Para
introduzir o tema, lembro um fato bizarro. Em batalha que venceu em 280 AC, o
Rei Pirro disse, respondendo a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela
vitória: "Mais uma vitória como esta e estarei arruinado
completamente". E disse isso apontando para o que restou de suas tropas.
Pois
no Brasil parece que logo chegaremos a uma etapa pírrica (é pírrica e não
pirrônica, que é outra coisa) das operações com nomes fantásticos da Policia
Federal autorizadas pela Justiça. Cá para nós, há exageros midiáticos que
correm o risco de serem pírricos. Não gosto de teorias conspiratórias, mas já
passamos por isso em relação ao café e às febres suínas e coisas do gênero.
Querem ver? A Polícia Federal — claro que com ordem judicial — encontrou
problemas em 21 unidades produtoras de carnes, num total de quase cinco mil
empresas (unidades de produção), e suspeita de crimes praticados por 33
servidores, num universo de 11 mil funcionários do Ministério da Agricultura.
Resultado:
pelo estardalhaço e a generalização feita, a imagem do país ficou comprometida,
a ponto de o presidente da República reunir gente no domingo buscando acalmar
os mercados internacionais. Dizem até que ofereceu churrasco feito com carne
argentina. Mas não é disso que quero tratar.
Trago
à colação o que pensa o setor agropecuário disso, nas palavras de Francisco
Turra, ex-ministro da Agricultura, que disse: Não dá para a gente generalizar e
vender a imagem de que tudo é ruim, de que tudo é corrupto, corrompido e
corruptível. Para abrir mercado lá fora, a média tem sido de quase dez anos de
luta. A maior injustiça do mundo é jogar na lata do lixo todo esse trabalho,
denegrindo o esforço de muitos durante décadas.
Disse
mais: somos os maiores exportadores de carne bovina. É um absurdo nivelar tudo,
generalizar, vender a ideia de que no Brasil nada presta, de que tudo é
podridão, é errado, nada está na conformidade da lei. Quando é justamente ao
contrário: somos o país que tem a melhor biosseguridade.
Parece
que, com exceção da Polícia Federal e do Poder judiciário, há uma quase
unanimidade de que houve exagero (ver também aqui: criminalista vê
irresponsabilidade nas acusações à carne brasileira) . Pergunto: por que
precisa haver entrevista coletiva? Por que divulgar diálogos resultantes de
escutas telefônicas, se a lei não permite essas divulgações? Não entendi também
por que foi possível interceptar o ministro da Justiça (na ocasião da intercepção,
era deputado federal). Ele não tinha foro por prerrogativa de foro? Como
divulgaram a sua fala? Parece que a divulgação ilícita de interceptações fez e
faz escola. Já não aprenderam suficiente com o episódio das escutas da
ex-presidente Dilma, do ex-senador Demóstenes, tudo anulado pelo Supremo
Tribunal Federal?
Depois
do famoso power point, parece que há uma disputa para ver quem faz mais
pirotecnia. Falta só ter trilha sonora, tipo Cavalgada das Valquírias ou
Crepúsculo dos Deuses como abertura da coletiva. Imaginemos que isso vire regra
e as generalizações também. Se alguns policiais forem pegos em uma operação,
vale uma entrevista coletiva colocando toda a polícia na berlinda? Se pegarem
juízes ou promotores envolvidos em irregularidades, vale fazer coletiva
colocando todo o Poder Judiciário sob suspeita? Alguns jogadores são pegos no
antidoping. Vale colocar na berlinda a lisura das disputas do Campeonato
Brasileiro, a maior competição do mundo?
Se
a resposta é não — e, para mim, é, efetivamente, “não, não pode fazer isso” —
então também a Polícia federal não poderia ter feito o noticiamento dessa
operação “carne fraca” desse modo. Parece que a carne é fraca mesmo diante de
holofotes e exclusivas na GloboNews, para o gáudio dos filósofos brasileiros-alemães
Birbaum (Pereira) e Kabina (Camarote).
Cuidemos
para que não repitamos o “vitorioso” Rei Pirro. Temos de vencer, mas sem perder
as tropas. Não precisamos jogar fora a criança junto com a água suja. Sim, o
Brasil pode até ser uma chinelagem. Mas é meu país. É nosso país. Como na
anedota: a mulher diz para a vizinha — sim, comadre, sei que meu marido é tudo
isso que você diz; mas é meu. Em minha casa eu e ele resolvemos isso (usei o
exemplo ao contrário do que se fala no imaginário popular, para evitar ser
acusado de sexismo — hoje em dia isso pode dar coletiva).
Nosso
sistema de fiscalização de carnes está com problemas? OK. Mas em que grau?
Podemos generalizar isso, com pi(r)rotecnia, a ponto de prejudicarmos o país no
mercado internacional? Pirro rima com pi(r)rotecnia.
Imaginemos
uma entrevista coletiva contando quantas mortes ocorreram no final de semana
nas capitais. Nem isso deve ser generalizado, embora os números assustem. Caso
contrário, fizéssemos um power point disso, ninguém mais viria para o Brasil. E
nós mesmos fugiríamos para as montanhas. E estocaríamos comida. Gente: vamos
tocar o país para a frente.
Nota:
agora, segunda-feira (20/3) à tarde, uma TV italiana, em programa de culinária,
tirava onda com a carne brasileira. Estamos na boca do mundo; mientrastanto que
escrevia este texto, fiquei sabendo que o Chile cancelou as importações de
carne; e a União Europeia não quer carne dos frigoríficos listados na operação.
Fora outras defecções. Bingo.
Como
diz o Rei Pirro...
Lenio
Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em
Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados
http://jornalggn.com.br/noticia/a-carne-fica-fraca-mesmo-e-quando-ve-os-holofotes-por-lenio-streck
Nenhum comentário:
Postar um comentário