Bruna
Sena, 17 anos, negra, pobre, estudante de escola pública e filha de caixa de
supermercado foi aprovada em 1º lugar no curso de Medicina da USP de Ribeirão
Preto, o mais concorrido da Fuvest.
A
jovem comemorou a conquista em uma rede social com a seguinte frase: “A
casa-grande surta quando a senzala vira médica”.
Bruna
diz que a bolsa que conseguiu em um cursinho pré-vestibular tocado por
estudantes da própria USP foi fundamental para ingressar na universidade.
“Minha
escola era boa, mas, infelizmente, tinha todas as dificuldades da educação
pública, que não prepara o aluno para o vestibular. Falta conteúdo, preparo de
alguns professores. Sem o cursinho, não iria conseguir.”
Após
ser aprovada em primeiro lugar, a jovem foi tema de matérias na Folha de
S.Paulo e no G1. De maneira tímida, consta nas reportagens desses veículos que
Bruna é engajada na defesa de causas sociais como o feminismo, o movimento
negro e a liberdade de gênero, e que ela “orgulha-se do cabelo crespo e de sua
origem”.
Mas
nem Folha nem G1 reproduziram a fala de Bruna na íntegra.
Em
entrevista ao portal Saúde Popular, Bruna diz que tem sua mãe como principal
inspiração e critica a falácia da meritocracia. “A meritocracia é uma falácia.
Eu consegui porque tive ajuda. Não dá para igualar as pessoas que não tiveram
as mesmas oportunidades. Eu me esforcei muito, sim, mas não consegui só por
causa disso, eu tive apoio. E é isso que a gente tem que dar para quem não tem
oportunidade. A gente perde muitos gênios por aí, inclusive nas favelas porque
não podem estudar”.
Leia a íntegra
abaixo.
Como foi sua preparação para
o vestibular?
Apesar
de sempre ser estudiosa, só me preparei mesmo ano passado. Eu cursava o
terceiro ano do ensino médio, estudava de manhã em uma escola pública. Chegava
em casa dormia um pouco. Depois, no fim da tarde, estudava mais e ia para o
cursinho à noite. Essa foi minha rotina o ano inteiro. O cursinho era popular,
conhecido como CPM, Cursinho Popular de Medicina, que funciona dentro da
faculdade de medicina. Os professores são alunos do curso. Eu devo muito a eles
porque a solidariedade foi enorme. Se não fosse o cursinho acho que eu não
teria passado.
Como você se sentiu com o
resultado?
Eu
fiquei muito surpresa de verdade. Não imaginava passar nem na primeira fase.
Antes da liberação do resultado da Fuvest, que saiu dia 2, eu nem dormi.
Significa muito para mim e minha família. Representatividade importa. Mostrar
que a gente é capaz, que basta a gente ter oportunidades, como eu tive. O
objetivo do meu post nem foi me exibir, foi para mostrar que eu posso e que
outras pessoas podem também, basta ter oportunidade de estudar. Tive pessoas
muito boas ao meu lado. Tanto na minha família, que me ajudou muito, como o
pessoal do cursinho. Minha mãe sempre me falava “se você não passar este ano,
você vai passar em outro e vai tentar até passar”. Eu tive muito apoio dela.
Minha mãe pagou um curso de matemática para mim, mesmo pesando no bolso dela.
Por que escolheu medicina?
Já sabe que área que seguir?
Ainda
não sei qual especialidade. Mas quero atender pessoas de baixa renda, que
precisam de ajuda, que precisam de alguém para dar a mão e de saúde de
qualidade.
Para comemorar o resultado,
você usou uma frase provocativa em sua rede social: “A casa-grande surta quando
a senzala vira médica”. Você milita em algum movimento social feminista negro?
Eu
sou feminista. Ano passado não pude militar porque estava estudando muito. Mas
quero muito entrar em um movimento feminista negro. Lá na USP tem e eu quero
fazer parte.
Alguém te inspirou nisso?
Minha
mãe é minha inspiração. Ela foi a pessoa que tornou tudo isso possível. Ela
nunca me pressionou e sempre me apoiou. Isso é muito bonito. Meus pais são
separados desde quando eu tinha menos de um ano. Meu pai simplesmente me
abortou. Nunca pagou pensão nem nada. Me esqueceu. Minha mãe que cuida de mim
com a ajuda da nossa família. Além disso, há os professores do cursinho. Eles
são heróis. Mesmo fazendo um curso que é super pesado eles estavam ali para dar
aula para a gente.
Alguns comentários na redes
sociais dizem que você conseguiu porque se esforçou muito e que isso basta para
que todos consigam. Qual sua opinião sobre isso?
A
meritocracia é uma falácia. Eu consegui porque tive ajuda. Não dá para igualar
as pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades. Eu me esforcei muito, sim,
mas não consegui só por causa disso, eu tive muito apoio. E é isso que a gente
tem que dá para quem não tem oportunidade. A gente perde muitos gênios por aí,
inclusive nas favelas porque não podem estudar. E eu fiquei com muito medo de
que minha postagem servisse de argumento para a meritocracia. E eu vi
comentários que se baseavam nisso. Mas eu sabia que ia acontecer. Eu quero
frisar bem que a questão importante é a oportunidade. Eu consegui porque tive
oportunidade. Eu tenho visto minha história como apoio à meritocracia e fico
muito triste com isso.
Como você espera ser
recepcionada?
Todos
os veteranos que eu conheci são muito legais. Todos me receberam muito bem. Os
babacas do curso devem estar escondidos e eu só vou conhecê-los quando as aulas
começarem. Provavelmente, uma minoria vai encher meu saco e eu tenho que
enfrentar de cabeça erguida. Não sou eu quem vou mudar a mentalidade deles,
infelizmente.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/02/jovem-negra-e-pobre-que-passou-em-1o-lugar-no-curso-mais-cobicado-do-brasil.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário