Por
causa desse artigo, que o Cafezinho publicou em primeira mão em 21 de março de
2016, Sergio Moro está tentando botar Roberto Ponciano, um escritor socialista
profundamente erudito, colaborador do blog, na prisão.
Eu
o reli e o editei novamente, com cuidado, porque ele acaba de assumir um valor
histórico maior.
Leiam
e compartilhem!
Pela
liberdade de expressão!
MORO,
EICHMAN E A BANALIDADE DO MAL
Charge: Latuff
Por Roberto Ponciano,
colaborador do Cafezinho
O
mais assustador no que está acontecendo no Brasil não é uma questão apenas
política, e ver que em poucos meses, uma democracia que demorou 20 anos para
ser reconstruída pode se esfumar. Alain Badiou deixou claro em sua obra, que a
negligência, a omissão de quem tem o dever de atuar, dos intelectuais e
militantes políticos diante de um Evento é imperdoável. Não é simples omissão,
é cumplicidade, é criminoso.
O
assustador desta história é que o juiz Sérgio Moro não é um grande ator
político, ao fim e ao cabo Moro é um Zé Ninguém (na acepção inclusive reicheana
da miséria psíquica), um juiz de visão política turva, nenhuma envergadura
intelectual, com inteligência limitada e visão zero de sociedade.
Um
mero Eichman, executor das ordens superiores.
No
momento não sabemos claramente de quem, mas efetivamente desconfiamos da
cumplicidade. De certo, do próprio Janot, o Procurador Geral da República, que
deveria ser o defensor da lei, mas tendo conhecimento dos pérfidos grampos de
Moro, se não os autorizou, ratificou sua “legalidade”.
O
aspecto tragicômico deste enredo é que nem um dos dois, nem Moro, nem Janot,
tem qualquer dúvida que estão perpetrando uma ilegalidade. Os grampos nos
telefones de Lula, Dilma, Jacques Wagner, Rui Falcão não tem nada que ver com a
Lava Jato. Fariam corar de vergonha ou inveja os tribunais de exceção nazistas
e o senador Joseph McCarthy. Ambos sabem que as escutas são ilegais e imorais e
claramente persecutórias de um partido.
Hannah
Arendt, ao acompanhar o julgamento de Eichman, cunhou a famosa frase, que
resume toda uma teoria: “o mal é estrutural”.
O
mal se torna banal quando um simples burocrata medíocre como Eichman é capaz
de, sem sentir culpa ou remorso, fazer parte da engrenagem do mal.
Moro
é Eichman, um burocrata medíocre, de passado obscuro e de futuro tenebroso. Não
entra na história como herói, mas pela porta dos fundos, como um obscuro juiz
camisa negra, cujo único objetivo é despachar os vagões cheios de prisioneiros
vermelhos. Para que o mal seja banalizado, como nos ensinou Levinas, é
fundamental que o inimigo seja desumanizado.
Em
todos os julgamentos de tribunal de exceção, antes de tudo é necessário retirar
a humanidade do outro. E para que não tenham dúvida, não estou falando só dos
tribunais nazistas e fascistas. O mesmo simulacro de tribunal foi usado nos
julgamentos de Moscou e em outros tribunais “revolucionários”, que não julgaram
os indivíduos e seus crimes, mas suas ideias.
Moro
não está investigando nenhum crime. Seus atos deixaram de ter qualquer
resquício de legalidade há muito tempo, e ele não se importa em autorizar gravações
ignóbeis e as ceder (sabe-se lá em que condições) à maior rede de conspiração
do Brasil (a TV Goebbels), que precisa repetir uma mentira mil vezes para que
ela se transforme em verdade.
Assim,
assassinam-se as garantias legais. Nenhum de nós é santo, se grampeassem meu
telefone, não sei se iria primeiro para a cadeia ou primeiro para o inferno.
Numa sociedade falsamente pudica (uma das características principais do
fascismo), até os palavrões ditos em confidência são liberados para um
“objetivo maior”.
Desumanizar
o adversário, para que o terror fascista prevaleça. É necessário que o
adversário seja um cão, uma besta leprosa indesejável, que deve ser chutada e
cuspida na rua.
Vermelhos,
socialistas, comunistas!
Mas
não precisa ser socialista ou comunista. Na sanha fascista do mal, quem estiver
contra o fascismo já ganha sua adesão incondicional às ideias deste inimigo
imaginário.
