A
última novidade da Lava Jato é a prisão sem sentença e sem aval do Judiciário,
concebida inteiramente pelos procuradores do Ministério Público Federal.
Na
matéria da Folha publicada, usa-se o adjetivo “polêmico” para se referir à
medida.
Trecho:
O maior acordo de colaboração premiada já
feito no país, assinado por 77 acionistas e executivos da Odebrecht e pela
Procuradoria-Geral da República, tem um trecho considerado polêmico por
especialistas em direito e advogados que tiveram acesso ao documento, ainda sob
sigilo. (…) dos 77 delatores, apenas 5 já foram condenados pela Justiça. Isso
quer dizer que os outros 72 delatores cumprirão pena sem que tenham sido
sentenciados por um juiz. Dezenas serão submetidos a penas de prisão domiciliar
sem terem sido formalmente investigados ou denunciados.
Polêmico
é uma maneira delicada de se dizer “bizarro”…
Dos
especialistas consultados pela Folha, apenas um não viu problema na prisão sem
sentença: Tracy Reinaldet, um advogado de 27 anos, que defendeu Alberto
Yousseff.
O
primeiro nome entrevistado pela reportagem dá um adjetivo mais adequado ao
caso: “chocante”.
Gustavo Badaró, professor de direito
processual penal da Faculdade de Direito da USP, informou-se com advogados de
delatores da Odebrecht sobre os termos do documento. Ele classificou o acordo
como chocante.
“A lei 12.850, que regula a delação
premiada, determina que haja três fases num acordo. A primeira é a negociação.
Depois, a homologação por um juiz. E então a sentença, que será aplicada
observando os benefícios negociados. O que se fez no caso da Odebrecht não foi
isso. Existem pessoas que não foram sequer investigadas e vão cumprir pena sem
inquérito, sem denúncia e sem sentença”, diz Badaró.
Para o professor, a homologação deveria ter
observado a voluntariedade, a legalidade e a regularidade do acordo assinado
entre delatores e procuradores, como prevê a lei. “Um acordo assim não deveria
ter sido homologado”, diz Badaró.
Um
outro trecho ajuda a explicar melhor as condições em que se deram as delações
da Odebrecht (muito parecidas com situações vividas por outras empresas
envolvidas):
Outro advogado [da Odebrecht] declarou que
o acordo foi assinado porque era de interesse da Odebrecht e dos executivos que
a questão fosse finalizada logo. Ele pontua, porém, que estava claro que a lei
foi desrespeitada.
Ou
seja, a Lava Jato chantageou a Odebrecht: ou delatam ou destruímos tudo. Eles
delataram, mas pelo jeito tarde demais: a empresa já foi destruída. Os
acionistas da empreiteira hoje tentam vender a empresa, e arrecadar uma quantia
que permitam pagar as dívidas.
O
poder do MP, de decretar a prisão dos executivos da Odebrecht sem aval do
judiciário, é mais um capítulo do terrorismo político e do caos penal que a
Lava Jato produziu. Quem ousará fazer uma delação que não corrobore exatamente os
desejos e as narrativas de um Ministério Público profundamente agressivo,
truculento, midiático e politizado?
O
saldo da Lava Jato com a destruição da Odebrecht, porém, será uma das maiores
dívidas trabalhistas, bancárias e fiscais da história do país, além de milhares
de obras paralisadas no Brasil e em outras dezenas de países, em geral países
pobres que precisavam dessas obras.
A
Folha, apesar de simular pluralidade, ao expor algumas críticas às bizarrices
lavajatenses, sempre deu aval aos arbítrios da operação.
O
jornal hoje amanheceu, por exemplo, cheio de gráficos com a quantidade de
“propina” que a Odebrecht pagou em tais e tais países.
Essa
matemática lavajatense é um tanto curiosa, por eleger uma empresa singular como
um bode expiatório da corrupção privada mundial.
E
qual empresa? A mais sofisticada e mais internacional empresa de engenharia que
o Brasil já possuiu, aquela na qual o Estado brasileiro, via financiamentos
públicos, investiu dezenas e dezenas de bilhões de dólares, desde a década de
70, de repente se torna, para a mídia brasileira, o principal símbolo da
corrupção do país.
No
Brasil, concessões de TV são entregues a famílias de sonegadores, apoiadores de
golpes, sustentadores de ditaduras, latifundiários, oligarquias enriquecidas à
sombra do regime militar, enquanto empresas de engenharia que geravam centenas
de milhares de postos de trabalho, e construíram fisicamente o país, são
destruídas pelo próprio Estado.
A
lição que fica é assim: banqueiros e barões de mídia, que não pagam impostos,
que não produzem nada, que cobram as mais altas taxas de juros do mundo e
manipulam descaradamente as informações, são preservados e protegidos pelo
governo.
