Pouco
a pouco, as lonas pretas vão se abrindo sobre as estruturas de bambu e ferro,
formando as tendas que passam a abrigar colchões, cadeiras e um fogão. Pessoas
que saem do trabalho reduzem a velocidade dos passos, curiosas para saber o que
interrompe o trânsito na movimentada esquina da avenida Paulista com a rua
Augusta – no coração de São Paulo – naquele fim de tarde de 15 de fevereiro. No
pequeno carro de som, Chico Buarque e Racionais MC’s convivem com funks
conhecidos em versão de luta – “A militância me deu onda”. A trilha anima cerca
de 20 mil pessoas que saíram caminhando do largo da Batata ou da praça da
República, debaixo do sol forte, e agora ocupam a calçada em frente ao
escritório paulista da Presidência da República. A principal reivindicação é a
retomada da faixa 1 do programa federal Minha Casa Minha Vida para famílias com
renda de até R$ 1.800 por mês, mas eles também gritam “fora, Temer” e protestam
contra as mudanças nas reformas trabalhista e da Previdência.
À
frente do ato, está o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto (MTST), Guilherme Boulos, que sobe e desce do carro de som, intercalando
palavras de ordem no microfone com negociações com a PM. Quando está no chão, o
líder conversa com militantes que conhece pelo nome, provenientes de caravanas
vindas de ocupações de toda a cidade. Cumprimenta, bate um papo rápido, dá
instruções. Quando está no alto, imposta a voz e se dirige à multidão na
primeira pessoa do plural: “Para todos aqueles que desacreditaram da nossa
luta, para o sr. Michel Temer, para todos aqueles que estão incomodados, o
nosso recado é direto e reto: daqui não arredamos pé até ter nossa conquista
nas mãos. Não tem arrego: ou negocia, ou não vai ter sossego”.
Boulos
tem voz de comando, mas suja os sapatos visitando uma a uma as ocupações do
movimento. Um estilo tradicional de líder de movimento social que quase não se
vê mais, como observa a doutora em ciências sociais e pesquisadora Esther
Solano: “Nós vivemos um momento de vácuo de lideranças de esquerda. Nesse
contexto, acredito que o Guilherme Boulos é a maior liderança de movimentos
sociais agora. Porque faz uma ponte entre os movimentos sociais e o
institucional, em um momento em que não há mais essa conexão que era tão
presente nos primeiros anos do governo Lula”.
CRESCIMENTO DO
MTST
Também
de Frei Betto, experimentado na mobilização popular, o homem tem a admiração. E
a bênção: “Guilherme Boulos é uma das mais jovens e promissoras lideranças de
movimentos sociais brasileiros. Dotado de boa formação ética e intelectual, fez
uma opção radical, evangélica, pelos mais pobres, concentrando sua atividade no
segmento da população sem acesso ao direito de moradia. Modesto, despojado,
inteligente, Boulos pôs a sua vida a serviço dos direitos humanos fundamentais
definidos pelo papa Francisco, os três T: teto, terra e trabalho”, diz.
O
fato é que Boulos tem conseguido chamar atenção para a causa que abraçou. A
ocupação dos sem-teto na Paulista segue firme há mais de uma semana e aumenta a
cada dia com a participação de outros movimentos sociais, shows de cantores
famosos, aulas públicas. O caldo está em ponto de fervura e não só em São
Paulo, mas por todo o país, em lugares onde a mídia por vezes não chega.
Prestes a completar 20 anos, o MTST duplicou de tamanho nos últimos quatro anos
e hoje conta com cerca de 35 mil famílias em todo o país e uma crescente lista
de espera para participar das ocupações. Em 2016, a Câmara dos Deputados teve
de reconhecer sua importância – contra muitos gostos – e o homenageou com a
Medalha do Mérito Legislativo. Também ganhou uma coluna em um dos principais
jornais do país, a Folha de S.Paulo.
“Tudo
bem. Eu te dou a entrevista e topo que faça meu perfil, mas com a condição de
que não entre muito na minha vida pessoal. Não vou falar ‘meus gostos’, essas
coisas. E sem romancear demais. Vamos conversar e ver no que dá”, acedeu
finalmente um desconfiado Guilherme Boulos, após alguns dias de conversas e
negociações por telefone do que seria esse perfil, mais focado em sua
trajetória de luta – que considera a parte interessante de sua vida.
Para
o público, o homem, hoje com 34 anos, nasce aos 15, quando, vindo de uma família
de classe média de São Paulo, filho de pais médicos professores da USP, se
envolveu com o movimento estudantil da União da Juventude Comunista, conheceu o
MST e depois o MTST, seu destino. Apaixonou-se pela legitimidade da bandeira.