E
tenho bastante moral para gritar contra isto. Quando se começou o linchamento
moral de FHC, pelo suposto filho “ilegítimo”, escrevi pequenos textos dizendo
que assim nos igualávamos às idiotices do “sítio do Lula”. Como democrata, como
socialista, não me interessam as aventuras amorosas de FHC e o que aconteceu
com a vida dele. Nem mesmo se ele tem um apartamento em Paris.
Isso
é cretinismo. Não se constrói um debate democrático e ideais firmes para um
embate político sério assim. Posso sim falar de FHC que ele agora é cúmplice do
golpe, quando tinha o dever de denunciá-lo, vítima de 1964 que foi. Com seu
aval, o PSDB, partido fundado por ele, embarca na aventura de um golpe de
Estado.
No
meio desta tragédia, há os “inocentes”. Membros da classe média que se
pretendem imparciais, mas que com sua imparcialidade, fazem coro às indecentes
violações dos direitos humanos, da privacidade, do vale-tudo. Que correm para
futricar as conversas privadas dos PeTistas (estas bestas-feras inimigas da
humanidade), fingindo não ver que estas gravações, e seu vazamento, são
criminosas. Tudo tirado do seu contexto e repetido ad nauseam para causar o
efeito que está causando.
Uma
parte da classe média pede “justiça’ a quem rasgou seu papel de defender a
justiça, e outra adere à barbárie fascista, agredindo pessoas que julgam
adversárias na rua. O povo do “vai para Cuba”. São duas faces da mesma moeda.
Assim como a classe média alemã que foi cúmplice e beneficiária do nazismo e só
abandonou o sonho do “Reich de mil anos” quando os aliados começaram a
bombardear as cidades alemãs.
Não
há perdão para esta cumplicidade e covardia.
Há
também cumplicidade e covardia de parcela de “esquerdistas”, que num momento de
transe histórico e de risco de regressão, sonham que estão às portas de uma
Revolução e que Brasília é o Palácio de Inverno. Quixotescos traidores da
democracia, que serão os primeiros a serem vitimados.
Vivemos
um momento de terror e transe, os próximos dias serão de confrontação de dois
campos em disputa pelo futuro do país. Um dos campos tem o juiz medíocre Moro,
o conspirador geral da República, Rodrigo Janot, Bolsonaro, Malafaia, Feliciano.
A junção do que há de mais perverso é uma ameaça de morte à inteligência.
Num
momento tão grave, a maior oferta de cursos universitários não gerou uma
juventude com ideias mais avançadas, capaz de defender a democracia e a
liberdade.
No
local em que eu trabalho, vejo servidores concursados usando trágicas camisas
pretas entoarem gritos de guerra pró-Moro, acompanhados de juízes que só pensam
no próprio umbigo. Os três estagiários jovens do local em que eu trabalho
admiram Bolsonaro e duas disseram que preferem votar em Bolsonaro a votar em
Lula.
A
mentira dita mil vezes cria um Zeitgest de espírito do tempo às avessas.
Jovens
de classe média ou baixa, que passam a acreditar no fascismo como redentor do
nada, como redentor do caos que ele mesmo – o fascismo – cria.
Um
reles funcionário de quinta categoria, nosso Eichman dos tempos hodiernos,
Sérgio Moro, é capaz de liberar os trens para os campos de concentração e
tornar uma nação inteira refém dele.
Quando
um juiz de uma vara de primeira instância consegue poderes absolutos através da
cumplicidade da PGR e da chantagem ilimitada, e se coloca acima da Presidente
eleita legitimamente, não é só o governo que se ameaça.
A
possibilidade de uma ditadura tecnocrata de burocratas torpes, míopes e
obtusos, sem pauta social, sem projeto e no meio do caos de um país dividido, é
uma ameaça a todos os democratas.
Devemos
defender a democracia pela qual nossos pais sofreram prisão, exílio, tortura e
morte, e derrotar o fascismo.
Não
consigo me imaginar viver num país onde qualquer Eichman de Curitiba possa
golpear uma nação inteira!
Só
há um remédio. Temos que ir às ruas e vigiar.
Os
fascistas não passarão!
Roberto
Ponciano é Mestre em Filosofia/Ética, em Letras Neolatinas e Especialista em
Economia do Trabalho
http://www.ocafezinho.com/2016/03/21/moro-eichman-e-a-banalidade-do-mal/
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