Prestes
a completar um ano, o governo Temer sobrevive às fortes turbulências políticas
e econômicas, levantando o estandarte das reformas neoliberais. Refém do PSDB,
Temer implementa o programa dos tucanos derrotado nas últimas quatro eleições.
Sem projeto estratégico claro, a política externa brasileira sofre com o
resgate de antigas propostas, como a retomada das negociações para o uso da
base de Alcântara pelos EUA. Além de ultraliberal, o governo tucano de Temer
guarda traços da conhecida ideologia do “complexo de vira-latas”, que insiste
em negar o papel do Brasil e de sua gente no mundo.
A
política externa, longe de ser tratada como assunto de Estado, é vista como
moeda de troca de apoio político. O Itamaraty é cota do PSDB, seu feudo. Após a
saída do breve chanceler José Serra, entra em seu lugar, o Senador Aloysio
Nunes (PSDB/SP), também identificado com as tratativas de desnacionalizar o
pré-sal a partir do fim do regime de partilha.
Sob
a batuta de Serra, o Brasil se orientou por uma visão anacrônica do mundo, um
liberalismo fora de época, por critérios ideológicos e atitude hostil no
relacionamento com os países da América do Sul. Confundem política de relação
permanente com os EUA com ação de subordinação. O único feito, até então, da
diplomacia tucana no governo Temer foi suspender a Venezuela do Mercosul,
atitude pouco inteligente que ocorre justamente quando os blocos regionais
realizam todo tipo de esforço para manter seus membros.
Ao
Brasil falta uma orientação clara para sua política externa. A busca por prover
resultados rápidos e visíveis, que possam ser capitalizados eleitoralmente,
reforça o perfil voluntarista e entreguista de setores nacionais estratégicos.
Dentro desta chave, podemos analisar a tentativa de retomada do acordo com os
EUA em torno do uso da base de Alcântara.
Alcântara:
projeto próprio ou desnacionalização?
Em
busca de uma agenda que conseguisse atrair a atenção do governo Trump, o
governo Temer, na curta e inócua gestão de José Serra no Itamaraty, vinha
tentando discutir com os EUA um novo Acordo de Salvaguardas Tecnológico para
usar o Centro de Lançamentos de Alcântara.
A
Base de Alcântara, com 620 km2, localiza-se no Maranhão, é o sonho de consumo
do setor aeroespacial. Com sua posição equatorial (dois minutos e 18 segundos
de latitude sul), oferecendo-lhe vantagem em relação ao movimento de rotação da
Terra – facilitando o impulso dos foguetes, menor uso de combustível, o tempo
estável torna plausível a realização de lançamentos durante o ano.
O
mercado de lançamento de satélites comerciais move bilhões de dólares ao ano.
De acordo com a CNI, em 2016, com o lançamento de 21 satélites comerciais se
movimentou US$ 2,5 bilhões. A grande maioria deles utiliza órbitas paralelas à
linha do Equador. Hoje o principal concorrente do Brasil é o Centro Espacial de
Kourou, na Guiana Francesa, um dos últimos resquícios de colonialismo no
continente.
As
bases da negociação retomada no governo Temer são desconhecidas, mas se tomarmos
como referência a antiga proposta de cooperação, podemos afirmar serem
profundamente assimétricas, afetando o Programa Espacial Brasileiro, a
soberania e os interesses nacionais. Nela o Brasil deveria assumir compromissos
que proibissem a entrada de brasileiros nas áreas de lançamento; a proibição de
financiar seu programa espacial com recursos adquiridos com os lançamentos;
além de estabelecer restrições para cooperação com outros países.
Os
EUA sempre adotaram uma postura obstrucionista frente o desejo do Brasil de
desenvolver autonomamente seu programa espacial. Exemplo explícito disto é o
telegrama diplomático do embaixador dos EUA no Brasil, tornado público pelo
Wikileaks onde afirma categoricamente que “os EUA não se opõem ao
estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal
atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”.
É
muito difícil que, no governo Trump, os EUA aceitem uma proposta com menor grau
de restrições e concessões por parte do Brasil e sua soberania. No entanto ela
é ilustrativa da agenda de desnacionalização do governo tucano de Temer; hoje é
pré-sal, satélites, amanhã, programa nuclear. O Brasil fica diante da
possibilidade de ganhar uns trocados e transformar Alcântara em um enclave
neocolonial, uma espécie de Kourou; ou aproveitar a vantagem comparativa que
possui e fazer avançar seu Programa Espacial.
Limites e
incompreensões em torno dos projetos mobilizadores
Claro,
nem todos os problemas referentes ao nosso programa espacial se devem ao acordo
com os EUA. Ao longo dos anos o programa espacial brasileiro sofreu grandes
embates externos e internos. Sofreu com: a descontinuidade e a falta de
recursos financeiros; a espionagem por parte de outros governos (noticiados na FSP
em 2013); um acidente nunca esclarecido que ceivou a vida de 21 técnicos e
engenheiros; e até mesmo demandas de comunidades quilombolas que reivindicavam
a localidade do Centro de Lançamentos.
Não
podemos depender de dados de outros países para estabelecer o controle sobre
nossas fronteiras, segurança cibernética, ou mesmo de dados sobre o clima para
nossa agricultura. O programa espacial é um daqueles projetos mobilizadores,
nos quais o país produz grandes saltos, científicos e tecnológicos, com grandes
repercussões na economia e na vida das pessoas.
A ideologia do
complexo de vira-latas
A
reflexão seja sobre nossa atual política externa como no caso em específico do
acordo em torno do uso da base de Alcântara nos remetem a uma máxima do
escritor Nelson Rodrigues – o complexo de vira-latas –, síntese com a qual o
também jornalista descrevia a insistência de certos setores em falar da baixa
auto-estima do brasileiro.
Em
certa medida tal complexo de vira-latas pode ser interpretado como uma
ideologia difusa que permeia parcela de certa elite brasileira, rentista, que,
maravilhada com as luzes do cosmopolitismo, só vê aspectos negativos no Brasil,
menosprezando a capacidade de realização de sua gente.
Essa
ideologia insiste por diversos meios em afirmar que não há possibilidade de
desenvolvimento autônomo para uma nação tropical como a nossa. Não há lugar ao
sol para a realização nacional, para uma posição proativa do Brasil no mundo.
Ela fica explicita na síntese do embaixador do Brasil em Washington, Sergio
Amaral: “o Brasil precisa ter uma política externa de resultados modestos”.
Levar
um objeto ao espaço, colocar o homem em órbita, estudar o universo é um sonho
que persegue o homem. O Brasil tem possibilidades de contribuir para os avanços
desta conquista da humanidade. Do mesmo modo tem o que dizer sobre os grandes
temas do cenário internacional. No entanto, dois velhos conhecidos, a agenda
neoliberal e o complexo de vira-latas, insistem em afirmar que isto é delírio
de grandeza. Cabe ao povo fazer valer seus interesses e aspirações, criar meios
e materializar suas potencialidades.
* Rubens Diniz é mestre
em Relações Internacionais e Integração Regional pela Universidade de São
Paulo, diretor da Fundação Mauricio Grabois, e membro do Grupo de Reflexão
sobre Relações Internacionais/ GR-RI.
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Politica-externa-Alcantara-e-a-ideologia-do-complexo-de-vira-latas-/4/37822
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