Deixem
as armas ideológicas no batente da porta, entrem e escutem o que tem a dizer
André Araújo.
Nunca,
na história da humanidade, funcionários do próprio Estado agiram tão
abertamente contra o próprio país.
***
O círculo
da virtude no jogo do poder, por André Araújo
Por
André Araujo, no Jornal GGN
A
virtude contra o mal, desde tempos imemoriais, serviu de arma no jogo do Poder.
O “bem” tem a carta patente moral para tomar o poder do “mal”. Quem é o mal?
Todo
poder soberano formal ou informal, seja ele um chefe de clã de beduínos no
deserto da Arábia, seja um senhor medieval na sua cidade-castelo, conseguiu seu
poder praticando atos que, aos olhos dos beatos, podem ser vistos como
criminosos.
Não
existe e nunca existiu o Poder criado pela bondade. No seu berço há uma
vilania, uma violência, um roubo, um blefe, um massacre, uma torpeza, uma
traição, um punhal no escuro.
Não
há poder soberano que nasceu puro, nem o do Vaticano – a história do Papado é a
história de todos os crimes, vícios e ganâncias que o ser humano pode praticar.
Está aí bem registrada as biografias dos Borgias, dos Borghese, dos Doria
Pamphili, dos Chigi, dos Colonna, dos Medici, dos Aldobradini, dos Barberini,
dos Mattei, dos Borromeo, famílias papais de secular poder e riqueza, algumas
têm seus palácios romanos até hoje.
Contra
o poder instalado surge a “virtude” visando derrubar esse poder que o círculo
dos virtuosos considera “o mal”.
Não
há a virtude verdadeira na luta pelo poder. Existe o uso da virtude como arma
de contestantes para tomar o poder do outro, que sempre é visto como o mal a
destituir.
As
CRUZADAS medievais empunhavam o estandarte da fé, encarnando a virtude, para
tomar territórios e riquezas no Oriente Próximo. Eram expedições de saque,de
esbulho, sob o pretexto da virtude.
A
cruzada dos Reis Católicos expulsando da Península Ibérica primeiro os mouros,
depois os judeus, com matanças e expulsões de comunidades inteiras, era
executada empunhando a bandeira da virtude católica contra os impuros. A
cruzada dos Reis Católicos atrasou a Península Ibérica por quatro séculos pela
perda de suas comunidades mais operosas e economicamente eficientes, uma noite
negra de 400 anos desceu sobre Espanha e Portugal por causa da virtude, que
expulsou da Espanha a comunidade safaradita que, com escala em Recife, depois
fundou Nova York.
A
Inquisição do Santo Oficio na Península Ibérica selecionava hereges com bens
para tomá-los enquanto mandavam à fogueira as vítimas, representadas como
encarnação do mal, sendo o Santo Ofício a catedral da pureza e da fé e o Grande
Inquisidor um benfeitor da cristandade.
A
corrida colonial sobre a África e a Ásia no Século XIX foi toda ele
desencadeada sob a capa da “civilização” contra a “barbárie”, o bem contra o
mal. Vamos tomar a África para educar seus povos bárbaros.
Nunca
se disse, porque não era de bom tom, que tratava-se de pura busca de riqueza de
minérios, de madeiras, de terras para plantio.
A
REVOLUÇÃO DE 1930 no Brasil, visava tirar do poder os “carcomidos”, coronéis da
República Velha, em nome de novos costumes políticos mais transparentes e
honestos. Os novos senhores da política varguista depois se mostraram mais
corruptos que todos os carcomidos juntos e somados desde o fim do Império, na
Revolução de 30 nasceram novas dinastias do poder como os Magalhães na Bahia,
os Alves, Maia e Rosado no Rio Grande do Norte, os Freire no Maranhão, os
Ludovico em Goiás, os Coelho em Mato Grosso, os Mello em Alagoas, os Magalhães
Barata no Para, Moyses Lupion no Paraná, Adhemar de Barros em São Paulo, os
Argemiro de Figueiredo na Paraíba, Amaral Peixoto no Estado do Rio.
Jânio
Quadros nasceu e cresceu politicamente como a virtude da honestidade para
“varrer” a sujeira da corrupção ademarista. Era uma prévia da Lava Jato, com
prisões e inquéritos à vontade, Adhemar teve que fugir do Brasil para não ser
preso. O fim de seu governo pela renúncia causou ao Brasil prejuízos mil vezes
maior do que a corrupção de Adhemar.
