Fosse
outro seu mundo ético (valor presentemente depreciado por determinadas
categorias profissionais em tempos idos muito respeitadas), Gilmar Mendes,
aquele que não disfarça, declarar-se-ia impedido de atuar em causas do
interesse do Partido dos Trabalhadores e, especialmente, naquelas que dissessem
respeito diretamente ao ex-presidente Lula, de quem se anunciou desafeto e a
quem devota ódio bilioso, desde desastrado encontro promovido pelo ministro
Nelson Jobim.
Mas
seria exigir demais de sua militância partidária.
Em
março de 2016, no ápice da crise do governo Dilma Rousseff, referido juiz
assumiu a relatoria de mandado de segurança interposto pela dupla PPS- PSDB que
pretendia suspender em caráter liminar a nomeação do ex-presidente para a
chefia da Casa Civil.
Ao
conceder a liminar e frustrar a posse de Lula, Mendes acusou a nomeação de
pretender “impedir o cumprimento de ordem de prisão [de Lula] de juiz de
primeira instância" blindando-o com o foro privilegiado e, dele derivado,
a impunidade supostamente perseguida.
Ora
é prerrogativa constitucional do presidente da República nomear seus ministros,
e nela não pode avançar o Judiciário. Ademais, no momento de seu despacho, Lula
não era réu nem estava condenado em qualquer processo, as únicas razões que o
Direito, que presentemente passa ao largo da República de Curitiba e do
gabinete do ministro, admite para a prisão.
Mas
o inefável Mendes sabia, como sabe ainda hoje até o reino mineral, que a
nomeação de Lula não visava, como visa agora a de Moreira, a assegurar-lhe foro
privilegiado, senão a concertar o governo em crise, numa tentativa de bloquear
o golpe de Estado conjurado ostensivamente.
E
esta possibilidade, do concerto do governo, foi a motivação verdadeira de
Gilmar Mendes para a concessão injustificável da suspensão por decisão
monocrática, no que aliás se estão especializando os ministros do STF, anulando
o papel das comissões e do pleno. Que ainda faz o ministro?
Pede
vistas do processo que julgara liminarmente, impedindo que, com recurso ao
pleno, pudesse ser cassada a liminar indevidamente concedida. A concessão da
liminar e o imediato pedido de vistas foram decisões políticas fundamentais
para a consolidação do golpe que cassou o mandato da presidente Dilma.
A
inconsistência jurídica da decisão de Mendes surge à luz do sol na
justificativa do ministro Celso de Mello para indeferir mandado de segurança
interposto agora pelo PSOL e pela Rede para impedir a posse de Wellington
Moreira Franco. Para o decano, não se pode presumir desvio de finalidade –como
arguiu Gilmar Mendes contra Lula – se a pessoa preenche os requisitos para
ocupar o cargo!
O
fato de ter foro especial, continua Celso de Mello, não livra o titular desse
direito de possível processo e muitos menos o blinda contra eventual decretação
de prisão preventiva. Por fim, entende que não cabe a partidos políticos
apresentar mandado de segurança contra nomeação de ministro pelo presidente da
República.
Ou
seja, para negar a liminar contra posse de Moreira, refuta todos os argumentos
levantados por Mendes para conceder a liminar contra Lula. Celso de Mello e o
STF fazem justiça a Moreira Franco, aquela mesma justiça que é sistematicamente
negada a Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa
decisão de Celso de Melo e sua justificativa – que, espera-se, será confirmada
pelo pleno do STF – transforma a decisão anterior de Gilmar Mendes em uma
aberração.
Se
o ministro Mendes tivesse respeito à toga, não se transformaria em assessor e
conselheiro do presidente Temer, zanzando a qualquer horário, inclusive aos
domingos, entre os palácios presidenciais, simplesmente porque este não pode
ser o papel de um ministro do STF, mas sobretudo porque o presidente por ele
assessorado será julgado no TSE do qual ele, Mendes, é presidente, e porque
ainda poderá Michel Temer ser julgado de novo por Mendes no pleno do STF,
julgamento previsível considerando que o ainda presidente já carrega 43
citações nas delações da Odebrecht, homologadas pela presidente Cármen Lúcia.
