Aprovado
pela Câmara por 231 votos a favor, 188 contra e 8 abstenções, o projeto que
libera a terceirização em todos os setores da economia vai ressuscitar, na
prática, a figura dos mercadores de escravos que existiam no Brasil até a
abolição da escravatura. O que é uma empresa terceirizadora senão uma versão
contemporânea dos comerciantes que viviam da venda de escravos? A diferença é
que existe salário –se é que se pode chamar assim um pagamento até 30% menor do
que recebem os trabalhadores contratados diretamente.
Como
os comerciantes de escravos do Brasil colonial, a chamada “prestadora de
serviços” é uma empresa que não produz nada, nem uma só agulha. Seu único papel
na sociedade é fornecer seres humanos a outras empresas, nas piores condições
trabalhistas possíveis. Nas mãos delas, o trabalhador não é nada além de uma
mercadoria.
Pode-se
dizer, inclusive, que as primeiras empresas de “terceirização” surgiram no
século 18, quando donos de escravos alugavam algumas de suas “peças” a
terceiros, como aconteceu durante a construção da Anglo-Brazilian Gold Mining
Company, Limited (ABGM) em Mariana, Minas Gerais. Nos contratos eram colocadas
garantias para o contratante e para a contratada, mas nenhuma, é claro, para o
escravo, que podia, exatamente como hoje, ser sublocado a outro senhor.
Assim
como as empresas terceirizadoras da atualidade, a “atividade” de venda de
escravos tinha custo baixíssimo e gerava um lucro exorbitante, o que permitiu
aos negociantes acumular grandes riquezas. Sete das maiores fortunas do Rio de
Janeiro no século 18 eram de negociantes de escravos, com grande poder de
pressão sobre o parlamento. Alguém lembrou do Congresso Nacional de 2017? Em
vez de execrados, os maiores negociantes de escravos de Minas Gerais dão nomes
a praças e ruas no Estado.
Segundo
o Ministério Público do Trabalho, os mercadores de gente que prestam serviços
aos órgãos públicos lideram as fraudes contra o FGTS: recebem os 8% referentes
ao fundo de garantia, mas não repassam aos trabalhadores, comportando-se como
gigolôs dos funcionários que contratam, ao subtrair-lhes parte dos seus ganhos.
Os
negociantes de escravos do mundo moderno estão autorizados até mesmo a
subcontratar outros mercadores para que lhes forneçam serviçais, num artifício
chamado de “quarteirização”. Será possível, assim, ter uma fábrica de carretéis
que não possui nenhum operário, e sim funcionários contratados a uma empresa
que tampouco os possui, mas contrata de outra. O segundo mercador não tem
nenhuma função nesta cadeia a não ser atuar como um traficante de trabalhadores
para a fábrica, sem qualquer obrigação para com eles.
O
mais absurdo: a “nova” legislação permite que o mesmo grupo econômico possua
outra empresa com a finalidade de fornecer empregados terceirizados a ela. É
como se o senhor de engenho se tornasse sócio do negociante que lhe fornece os
escravos, mas o fazendeiro não precisa se responsabilizar por eles, fornecendo
roupas, teto ou alimentação. Uma joint venture digna do Brasil colônia.
A
aprovação da terceirização também impulsionará ainda mais a chamada
“pejotização”, bem comum nas empresas jornalísticas, que sempre se esmeraram em
esquivar-se de pagar direitos a seus empregados. Funciona assim: o trabalhador
abre uma empresa e sua empresa faz um contrato com a empregadora em questão.
Como é prestador de serviços, não terá direito a férias, 13º salário e FGTS.
Quando for colocado no olho da rua, não importa quanto tempo tenha passado ali,
sairá com uma mão na frente e a outra atrás.
Se
o trabalhador adoecer, sua situação é na verdade pior do que a de um escravo:
enquanto o escravo doente era mantido pelos senhores de engenho, os
funcionários contratados como “pejotas” que contraírem alguma enfermidade podem
simplesmente ser demitidos sem receber nada. Inimigos dos trabalhadores, os
deputados tornaram facultativa a extensão aos terceirizados do atendimento
médico e ambulatorial destinado aos empregados da contratante.
Os
que dizem que as terceirizadoras pagam direitos trabalhistas e seguem a CLT
como quaisquer outras empresas mentem para você. As mercadoras de escravos do
século 21 utilizam uma série de truques para impedir que os funcionários tirem
férias, por exemplo. Um dos mais conhecidos no mercado é a contratante
substituir uma terceirizada por outra; com isso, os empregados têm de ser
recontratados e adeus, férias. Há casos de trabalhadores terceirizados sem sair
de férias há mais de cinco anos por conta desta artimanha.
Estas
empresas também são especialistas no chamado “dumping social”, que consiste na
redução de direitos trabalhistas para maximizar o lucro. Empresas que prestam
serviços na área de telefonia e energia elétrica, por exemplo, já foram
condenadas por deixar de pagar adicional de periculosidade, adicional noturno e
as horas extras, o que afeta o cálculo da quantia que o trabalhador recebe nas
férias, 13º e na rescisão.
A
próxima etapa é extinguir a Justiça do Trabalho para impedir que os escravos,
ops, funcionários terceirizados possam reclamar seus direitos. O mais irônico
desta história toda é que o slogan do governo que está fazendo nosso país
voltar para o século 18 é “ponte para o futuro”.
http://www.socialistamorena.com.br/terceirizacao-a-volta-dos-mercadores-de-escravos/
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