Partículas
microscópicas liberadas por roupas sintéticas e pneus vão parar no mar. O dano
ambiental é maior do que se imaginava.
Os
minigrãos podem ter sério impacto nos sistemas digestivos dos peixes que
alimentam os homens
De
pneus a roupas e cosméticos, o microplástico se encontra praticamente em todos
os objetos do dia a dia. E seu impacto sobre as águas do planeta é catastrófico:
calcula-se que, dos 9,5 milhões de toneladas de matéria plástica que flutuam
nos mares, até 30% sejam compostos por partículas minúsculas. Invisíveis a olho
nu, elas constituem uma fonte de poluição mais grave do que se pensava, como
mostra o mais recente relatório da International Union for Conservation of
Nature (IUCN).
"Nossas
atividades diárias, como lavar roupas e andar de carro, contribuem
significativamente para a poluição que sufoca os nossos oceanos, tendo efeitos
potencialmente desastrosos para a rica diversidade que vive neles e para a
saúde humana", afirma a diretora geral da IUCN, Inger Andersen.
Segundo
o estudo da organização, cerca de dois terços do microplástico encontrado nos
oceanos são originados dos pneus de automóveis e das microfibras liberadas na
lavagem de roupa. Outras fontes poluidoras são a poeira urbana, marcações
rodoviárias e os barcos.
Perigo
invisível
As
imagens de tartarugas presas em redes de pescar e pássaros com anéis de latas
de cerveja em volta do pescoço há muito correm mundo. O problema do
microplástico, contudo, é invisível, só tendo sido recentemente detectado como
tal. Assim, ainda se sabe relativamente pouco sobre sua escala e verdadeiro
impacto ambiental.
Ao
contrário do lixo plástico convencional, que se degrada na água, o
microplástico já é lançado no ambiente em partículas tão microscópicas que
driblam os sistemas de filtragem das estações de tratamento de água. É
exclusivamente nesse tipo de dejeto que o relatório da IUCN se concentra.
A
atual quantidade de microplástico nas águas é de 212 gramas por ser humano, o
equivalente a se cada pessoa do planeta jogasse uma sacola plástica por semana
no oceano. Ingeridos por peixes e outros animais marinhos, os minigrãos podem
ter sério impacto sobre seus sistemas digestivos e reprodutivos, e há sérias
suspeitas de que acabem chegando aos humanos, cadeia alimentar acima.
Maus hábitos
de consumo
Como
lembra João de Sousa, diretor do Programa Marinho Global do IUCN, as
estratégias globais de combate à poluição marítima se concentram em reduzir o
tamanho dos fragmentos do lixo plástico convencional. No entanto essa concepção
precisa ser revista.
"As
soluções devem incluir design de produtos e de infraestrutura, assim como o
comportamento do consumidor. Pode-se projetar roupas sintéticas que liberem
menos fibras, por exemplo, e os consumidores também podem agir, optando por
tecidos naturais, em vez de sintéticos."
Segundo
outros especialistas, contudo, essa estratégia não tem o alcance necessário, e
se precisa também abordar outros hábitos de consumo. Para Alexandra Perschau,
da campanha "Detox" da organização ambiental Greenpeace na Alemanha,
o real problema não é o tipo de casaco que se compra, mas sim quantos.
"O
sistema de moda como um todo é o problema, é excesso de consumo", comentou
à DW. "Em diversos levantamentos, seja na Ásia ou na Europa, grande parte
dos consumidores admite possuir mais roupas no armário do que precisam, mas
continua comprando mais e mais."
A
produção mundial de vestuário dobrou a partir do ano 2000, excedendo os 100
bilhões de peças em 2014, de acordo com uma sondagem da Greenpeace. Além disso,
atualmente as peças de vestuário tende a ser de difícil reciclagem.
"Temos
cada vez mais peças confeccionadas com fibras mistas de poliéster e algodão,
portanto nem temos como reciclá-las devidamente. No momento a tecnologia não
está tão avançada que possamos separar esses tipos de fibras", explica
Perschau.
Entre a moda e
meio ambiente
O
relatório da IUCN saúda os esforços para banir as microesferas de plástico dos
produtos cosméticos, inspirados por relatórios recentes. Trata-se de uma
"iniciativa bem-vinda", porém com impacto restrito, uma vez que esse
tipo de material só responde por 2% da poluição com microplástico.
Em
vez disso, seria necessária uma investida mais ampla e de impacto real contra
as atividades geradoras das minúsculas partículas, segundo Maria Westerbos,
diretora da Plastic Soup Foundation, que luta para que se pare de despejar
matéria plástica no oceano.
"Somos
todos responsáveis: é a ciência, a indústria, são os legisladores – e os
consumidores. Todos nós precisamos fazer algo. Todos estamos usando plástico e
todos o jogamos fora", pleiteia Westerbos, sugerindo o desenvolvimento de
tecidos que não desfiem e a adoção de novos filtros nas máquinas de lavar roupa
– que só devem ser usadas com carga completa e de preferência com sabão
líquido.
Perschau,
da Greenpeace, acrescenta a importância de aumentar a vida útil das roupas. Em
vez de jogar fora as que não se deseja mais, faria mais sentido trocá-las por
outras ou entregá-las nas lojas de segunda mão. "Não estamos dizendo que
não se deva usar roupa da moda, mas sim ser mais inteligente, vivendo de acordo
com os próprios desejos sem comprometer os recursos do planeta."
Com
7 bilhões de seres humanos e uma população crescente, será preciso mudar nossas
atitudes em relação ao plástico, se quisermos salvar os oceanos, observa
Westerbos. "Não compre maçãs embaladas em plástico, não use sacolas
plásticas descartáveis, nem canudinhos para descarte imediato. Há um monte de
modos de evitar usar plástico, vamos começar por aí."
Por Louise
Osborne
https://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/microplastico-poluicao-invisivel-ameaca-oceanos
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