"Acho curioso como sabemos todos os
casos sexuais de tantos reis e imperadores, mas uma líder como Tereza de
Benguela, que foi rainha do quilombo de Quariterê no Mato Grosso, nem sequer é
mencionada nas escolas."
A
observação acima é Jarid Arraes, autora de Heroínas Negras Brasileiras em 15
Cordéis, que acaba de chegar às livrarias. A obra da escritora de 26 anos busca
justamente preencher essa lacuna na História oficial do Brasil - recuperando
narrativas de mulheres negras que defenderam seus direitos e batalharam por
seus espaços.
Em
companhia do perfil de Tereza está a história de Maria Firmina dos Reis,
responsável pelo primeiro romance abolicionista do Brasil, Úrsula, e fundadora
da primeira escola mista do País - para meninos e meninas – projeto pelo qual
foi duramente perseguida.
Em
entrevista ao HuffPost Brasil, Jarid aponta semelhanças na trajetória de Maria
Firmina e de outra grande escritora negra brasileira, Maria Carolina de Jesus,
cuja trajetória também é contada no livro.
"Embora
tenha seu primeiro livro, Quarto de Despejo, publicado com muito sucesso,
Carolina caiu no esquecimento porque ousou enfrentar a elite que a exotificava
e peitou os supostos 'tutores' que não permitiam sua expressão artística em
outras áreas, já que ela sonhava também em ser cantora", diz.
Heroínas
Negras em 15 Cordéis apresenta ainda as histórias de princesas e rainhas
africanas como Aqualtune, Zacimba Gaba e Na Agontimé, que foram sequestradas
como escravas para o Brasil. "Mas elas lideraram revoltas, mantiveram
quilombos de sucesso e não apenas lutaram pela liberdade de todos, como também
deixaram importantes legados", conta.
O
processo de pesquisa que resultou no livro começou há quatro anos, quando a
jovem escritora se deparou com as trajetórias de três personagens negras também
apagadas dos livros de História: Dandara dos Palmares, Luisa Mahin e Aqualtune.
"Durante
toda a minha vida escolar e também na mídia, nunca tinha ouvido falar de sequer
uma mulher negra que tenha feito algo de importante na história do Brasil, e
quando tive acesso aos grandes atos dessas mulheres, mergulhei fundo para
encontrar outras", diz.
Encontrar
detalhes sobre o curso das vidas dessas mulheres não foi fácil. Uma das maiores
dificuldades que teve durante o processo foi levantar dados confiáveis sobre as
heroínas - já que que existem poucos registros sobre essas figuras.
Filha
e neta de cordelistas do Ceará e entusiasta da preservação da literatura de
cordel, Jarid resolveu adaptar os enredos de vida das personagens que encontrou
para o popular formato escrito em folhetos e, frequentemente, na forma rimada.
"Transformar
essas biografias em cordel foi uma escolha de muito sucesso, porque o cordel
tem uma linguagem acessível, divertida. É gostoso de compartilhar, de ler em
grupo e é perfeito para utilizar em sala de aula", conta.
A
coleção, que reúne 20 perfis, foi sucesso de vendas: mais de 20 mil cordéis em
menos de dois anos. Hoje, os cordéis são usados em escolas de todo o Brasil e
estão presentes até ma Biblioteca do Congresso de Washington, nos EUA,
A
partir daí, tentar transformar a coleção em um livro se tornou o caminho
perfeito para que as histórias alcançassem um público ainda maior.
O
resultado final dessa empreitada é uma edição de 176 páginas publicado pela
editora Pólen Livros - com 15 biografias contadas em cordel e prosa. A
coletânea forma um "grupo representativo em diversidade", segundo a
escritora.
"São
mulheres de épocas diferentes, de estados diferentes e que lutaram batalhas
diferentes. Entre escritoras, ativistas, líderes quilombolas e de revoltas
contra a escravidão, escolhemos 15 heroínas negras que marcaram nossa história
e nos deixaram um legado importantíssimo", explica.
Feminismo e
Ativismo Negro
Jarid
Arraes teve uma trajetória ativa como blogueira antes de se dedicar totalmente
à literatura.
Do
primeiro blog autoral, Mulher Dialética, ela passou a escrever no Blogueiras Feministas,
colaborando na sequência com o Blogueiras Negras. Na Revista Fórum, manteve a
coluna Questão de Gênero, onde também escreveu matérias abordando temáticas
ligadas a Direitos Humanos no geral.
Foi por causa dessa escrita política que
passei a entender que eu poderia, sim, ser escritora de ficção, de poesia e de
cordel, que esse lugar também era um lugar para mim. Com o tempo, e com os
ataques que eu sofria pela internet, ameaças e xingamentos por tratar desses
temas, eu decidi me dedicar exclusivamente a literatura.
Antes
de Heroínas Negras em 15 Cordéis, ela lançou Lendas de Dandara, que apresenta
em formato de prosa mítica o perfil de outra grande mulher negra da História do
Brasil: Dandara dos Palmares - a esposa do líder Zumbi.
Questionada
sobre o público-alvo de seu novo livro, Jarid afirma Heroínas Negras é
necessário para toda a sociedade. E justifica:
"Porque não aprendemos sobre essas
mulheres, não ouvimos falar das lutas que travaram, das conquistas que tiveram
e que nos beneficiaram de modo geral, a todos. É também uma forma de combater
mentalidades machistas e racistas, pois estamos tão habituados a vermos homens
brancos como grandes conquistadores, desbravadores, intelectuais e escritores,
que é quase como se nosso inconsciente coletivo pensasse que mulheres negras
nunca fizeram contribuições do tipo para a humanidade."
Além
dos livros, a escritora mantém projetos literários como o Clube de Escrita Para
Mulheres – que, como o título denuncia, capacita mulheres para o mercado
literário. São nessas vias que ela foca seu ativismo negro e feminista
atualmente.
"Acredito que essas personagens e suas
histórias produzem empatia, identificação, questionamento e fazem com que as
pessoas entrem em contextos que poderiam não entrar de outra forma. Também
aposto no poder coletivo de juntar mulheres que escrevem e questionam o
machismo e o racismo do mercado editorial, dos eventos literários, assim
produzimos muita mudança e afirmamos que as obras escritas por mulheres são relevantes,
são de qualidade e que não vamos aceitar o 'mais do mesmo' que ainda domina
esse mundo da literatura."
SERVIÇO:
Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis -
176 páginas - R$ 35
Lançamento em São Paulo, dia 01/06 - 19h30
- Blooks Livraria
Lançamento no Rio de Janeiro, dia 07/06 -
19h30 - Blooks Livraria
Amauri Terto
Repórter de Entretenimento do HuffPost Brasil
http://www.huffpostbrasil.com/2017/05/25/15-heroinas-negras-do-brasil-ganharam-biografias-em-cordeis_a_22110036/?ncid=tweetlnkbrhpmg00000002
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