Diz: “A luta por moradia no Brasil foi certamente a principal luta urbana, para
além do movimento sindical. Nós tivemos um processo de formação das cidades que
nunca assegurou esse direito. E que isso continue a ser uma questão em 2017 não
é qualquer coisa. O Brasil tem quase 90% da população urbana, está entre as dez
economias do mundo, é um país com uma indústria importante. Que as pessoas
tenham que se organizar pra lutar pra ter um teto, para ter o direito básico de
morar, é uma tragédia. Isso faz da luta por moradia algo muito legítimo, dá uma
potência muito significativa, como poucas outras. Esse conjunto de elementos me
levou a ver uma importância e me aproximar do MTST”.
A
chuva que cai forte sem trégua na lona da barraca de madeira na ocupação “Povo
Sem Medo”, na divisa de São Paulo com Embu das Artes, nos obriga a falar mais
alto. Foi ali que ele quis marcar nossa conversa. As roupas molhadas e cheias
do barro da subida do morro onde 1.300 pessoas reivindicam um pedaço de chão
são uma pequena amostra dos ossos desse ofício ao qual ele se dedica com razão
e emoção desde 2002. E uma prova de resistência necessária para os que
pretendem conhecer Boulos: é na peregrinação pelas ocupações que se revela o
sentido de sua liderança.
PREVISÃO E
APOSTA
“O
Guilherme é o nosso norte, é uma referência pra periferia. Porque ele traz para
as pessoas a perspectiva de alcançar seus direitos. Na sua fala informativa, na
forma de liderar. E não é uma liderança que ele queira, as pessoas entregam pra
ele. Ele pra nós é sem dúvida nosso ponto de referência maior”, me disse a
militante Jussara Basso, na Nova Palestina, enquanto caminhamos pela ocupação
que é uma das mais antigas de São Paulo, com mais de três anos, e provavelmente
é a maior da América Latina, com 4 mil famílias. Maria, moradora da Nova
Palestina, que vive com o marido e três filhos, acrescenta: “Ele é um cara que
enfia o pé no barro pra andar junto com a gente. Não é porque é liderança que
não chega aqui, não quer saber dos acampados. Eu aprendi muito com ele, com a
forma dele lutar. Ele não precisava estar lutando, mas faz isso pelo próximo.
Eu aprendi com ele e repito que, enquanto estiver sem teto na rua, eu vou estar
lutando. Mesmo quando eu conseguir minha moradia. Meus filhos também”.
Boulos
é alvo de adoração mas também de ódio. O rapaz que deixou a casa de classe
média aos 20 anos para morar em uma ocupação do MTST (A Carlos Lamarca, em
Osasco) incomoda muita gente. A militância nunca impediu seus estudos, ele é
formado em filosofia e, embora poucos saibam, é psicanalista. Casado com uma
militante, dedica seu conhecimento ao movimento social, desafiando a
especulação imobiliária que empurra a população pobre para as bordas da cidade,
agindo na contramão do que se espera dos mais aquinhoados e despertando mais
ressentimento. O conhecimento transferido ao movimento social também é uma arma
que assusta.
Guilherme
Boulos foi portador de uma novidade no movimento de moradia: a análise de
conjuntura como prática semanal. “Isso sem dúvida permite o crescimento e a
formação política dos quadros do MTST. Essa prática é comum a todos os
movimentos que tiveram origem no MST, como o MAB [Movimento dos Atingidos por
Barragens], Levante Popular da Juventude, a Consulta Popular”, explica a
urbanista, ativista e professora da Faculdade de Arquitetura da USP Ermínia
Maricato. “Grande parte dos movimentos de moradia, na luta, que é natural, por
resultados, deu prioridade à ação institucional quando não claramente
clientelista. O MTST foge dessa limitação e por isso tem inovado bastante.
Destaque-se ainda a coragem de Boulos e seus seguidores, que é notável”, diz.
Apesar
do bombardeio de opiniões, Boulos se mantém sereno. Sua maior preocupação, diz,
não é com a própria pele: “Se eu ouvir a Jovem Pan, vou sair convencido de que
sou um calhorda e não presto! Os blogs da Veja, os editoriais do Estadão… Eu
coleciono!”, brinca. “Há um processo de desmoralização que não é só contra mim,
é sobre as lideranças de movimentos sociais. Eu não deixo de dormir por isso.
Diria até que num certo sentido ser atacado por tipos como esses é um atestado
de caminho correto. Mas uma coisa é as pessoas mexerem com você, te atacarem.
Alguém que se dispõe a estar na linha de frente de um movimento social tem que
se preparar psicologicamente pra esse tipo de ataque. Outra coisa é começarem a
atacar sua família, sua casa. Aí entra num patamar mais complicado. É
importante se preservar.”
