A
possibilidade da terceirização irrestrita defendida pelo empresariado nacional
e objeto central das discussões que envolvem a reforma da legislação e
jurisprudência em vigor é vista como a modernização necessária e, na outra
extremidade como precarização das relações de trabalho. Este debate vai além. O
impacto da terceirização irrestrita pode ser devastador para as próprias
empresas que buscam aumentar sua produtividade e competitividade.
O
processo de reestruturação produtiva se inicia simultaneamente na maioria dos
países capitalistas na década de 70 do Século XX, no contexto da terceira
revolução industrial e tecnológica.
As
razões para a terceirização estão ancoradas na busca constante de modernização
dos processos produtivos que assegure ampliação da produtividade interna nas
empresas, de maneira a aumentar a competitividade e a rentabilidade,
notadamente em função da ampliação do mercado de consumo e da globalização da
economia.
Dentre
as principais motivações que justificariam a terceirização na atividade fim das
empresas estão: i) redução da necessidade imediata de capital; ii) ausência
circunstancial de competências técnicas específicas para produzir de forma mais
eficiente frente aos concorrentes no mercado; iii) propiciar condições para dar
respostas céleres às demandas do mercado, assegurando flexibilidade às
condições de produção; iv) evitar a capacidade ociosa de meios de produção e
mão de obra; v) assegurar economia de escala quando os mesmos produtos são
demandados por várias empresas.
Não
obstante, observam-se uma série de externalidades negativas que surgem no
processo de terceirização irrestrita. O mais expressivo diz respeito à perda
por parte da empresa terceirizadora das competências terceirizadas, do
conhecimento e da metodologia produtiva naquele segmento da atividade.
A
fragmentação da representação sindical dos trabalhadores divididos entre os
contratados diretamente e os terceirizados, ou entre os organizados em
categorias diferentes dentre os terceirizados, que num primeiro momento pode
significar uma vantagem para as empresas, pode redundar em constantes conflitos
e greves que atingem a mesma empresa. Esta, por sua vez não poderá intervir
diretamente nas negociações que pacificam ou compõem os interesses de
trabalhadores e empregadores.
Tal
situação, do ponto de vista da produção, pode significar uma perda substancial
de governabilidade sobre estas mediações e, consequentemente, comprometer a
produtividade. É pacífico o entendimento de que a solução dos conflitos de
interesses entre trabalhadores e empregadores por intermédio da negociação, uma
vez realizada, aumenta a produtividade interna em decorrência da satisfação
após o conflito e a relação de pertencimento mútuo entre os empregados e a
organização.
Outro
aspecto a ser considerado é a transferência, por meio de terceirização, de
parte do processo produtivo para empresas especializadas e a potencial perda do
desenvolvimento da sua capacidade organizacional e tecnológica, justamente nas
áreas de especialização produtiva. Esta realidade pode fragilizar a própria
empresa terceirizadora frente ao surgimento de novos concorrentes oriundos das
empresas prestadoras de serviços.
O
exemplo mais emblemático é a terceirização de parte da produção por empresas
americanas para outras asiáticas que passaram a ser suas principais concorrentes.
O
grau de conhecimento desenvolvido no âmbito da organização é reconhecidamente
um ativo de extrema importância no processo produtivo e mesmo um diferencial
competitivo que somente se constrói ao longo do tempo.
Embora
no capitalismo liberal pressupõe-se que o mercado se autorregule, a história
tem mostrado que a algum grau de regulação estatal é imprescindível para evitar
o caráter predatório da competição cujas consequências são sentidas por toda a
sociedade. As decisões empresariais, em geral, consideram as ameaças ou
oportunidades do momento e diante da conjuntura reagem, ainda que tenha que
arcar com consequências que podem mesmo comprometer sua sobrevida futura.
Reconhecidamente
um dos objetivos buscados no processo de terceirização é a diminuição dos
custos com mão de obra. Este seria um dos objetivos a serem alcançados para
assegurar melhores condições de competitividade. Assim, empresas que não contam
com outras vantagens competitivas ou buscam aumentar o diferencial competitivo
em relação às concorrentes no mercado optam pela terceirização como forma de
diminuir seus custos e, consequentemente, obter margem de redução de preços que
a diferencie positivamente no mercado. Este movimento, que num primeiro momento
pode ser eficaz, é anulado no momento seguinte quando seus concorrentes adotam
a mesma estratégia. Entretanto, as consequências negativas para todo o sistema
pode perdurar e fragilizar o próprio mercado como um todo.
Portanto,
a regulação estatal é imprescindível para salvaguardar o parque industrial
nacional contra a circunstancial irracionalidade do mercado, mas também para
proteger os demais atores do sistema. Por esta razão, em situação similar, se
impõe restrições com o objetivo de proteger o meio ambiente, o consumidor, os
recursos naturais, dentre outros que se desatendidos também poderia haver um
aumento de competitividade, notadamente no plano dos mercados globais.
Não
significa afirmar que a competitividade das empresas brasileiras frente ao
mercado internacional não deva ser motivo de preocupação. Entretanto, a busca
por melhores condições competitivas das empresas brasileiras não deve se situar
no plano da precarização das condições de trabalho ou redução dos direitos
trabalhistas. Deve ser concebida de forma sistemática considerando as variáveis
que interferem diretamente nos resultados das empresas.
Assim,
a imposição de limitações legais ao processo de terceirização no Brasil se
insere não somente num contexto ideológico entre atores que se situam no âmbito
do capital e do trabalho, mas também na preservação do parque empresarial
nacional e das condições de equilíbrio entre os diversos setores sociais,
notadamente aqueles mais vulneráveis que acabarão por sofrer as piores
consequências, que, via de regra, são os trabalhadores.
Alan Trajano é advogado,
especialista em Direito Público, processo legislativo, administração, políticas
públicas e gestão governamental. Sócio do escritório Trajano Advogados
Associados.
http://www.conjur.com.br/2017-mar-14/alan-trajano-impacto-terceirizacao-irrestrita-devastador
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