Mas
a fórmula da virtude contra o mal na política continua funcionando, porque as
gerações presentes não conhecem a História. O Grande Inquisitor através dessa
mesma História costuma causar prejuízos infinitamente maiores do que o “mal”
que ele visa eliminar na sua própria cruzada para chegar ao poder.
O
Brasil vive uma fase de “cruzada virtuosa” que está destruindo grupos
políticos, empresas, setores inteiros da economia e a projeção internacional
geopolítica do País, iniciada no governo militar.
A
“cruzada virtuosa” recebe aplausos de cruzadas similares de outros países,
apoio esse que não traz nenhuma vantagem econômica, diplomática ou geopolítica
ao Brasil, apenas as “homenagens” em eventos que se dissipam como as bolhas do
prosecco que brindam os puros.
A
corrupção política é efeito, a causa é o sistema de presidencialismo de
coalizão e de financiamento de campanhas. Sem reforma do sistema
político-partidário não adianta combater efeitos causados pelas falhas do
sistema deixando as causas primárias no mesmo lugar e produzindo efeitos
semelhantes no futuro, com outros personagens.
O
modelo brasileiro prefere a hipocrisia de não permitir empresas privadas de
doar contribuições a candidatos e partidos, fingindo que suas campanhas serão
de tostões doados por cidadãos dotados de espírito cívico, o que leva a
política a procurar outras fontes de financiamento muito piores do que a das
empresas, por exemplo, o crime organizado.
Nos
EUA, a contribuição empresarial é livre e canalizada pelos PAC-Political Action
Committees, mero eufemismo para comitês de arrecadação para candidatos em nome
de pretensas causas.
Mas
no limite a política como jogo de poder jamais será virtuosa porque é da
essência da política a não virtude, o poder é sempre aético, astuto e
pragmático, acima das ideologias e das pregações e baseado em vetores fora do
campo da moral. Ao tentar moralizar a política pode-se ao fim destruí-la e
substituir o manto do poder por tiranias.
Os
maiores ditadores do Século XX, Stalin, Mussolini, Hitler e Mao, sem falar de
Castro e Pol Pot, usaram o combate à corrupção como uma de suas bandeiras para
justificar o totalitarismo.
O
Brasil como um dos dez maiores países do mundo tem necessidade orgânica de
projetar seu poder em áreas naturais de influência como a América do Sul e a
África. Para isso, o Estado brasileiro como qualquer grande Estado pode usar as
armas clássicas como presença militar, conquista de contratos de obras,
influência no jogo político local, presença na mídia, tudo isso custa ação e
dinheiro.
Os
EUA durante a primeira metade do Século XX promoveram uma “tomada” da América
Central e Caribe para uma zona de influência americana, não fizeram isso com os
promotores do Departamento de Justiça fazendo pregação moral, tomaram o Panamá
na mão grande arrancando o Istmo da Colômbia em 1903, armaram mais de 35
invasões de territórios e algumas ocupações por longos períodos como no Haiti,
bancaram ditadores da pior espécie como Gerardo Machado e Fulgencio Batista em
Cuba, Anastacio Somoza na Nicarágua, Rafael Trujillo na República Dominicana,
François Duvalier no Haiti, Marcos Perez Gimenez na Venezuela, sem esquecer que
tomaram Porto Rico da Espanha sem nenhuma cerimônia no pacote também tomaram as
Filipinas. São esses o que dão curso de ética aos procuradores brasileiros e
que com eles colaboram para punir empresas brasileiras aéticas.
O
Brasil, já a partir do governo militar de 1964, projetou sua influência em
países emergentes pelos acordos com o Iraque, onde foram instrumentos do Estado
empresas de armamentos como a Engesa e a Avibras e empreiteiras como a Mendes
Junior, atuando em plena sintonia com o Estado, processo que continuou em
Angola com o reconhecimento interesseiro do regime marxista do MPLA por um
governo brasileiro de direita, mas tudo se fez pelo interesse de projetar os
negócios do Brasil, que se instrumentalizou pelas empreiteiras brasileiras.
O
mesmo processo lançou empreiteiras pela África e América Latina em grandes
obras e por meio delas na influência sobre campanhas políticas para candidatos
simpáticos ao Brasil.
