chefe. Não havia como esconder
tanta sujeira por debaixo do tapete, sem que seu sucessor n&ati lde;o fosse
obrigado a expor eventual omissão.
Só
que os novos delatados, pertencentes ao seleto clube das classes dominantes
brasileiras, não poderiam receber o mesmo tratamento da ralé de esquerda. A
sangria tinha que ser estancada, ainda que, para tanto, as instâncias omissas
ou coniventes agora se apropriassem do discurso crítico ao carnaval judicial
curitibano. Antes tidas como coisa de juristas esquerdistas e blogueiros de
pouco eco, as críticas agora passariam a fazer parte do repertório do
magistrado supremo porta-voz da elite política e financeira: Moro estaria
agindo arbitrariamente ao manter longas prisões processuais com escopo de moer
a resistência de potenciais delatores; essa prática, agora mereceria a mais
veemente reprimenda da corte suprema.
Às
favas com a coerência. Para tornar a mudança de ventos mais assimilável pelos
críticos costumeiros do carnaval curitibano, resolveu-se começar por José
Dirceu, como boi de piranha. Assim, pensou-se, calariam aqueles que enxergassem
oportunismo e seletividade na atitude dos magistrados inovadores.
Não
que José Dirceu não merecesse, por justiça, a ordem de habeas corpus que
colocasse fim ao longo cárcere decretado por capricho do ministério público e
do juiz de piso. Só que o merecia já muito antes, condenado que foi com pífia
prova de reforço a suposições sem lastro da acusação, apenas para perpetuar o
seu calvário político. Não, soltá-lo nada tem de errado. Errado é esperar tanto
tempo para lhe garantir a liberdade que nunca deveria ter sido surrupiada. É
saber que seu cárcere apenas obedecia à lógica da extorsão de delação para
comprometer alvos políticos certeiros, como o PT e Lula, e nada ter-se feito
por tanto tempo. Escandaloso é determinar a soltura de José Dirceu somente para
garantir um precedente que possa aproveitar outros ameaçados por Curitiba que
pertençam ao clube dos intocáveis.
Fez-se
Justiça a José Dirceu, ainda que por aberratio ictus, por erro quanto à pessoa,
pois quem se quis beneficiar nada tem a ver com ele.
E
assim anda a carruagem de nosso estado de direito destroçado. Ninguém se preocupa
com a aplicação da lei para todos. Preocupam-se em passar a mão na cabeça de
alguns, ainda que para isso tenham que, a contragosto, beneficiar outros como
sacrifício necessário para manter as aparências.
Enquanto
isso, esperneiam os Dallagnois da vida, porque, coitados, até hoje não haviam
entendido como a orquestra toca. Finalmente aprenderam a duras penas que foram
"useful idiots", poupados nas suas extravagâncias tão e só porque
ajudaram com o trabalho sujo de solapar o processo político democrático; mas
que não pensem que podem continuar tocando terror no País, porque, agora, os
jogadores são outros. E saberão punir exemplarmente qualquer insolência advinda
da burocracia privilegiada do ministério público e da justiça de primeiro grau.
Que se cuidem e não se metam a besta. Temer não é Dilma e Gilmar não é
Lewandowski, só para lembrar...
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/wadihdamous/293544/A-soltura-de-Jos%C3%A9-Dirceu-e-o-jogo-das-apar%C3%AAncias.htm
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