Já
empresas de engenharia e construção civil, indústrias de navegação,
siderurgias, que pagam impostos e sustentam a arrecadação fiscal de municípios,
estados e União, são destruídas justamente por aqueles que ganham os mais altos
salários no serviço público.
O
presidente do Peru anunciou – diz o mesmo jornal – que a Odebrecht terá que sair
em seis meses do país, abandonando todo o conjunto de obras que está realizando
por lá. Provavelmente não será paga ou demorará muito tempo para receber o que
lhe devem. Isso vai gerar, naturalmente, atraso em pagamento de financiamentos
devidos a bancos brasileiros, públicos e privados.
Depois
da cadeia de falências no setor industrial provocada pela Lava Jato, vem aí
nova onda de concordatas, deste vez no setor de bancos e seguradoras, que
também tinham antigos negócios com a Odebrecht e com outras empreiteiras
destruídas pela operação.
A
Lava Jato diz que “recuperou” tantos milhões de reais, embora ninguém tenha
jamais visto onde está esse dinheiro. As centenas de bilhões desaparecidos na
crise provocada pela Lava Jato, estas podem ser muito bem avaliadas pelo
desemprego e queda no PIB.
Os
procuradores da Lava Jato, que parecem gostar tanto dos Estados Unidos,
precisam ver a série Billions, da Netflix, em que Paul Giamatti faz o papel de
um procurador ambicioso. Diferentemente dos procuradores brasileiros, que são
pistoleiros independentes, irresponsáveis e que não prestam contas a ninguém, o
personagem do filme pode ser demitido a qualquer momento pelo governo. Se
demitido, perde o direito até mesmo à defesa pública.
Mesmo
assim, o problema da discricionariedade do procurador americano é o mesmo de
qualquer procurador de qualquer outra parte do mundo.
Num
mundo onde não faltam pecados e pecadores, o procurador tem o poder de pinçar o
pecado que ele quiser. Para atingir uma empresa ou um político (ou os dois ao
mesmo tempo), basta centrar fogo no alvo. Tendo apoio da mídia, como é o caso
da Lava Jato, não há necessidade sequer de provar a culpa: a condenação
midiática vem muito antes da condenação judicial, e servirá de base para
justificar a prisão cautelar, e a quebra generalizada de sigilos (fiscal,
telefônico, fiscal, bancário), dando tempo e oportunidade para o Ministério
Público e a Polícia Federal procurar as provas depois da prisão. Se não houver
provas, não tem problema. Basta caprichar no vazamento seletivo, na manipulação
da informação e criar uma boa narrativa, que o power point está montado – e o
réu agora, como se vê no caso dos executivos da Odebrecht, sequer precisa ser
julgado.
Em
sua coluna em vídeo no blog Nocaute, Fabio Kersche, cientista político
especializado em Ministério Público, citou, recentemente, uma frase de um
ministro da Justiça dos EUA, e que depois de tornou juiz na suprema corte:
“O promotor tem mais controle sobre a vida,
liberdade e reputação que qualquer outra pessoa. Sua discricionariedade, (ou
seja, poder fazer ou não fazer) é enorme. Com um código criminal, que tem uma
grande variedade de crimes, um promotor tem a chance razoável de achar pelo
menos uma violação de quase todo mundo. Neste caso, não é uma questão de
descobrir um crime e então procurar o homem que cometeu esse crime. A questão é
escolher uma pessoa e então procurar no código criminal o crime para imputar
nessa pessoa.”
Nos
EUA, a discricionariedade do procurador é mais ou menos controlada pelo
governo, que pode nomear ou demitir procuradores, em alguns casos, ou pelo
cidadão, que elege os procuradores de seu estado. Além disso, os EUA têm uma
regulação de mídia extremamente rígida, histórico de imprensa plural e um povo
mais politizado.
Aqui
no Brasil, a discricionariedade do MP não tem contraponto nenhum. Praticamente
não há hierarquia na instituição, e inexiste controle externo por parte do
governo ou do cidadão. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), assim
como seu primo, o Conselho Nacional de Justiça (CNC), tornou-se uma espécie de
sindicato corporativo, controlado inteiramente pelo próprio Ministério Público,
e voltado apenas para a manutenção dos privilégios das castas.
O
único controle externo do MP brasileiro é a mídia, e com isso você explica o
regime de exceção que estamos vivendo. A máquina jurídica e policial do Estado
e a mídia formaram uma organização criminosa e, unidas, voltaram-se contra
cidadãos e empresas, destruindo impunemente votos, empregos e direitos.
[Arpeggio –
coluna política diária de Miguel do Rosário]
http://www.ocafezinho.com/2017/03/05/67927/
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