Compreende-se,
assim, o açodamento do Planalto tentando apressar a aprovação do indescritível
Alexandre de Moraes por um Senado dócil, posto que está sob os cuidados de
Renan Calheiros e Romero Jucá. Pressa que contraria o bom senso, pois a boa
conduta, de que se descuidou a Constituição, seria estabelecer um rito mínimo
para a escolha do candidato após a indicação do presidente; seria, pois, deixar
esse e qualquer candidato por algum tempo à mercê das intempéries, para assim
possibilitar a intervenção da opinião pública acicatada, ainda que timidamente,
pela imprensa.
De
Alexandre de Moraes, prócer tucano, não se pode esperar outra ética na revisão
da Lava Jato, e no pleno votando em processos que poderão ter como réus o
presidente que o nomeou, os senadores que aprovarão sua indicação (assegurada
de saída pelo acordo do do Planalto com Renan Calheiros e o PSDB) e muitos de
seus colegas de governo.
Na
Comissão de Constituição e Justiça, presidida por ninguém menos que Edison
Lobão (alvo de ação de busca e apreensão em sua residência e gabinete), o
futuro ministro encontrar-se-á, como seus julgadores, com dez senadores citados
nas delações da inesgotável Odebrecht.
E
é impossível prever o que virá das delações das outras empreiteiras, na fila de
espera. No plenário do Senado o ministro terá sua indicação previsivelmente
aprovada, dentre outros, pelos votos de 23 acusados, todos por ele procurados
no périplo de beija-mão pedindo apoio para sua própria aprovação.
Não
se sabe qual será seu comportamento diante de acusações que amanhã venham a
pairar sobre os senadores seus companheiros de estranha vilegiatura pelo Lago
Paranoá, numa embarcação conhecida como garçonnière, de conhecido prócer do
baixo clero do Senado.
Diz-se
que o ministro Alexandre de Moraes será, a despeito da prevalência de Gilmar
Mendes, este o sumo pontífice, o representante do Palácio do Planalto, e nessas
condições, de advogado e não de julgador, apreciará politicamente os temas de
interesse do Executivo.
Assim,
sem pejo ou acanhamento, estará pronto para eventualmente julgar seus
ex-colegas de governo com passaporte já com visto para processos no STF, pois
todos são adquirentes de foro privilegiado: Michel Temer (43 citações até
aqui), Moreira Franco (34 citações), Eliseu Padilha (45 citações), Eunício
Oliveira, Romero Jucá, Rodrigo Maia e Renan Calheiros, entre outros,
constituindo uma verdadeira famiglia, enraizada em todos os escaninhos e porões
da República.
Mas
essa, com a exceção de Rodrigo Maia, do DEM, é só a súcia do PMDB. Os procurados
e os procuradores não poderão impedir que em algum momento seja sarjado o tumor
de corrupção que atinge o PSDB do ministro Moraes, trazendo à baila os até aqui
poupados Alckmin e Aécio Neves.
São
estranhos os tempos, e muita estranha é nossa Justiça.
Por
que o juiz Sérgio Moro apresentado, como o último catão da República, protege
tanto o Sr. Michel Temer?
Em
novembro passado, a defesa do ex-deputado Eduardo Cunha apresentou um rol de 41
perguntas a serem encaminhadas a Temer, arrolado como testemunha de defesa. O
juiz vetou não menos que 21: considerou umas ‘impertinentes’; outras,
‘inapropriadas’.
Há
poucos dias, negando o pedido de soltura formulado por Cunha, Moro retomou a
crítica às perguntas do ex-deputado, acusando-as (num julgamento puramente
subjetivo) de terem como único motivo (registra Bernardo Mello Franco,
colunista da Folha de S.Paulo) “constranger o Exmo. Sr. Presidente da República
e provavelmente buscavam com isso provocar alguma espécie de intervenção
indevida da parte dele (Temer)".
Por
que o juiz não está interessado em passar a limpo a participação do presidente
da República e ex-presidente do PMDB nas tramoias que a operação Lava Jato está
expondo à luz do dia, quando ele é acusado de receber propina para financiar
campanhas do PMDB?
http://www.cartacapital.com.br/politica/o-golpe-e-a-toga
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