Quando
os gregos antigos criaram a Polis (cidade) como comunidade política e
teorizaram sobre ela, estabeleceram como princípio cardeal de sua construção e
de sua condução a ideia de Justiça, entendida como satisfação das necessidades,
promoção do interesse comum, agregação de bens materiais e bens morais e
espirituais, garantia a todos de condições que os abrigassem dos tormentos da
pobreza e da miséria e busca dos fins éticos da comunidade – fins comuns – pela
prática das virtudes, única maneira de promover o encontro da busca da
felicidade individual com a felicidade coletiva.
A
cidade Justa implicava um senso reduzido de desigualdade e era a forma
equilibrada de garantir também a liberdade. Os pensadores clássicos da
filosofia política sempre entenderam que a desigualdade é a condição que
destrói a vida cívica, a Justiça e a liberdade. O constitucionalismo moderno,
sob diversas fórmulas, incorporou estes princípios fundantes da comunidade
política, traduzida, hoje, no Estado-nação. Esses princípios, acrescidos pelo
rol de direitos humanos, incorporando os direitos civis, políticos e sociais
foram constituindo o que se conhece como dignidade da pessoa humana.
Hoje,
no Brasil, estamos diante de um governo que afronta, de forma planejada e
insolente, a dignidade da pessoa humana. A primeira afronta reside no propósito
mesmo pelo qual se constituiu: abrigar do alcance da lei um grupo de
criminosos, convocados a ocupar os altos cargos da República para se protegerem
no inescrupuloso mecanismo do foro privilegiado. Perpetrado este ato insidioso
contra o interesse público, o presidente definiu como critério para a escolha
de ministros da cúpula governamental que os pretendentes tivessem em seus
currículos práticas corruptas e delituosas, configurando a condição de
quadrilha no seu caráter. O último recrutamento validado por este critério é o
do ministro Osmar Serraglio, o protetor do “grande chefe” da carne podre.
Instalada
no governo, destruir os princípios da comunidade política tornou-se o objetivo
principal dessa quadrilha. Nenhuma comunidade política subsiste se o seu
funcionamento político-constitucional não estiver alicerçado na observância da
moralidade. A indiferença zombeteira com que o governo trata os reclamos de
moralidade pública vindos da sociedade, o “tanto faz como tanto fez” em relação
ao temporal de acusações que recai sobre o presidente, a cúpula do governo e os
seus principais aliados no Congresso representa o dilaceramento ético da
sociedade e a morte moral da nação. As páginas da história do Brasil não
registram nenhum paralelo de prática de degradação da dignidade do povo
comparável à que chegou esse governo. A ausência de sentimentos morais por
parte deste governo não espanta apenas os brasileiros que ainda mantêm virtudes
cívicas em suas almas, mas espanta também o mundo que dele toma conhecimento.
O
desprezo desaforado que este governo nutre pelos valores cívicos, éticos e
morais, o torna insensível perante os sofrimentos dos desempregados, dos
milhões de pobres que voltaram a crescer e da desigualdade que se agravou. O
governo desonra os trabalhadores tirando-lhe direitos conquistados, humilha as
pessoas atormentando-as com o medo das incertezas e com a prisão da
desesperança. Trata-se de uma cúpula política toda que se regozija com a
depressão e a desgraça dos cidadãos.
Este
governo degrada as mulheres quando o presidente ilegítimo afirma que sua
principal função é fiscalizar os preços dos supermercados, quando o presidente
da Câmara afirma que ao igualar a idade de aposentadoria em 65 anos atende uma
demanda das feministas e quando o ministro da Saúde as culpa pela obesidade das
crianças. Esse governo perde o senso do respeito quando o presidente nomeia o
primo de Gilmar Mendes, o juiz que irá julgá-lo no TSE, para um alto cargo
público. E o que dizer dos encontros solertes entre Gilmar Mendes e Temer para
arquitetar a salvação de criminosos e a morte da República? E o que dizer de
Temer que aceita a chantagem de um criminoso preso – Eduardo Cunha – nomeando
prepostos seus para altos cargos?
Momento de indignação e
de luta
Que
país é este que aceita a destruição de sua substância social e moral? E pensar
que todos sabem quem este governo é e o que faz. Teremos capitulado todos
diante da vitória dos malvados e da destruição dos valores cívicos? Teremos
perdido a coragem em face de um sentimento de impotência que deveria nos
perturbar? Estaremos todos entregues a meros cálculos eleitorais projetados
para 2018 não reagindo com veemência e vigor ante um governo que quer fazer
terra arrasada das penosas conquistas sociais? Terão os movimentos sociais e os
partidos progressistas perdido os sentimentos de bravura e de coragem ao
aceitarem que este governo perdure até o final do próximo ano, praticando sua
sanha destruidora de direitos?
E
se a consequência de tudo isto for um 2018 que coloque a sociedade brasileira
perante o perturbador dilema de uma escolha entre a direita e a
extrema-direita, como ocorre hoje em países europeus? Se o triunfo do golpe foi
uma terrível derrota para a democracia e para o povo, a passividade em face desse
governo agravará ainda mais esta derrota. Lutar pelo fim deste governo é uma
demanda de dignidade humana, de compromisso com os trabalhadores e com os mais
pobres, de solidariedade com as mulheres, de compaixão para com o sofrimento de
muitos. Lutar pelo fim deste governo significa resgatar milhões de brasileiros
da humilhação que sofrem; significa semear uma semente de esperança no coração
dos jovens; um alento de segurança dos idosos que vêem suas aposentadorias
destruídas pelos golpes impiedosos dos que tomaram o Brasil de assalto. Não é
possível ter mesura alguma com um governo que não tem nenhuma mesura com a
dignidade humana, com os direitos, com a moralidade e com o respeito.
Que
os protestos de 15 de março sejam um marco de uma virada da humilhação do
Brasil em benefício do resgate da sua dignidade, em benefício da recuperação da
corajosa humildade. Que seja o início do constrangimento da insolência desse
governo pela força das ruas. Que seja um chamado, uma convocação, à unidade dos
movimentos sociais e dos partidos progressistas e de esquerda para uma
caminhada conjunta com Lula, com o PSol, com o PC do B, com Ciro Gomes, com o
MTST, com o MST, com os sindicatos e centrais sindicais, com as mulheres,
negros, jovens e tantos outros movimentos sociais. Este momento não é um
momento para se dividir em torno de candidaturas, mas é um momento de se unir
para barrar a destruição do Brasil. É o momento de marchar juntos contra a
reforma da previdência e demais reformas retrógradas. Se isto não for compreendido,
o 2018 poderá se tornar um amargo cálice de fel para todos aqueles almejam uma
sociedade justa, digna, igualitária e livre.
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