Marqueteiros
e financiamento brasileiro estavam por trás dessas campanhas, tudo dentro do
figurino histórico de projeção geopolítica de poder do Estado brasileiro com as
armas que tinha a sua disposição, o Brasil passou a ter influência na Republica
Dominicana, Peru, Nicarágua, Panamá, Equador e na África na Guiné Equatorial,
Namíbia, Angola e Moçambique.
Numa
reviravolta absurdamente anti-histórica, um braço do Estado brasileiro convocou
a Brasília procuradores de dez países onde atuam empreiteiras brasileiras para
que processem nos seus países empresas brasileiras que até então faziam parte
de um projeto de extensão da influência brasileira nos países emergentes.
A
História não registra tal desatino em tempo algum, um tiro no pé que um Estado
dá em si mesmo, destruir sua influência e negócios no exterior em nome de uma
cruzada moralista que não traz ao Brasil nenhum dólar de resultados, apenas
aplausos em seminários de transparência e comportamento ético-moral, que não
geram um só emprego no Brasil.
Nesse
contexto de projeção de poder não há virtude, justiça ou moralismo, é a
“realpolitik” em estado puro, como fizeram e fazem todos os grandes países que
precisam se impor ao mundo.
A
presença de empreiteiras brasileiras é uma das formas dessa projeção e as
empreiteiras atuam aí como braços do Estado, como a Esso projetou por todo
Século XX e até hoje a presença dos interesses econômicos dos EUA, assim como a
BP, anteriormente British Petroleum antes Anglo Persian Oil Co.Ltd. projetou os
interesses do Reino Unido a ponto de operar a deposição do Primeiro Ministro do
Irã Mossadegh que quis nacionalizar suas operações, derrubado pela política
britânica para proteger os interesses da Anglo Persian.
A
Standard Oil Co.of California, atualmente Chevron, criou politicamente o Reino
da Arábia Saudita em 1927 ao descobrir imensas jazidas de petróleo naquele
País. Junto com a exploração do óleo vieram as duas maiores bases aéreas
americanas no exterior, em Daram, que lá estão até hoje. Portanto negócios,
empresas e Estado se confundem na projeção de poder, as empreiteiras
brasileiras estavam atuando nesse modelo até serem destruídas por grupos
anti-nacionais que vem o mundo sob uma ótica não geopolítica mas de causas
moralistas, processo completamente anti-histórico e destrutivo do Estado
nacional, hoje mais vivo do que nunca na esteira das contestações à
globalização por novos ativismos políticos na Europa e nos EUA, que produziram
a saída do Reino Unido da União Europeia e a eleição de Donald Trump nos EUA, e
criam espaço para governos nacionalistas onde antes se pensava que os Estados
estavam em queda livre vencidos pela globalização.
A
ação de um grande Estado não comporta em momento algum visões virtuosas da
política,a “realpolitik” usa todas as armas para atingir seus fins, sejam elas
éticas ou não. Assim como fazem todos, sem exceção, os grandes Estados
nacionais na operação de sua diplomacia, especialmente os EUA, país
estrela-guia de certos grupos moralistas brasileiros, os EUA em tempos recentes
operou esquemas da mais pura corrupção, na régua que aqui se usa, como o
episódio Irã-Contras, a ocupação do Iraque onde sumiram do Ministério do
Petróleo US$40 bilhões (livro The Occupation of Iraq, de Ali Allawi,
ex-Ministro da Justiça e da Defesa do Iraque, editora Yale University Press), o
mesmo País que dá lições de moral pelo seu Departamento de Justiça sanciona um
contrato novíssimo em 2016 de exploração do pré-sal angolano entre a Exxon
Mobil e a SONANGOL, estatal petrolífera de Angola considerada uma catedral da corrupção
em escala planetária, uma empresa estatal presidida pela filha do Presidente
eterno de Angola, o país da Exxon Mobil é o mesmo País que processa a Petrobras
por corrupção no Brasil com apoio entusiástico de brasileiros que não percebem
o absurdo do Estado brasileiro ser julgado e extorquido por estrangeiros.
A
virtude como arma política é tão velha como o poder, uma arma barata e
eficiente, mas é bom lembrar a História, o virtuoso de hoje é o tirano de
amanhã.
http://www.ocafezinho.com/2017/03/07/os-justiceiros-da-midia-e-do-estado-enfim-conseguiram-destruiram-o-brasil/
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