Nestes
últimos meses em que praticamente todos os setores da vida pública ficaram
moralmente rotos e esfarrapados, os condutores da Lava movimentaram-se sob um
halo de pureza e respeito pela cruzada contra a corrupção, que se projetou
também sobre o conjunto do Judiciário e do Ministério Público. Esta luz de
Curitiba agora começa a esmaecer, com os procuradores e juízes adentrando
também na bruma dos que defendem privilégios, quando buscam a prerrogativa de
não se submeterem à Constituição. O lobby dos procuradores contra a
possibilidade de responderem por crimes de responsabilidade, a ira dos juízes e
das instituições da magistratura contra a iniciativa do Senado de investigar os
supersalários e de aprovar uma lei sobre abuso de autoridades podem acabar sendo
um tiro no pé. Ao som das palmas começa a juntar-se um arrulho de rejeição a
esta busca da intocabilidade.
Nesta
quinta-feira o deputado Paulo Pimenta fez um vigoroso discurso contra o esforço
para transformar juízes e procuradores numa casta, advertindo para o risco de
estar sendo jogado fora todo o esforço para combater a corrupção e estabelecer
regras mais rígidas contra os privilégios de toda espécie, e também contra os
abusos de autoridade, em todas as esferas. “Qual é a lógica de se aprovar uma lei
mais dura contra a corrupção e ao mesmo tempo instituir-se uma casta de juízes
e promotores intocáveis, que não precisam respeitar o teto salarial e que não
podem ser investigados quando cometem crimes?”, perguntou Pimenta, dirigindo-se
às duas maiores estrelas da Lava Jato:
– “Dallagnol, você está abaixo da lei. A
Constituição deve valer para todos. Sérgio Moro, você é um mortal como qualquer
outro. Se você cometer um crime, como cometeu quando divulgou interceptações
ilegais da Presidenta da República, você tem que responder por esse crime”.
É
quase inacreditável, disse Pimenta, que a Câmara tenha recebido uma comissão de
procuradores que veio de Curitiba, com dinheiro público, pressionar o relator
das “Dez Medidas contra a Corrupção” para não incluir no texto a possibilidade
de procuradores serem processados por crime de responsabilidade. E o relator, deputado Onyx Lorenzoini, os
atendeu. Como pode, num momento destes,
o Senado ser acusado de revanchismo por ter criado uma comissão para investigar
os supersalários que, em todos os poderes, ultrapassam o teto
constitucional? Recordou o deputado que
jornais e jornalistas, país afora, vêm sendo processados por divulgarem os
salários do Judiciário.
Refrescando
as memórias, Pimenta citou alguns casos de juízes que, tendo incorrido em
delitos e desvios graves, foram punidos apenas com a aposentadoria de salário
integral.
Em São Paulo, está provado que empresários
pagaram a promotores para não serem punidos pelo acidente no metrô e foram
absolvidos. Contra o promotor, até agora, nada.
Em Santa Maria, ninguém foi condenado pelo
acidente na boate Kiss, que matou tantos jovens. Mas três pais e uma mãe estão
sendo processados por um juiz que se irritou com a cobrança deles sobre a
demora no julgamento. Correm o risco de serem os primeiros e talvez únicos
condenados. Por “abuso do direito de reclamar”.
Uma juiza, envolvida com um dos maiores
narcotraficantes do pais, que vendia sentenças para traficantes, foi condenada
pelo CNJ à pena máxima: aposentadoria com salário integral.
Há 15 dias, aquela outra juiza que manteve
uma jovem numa cela com mais de 20 homens no Pará, permitindo que fosse
seguidamente estuprada, foi punida com um afastamento do cargo por dois anos,
preservado o salário integral.
Concurso
público, para juiz, procurador ou qualquer outro cargo, não torna ninguém mais
honesto nem o coloca acima da lei. Quem delega poder é o povo. Ao Executivo e
ao Legislativo, lembrou Pimenta concluindo: “Não podemos aceitar que sejam
agora entronizados como intocáveis estes príncipes da administração pública,
uma casta temida, protegida e privilegiada, que não pode ser investigada. Vamos
fazer o que tem de ser feito, mas para os três poderes. O Executivo, o
Legislativo e o Judiciário devem ser tratados da mesma forma. Essa é a
expectativa da sociedade”.
Volto
ao tiro no pé. Os que acreditaram que a Lava Jato ajudaria a passar o Brasil a
limpo, agora se surpreendem com a seletividade da cruzada moralizante. E não será bom para um país já tão enfermo
que caiam todos na vala comum, inclusive os que vinham sendo vistos como puros
e salvadores da pátria
http://falandoverdades.com.br.ln.is/75f59
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