Decisões
que mandaram soltar dois réus da operação “lava jato”, nesta terça-feira
(25/4), sinalizam que o Supremo Tribunal Federal passará a derrubar os decretos
de prisão preventiva que duram longos períodos, sem justificativa. É o que
avaliam advogados ouvidos pela ConJur.
O
ex-pecuarista João Carlos Bumlai, por exemplo, foi preso em novembro de 2015,
em medida que o juiz federal Sergio Fernando Moro considerou “aplicação
ortodoxa da lei processual penal (art. 312 do CPP)”, que se faria necessária,
de acordo com o próprio juiz, em um quadro de fraudes, corrupção e lavagem
sistêmica.
Mas
a 2ª Turma entendeu, por maioria de votos, que repercussão social do crime e a
garantia da ordem pública não são fundamentos para manter preventivas de forma
indeterminada. Para Dias Toffoli, autor do voto vencedor, manter Bumlai preso
violaria decisão do Plenário do STF que permitiu prisão a partir da segunda
instância — o réu só foi condenado em primeiro grau. O colegiado também
concedeu Habeas Corpus a João Carlos Genu, ex-tesoureiro do PP, que estava
preso preventivamente há cerca de um ano.
Estava
em julgamento também o caso do petista José Dirceu. Mas sua defesa não pediu
que o Habeas Corpus fosse colocado em julgamento. O advogado Roberto Podval
alegou ter audiência em São Paulo no mesmo horário e como a matéria pautada era
um agravo, que não prevê sustentação oral, o ex-chefe da Casa Civil foi
representado na sessão pelo sócio de Podval, Daniel Romeiro .
Houve
outros casos que não chegaram ao Supremo, como o do ex-executivo da OAS Mateus
Coutinho de Sá. Ele chegou a ficar nove meses preso até ser condenado diante de
"prova robusta" de que cometeu lavagem de dinheiro e corrupção ativa.
Depois da sentença, foi transferido para recolhimento domiciliar. Nesse meio
tempo, separou da mulher e deixou de ver a filha. Um ano depois, foi absolvido
pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região por falta de provas.
Não
são casos isolados. De acordo com levantamento feito pela ConJur, as
preventivas decretadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba na "lava jato"
duram em média 281 dias. A pesquisa levou em conta as durações das preventivas
de 86 pessoas do início da operação, em março de 2014, até o dia 31 de janeiro
deste ano.
Ex-tesoureiro
do PP, João Carlos Genu também conseguiu liberdade.
Por
isso as decisões desta terça da 2ª Turma do Supremo foram comemoradas por
criminalistas. O criminalista Celso Vilardi, que representou empresários da
Camargo Corrêa, define a decisão como um “alento” e “precedente importante para
todo o país, e não só para a ‘lava jato’, pois um dos grandes problemas do
Brasil são as prisões preventivas duradouras”. Ele considera natural que, com o
fim da instrução, não se pode alegar perigo para qualquer produção de prova.
Segundo
o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, defensor da jornalista Cláudia Cruz — mulher
do deputado cassado Eduardo Cunha —, “a corte cumpriu com seu papel, apontando
que a restrição à liberdade é excepcional e exige motivação mais densa do que
apenas alusões genéricas a gravidade do crime e a uma suposta periculosidade do
réu”.
José
Roberto Batochio, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, é duro ao criticar o movimento que agora parece encontrar um freio no
Supremo. “O STF reafirma seu compromisso com a ordem constitucional
democrática, da qual jamais deveriam ter se afastado alguns magistrados
brasileiros em nome da ‘Justiça das ruas’. Parece que se inicia a queda do
terror jurídico penal no nosso país”, afirma o advogado, que representa o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Antonio Palocci.
No
mesmo sentido, o conselheiro federal da OAB Guilherme Octávio Batochio diz que
a tese desta terça “reafirma o compromisso da Suprema Corte com a ordem
constitucional”, diante da “esquizofrenia que vem transformando em regra a
exceção do encarceramento cautelar”. Ele critica decisão da Corte Especial do
Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, “sem qualquer pudor”, declarou que
problemas inéditos descobertos pela “lava jato” exigem soluções excepcionais.
“Já
era hora de o Supremo impedir que prisões preventivas sejam vulgarizadas e
estabelecidas fora de pré-requisitos necessários a sua imposição, e assim
acabar com antecipações de pena e sequências de atos arbitrários que visam
extorquir depoimentos de pessoas e ampliar os poderes dos juízes de primeira
instância”, declara o criminalista Fernando Fernandes, defensor de Paulo
Okamotto — presidente do Instituto Lula.
A
constitucionalista Vera Chemim vê coerência da 2ª Turma com o entendimento do
Plenário do STF. “Ao que parece, o STF está colocando em prática as recentes
decisões do seu Plenário no sentido de manter presas apenas as pessoas
condenadas em segunda instância e respeitar o tempo legalmente previsto para a
prisão de natureza processual, como é o caso da prisão preventiva.”
O
ministro Gilmar Mendes já defendeu a necessidade de impor limites ao uso
excessivo de prisões preventivas.
Cautela
Nem
todos os advogados são tão otimistas com as decisões desta terça. Na avaliação
de Eduardo Kuntz, a corte deveria ter se baseado apenas na Lei de Execuções
Penais e na falta de necessidade da segregação cautelar, sem citar decisão do
Plenário do STF que permitiu prisão a partir da segunda instância.
“Confesso
ficar triste em comemorar uma decisão que me parece que nem deveria ter chegado
ao Supremo, mas vou torcer para que, no menor tempo possível, as prisões após
encerrado o segundo grau também possam ser revistas”, diz Kuntz.
Fernando
Castelo Branco, coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico da
Faculdade de Direito do IDP São Paulo, não vê nas decisões uma mudança
jurisprudencial. “O que ocorreu hoje foi uma manifestação por maioria de votos,
pura e simplesmente, no sentido de entender que não estavam mais presentes os
requisitos para a manutenção da prisão preventiva. Em nada tem a ver com uma
mudança de entendimento do Supremo ainda no tocante ao início de cumprimento de
pena, depois de confirmado o decreto condenatório.”
Em
fevereiro de 2015, quando a 2ª Turma considerou irregular a prisão preventiva
do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, advogados tinham a esperança de acabar
com as longas prisões preventivas imotivadas. Mas tiveram dificuldade em
afastar a tese de que o Supremo não pode apreciar HCs quando pedidos de
liminares só foram negados monocraticamente em outros tribunais, como determina
a Súmula 691.
O
tema pode voltar a ser enfrentado pela 2ª Turma, que decidiu, também nesta
terça-feira, julgar o pedido de Habeas Corpus impetrado pela defesa do
ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.
http://www.conjur.com.br/2017-abr-25/stf-mostra-discorda-prisoes-lava-jato-dizem-advogados2
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