“Ele
é um cara que enfia o pé no barro pra andar junto com a gente”, diz a militante
Maria sobre Boulos
O
que não o impede de ser, além de xingado, preso. A última detenção foi no 17 de
janeiro passado, quando participava das negociações durante uma reintegração de
posse extremamente violenta de um terreno em São Mateus, na zona leste da
capital paulista. A ocupação nem era do MTST, ele foi chamado para ajudar na
negociação. A prisão foi política?, pergunto. Ele acena afirmativamente com a
cabeça. “Não foi a minha primeira prisão, já fui preso algumas vezes, quase
todas em desocupações. A penúltima foi na do Pinheirinho, respondo processo até
hoje.” Responde a quantos processos? “Respondo a alguns”, desconversa. E segue
adiante: “Você tem um sistema de criminalização dos movimentos sociais no país
que é feito historicamente e que, no último período, tem se acentuado. Qual a
melhor maneira de criminalizar? Você desmoralizar primeiro. Por exemplo, o que
estão fazendo com o Lula, com a figura dele. Desumaniza, desmoraliza, depois se
prenderem, se matarem, vai ter aplauso. O processo de desmoralização do
movimento social está a todo vapor. ‘Movimento social é vagabundo’, ‘movimento
social quer boquinha’, ‘movimento social quer favores e privilégios’. A
criminalização nasce de uma desmoralização brutal que vem principalmente da
mídia. Porque, quando você fala ‘esse cara não presta’, se ele for linchado em
praça pública, você não está nem aí, ele merece. A criminalização pode ser
judicial, pode ser física, prender, espancar, matar. E pode vir com processos
judiciais. Aí não podemos deixar de mencionar a lei do terrorismo aprovada pela
Dilma. A biografia dela vai estar manchada por isso. ‘Ah, excluiu movimento
social, tirou as piores partes’, mas, meu amigo, no fim das contas, a caneta
que vale é a do promotor, a do delegado. E qual é a mentalidade de delegado e
promotor nesse país?”, questiona.
VÁCUO DA
ESQUERDA
E
conta uma história de arrepiar mesmo para quem conhece a violência policial
constante nas ocupações. “Pouca gente sabe disso, mas a desocupação mais
violenta que eu já presenciei ocorreu em 2004 ou 2003 em Osasco. As pessoas
moravam lá há um ano e meio mais ou menos, e a polícia chegou sem aviso prévio,
entrou, arrancou as pessoas dos barracos na porrada. Me lembro de uma cena que
me marcou muito, que foi uma senhora bem forte, bem grande, que não queria sair
da casa dela. E foram cinco policiais, pegaram ela, derrubaram no meio da lama.
Estava uma chuva como a de hoje. Deram uma gravata nela. E um menino, o filho
dela de 12 anos, gritando ‘mãe, mãe’. Pegaram o menino e algemaram. Assim
começou essa desocupação. Ela terminou com a polícia juntando todos os
pertences das pessoas, botando gasolina e queimando. Foi brutal. As pessoas
saíram, não tinham pra onde ir, tentei fazer uma assembleia, pra tentar
organizar as pessoas pra sair. Quando eu comecei a reunião, a polícia jogou uma
bomba no meio da reunião. Eu fui preso nesse dia, outros dirigentes foram
presos. As pessoas não tinham pra onde ir. Tentamos por as pessoas em um ônibus
e ir pra uma outra área, mas a polícia foi pra essa outra área, pegou as
pessoas, colocou em caminhões-baú, atravessou a divisa de Osasco, deixou as
pessoas na lateral da Marginal Pinheiros. Largou lá. Hoje, depois de dez anos,
as pessoas que continuaram conseguiram suas casas. Mas aquilo foi… Eu nunca
tinha visto uma barbaridade daquelas”, conclui com a voz embargada.
Boulos
não é alinhado ao PT nem poupa críticas a Dilma Rousseff, mas se destacou como
uma das figuras mais proeminentes nos protestos contra o impeachment e depois
nos atos “Fora Temer”, quando ficou conhecido para além da sua atuação no MTST.
Para ele, o Brasil vive agora um “golpe continuado”. O militante, porém, não
acredita que foram as manifestações do lado contrário, pedindo o impeachment,
que derrubaram a presidente. “Sim, as manifestações contra a Dilma foram
maiores [dos que as contrárias ao impeachment] por uma série de razões, até
porque com o apoio da Globo fica tudo mais fácil. Mas eu não acredito que as
manifestações foram decisivas. Foram um fator, mas você tinha um bloco de poder
muito forte, que pegava a elite brasileira mais atrasada, os ranços da
casa-grande, que soube trabalhar isso muito bem na classe média urbana, o
grande poder econômico, o Judiciário, o escroque do Eduardo Cunha na
presidência da Câmara. Tudo isso levou à vitória do golpe. Foi a vitória de um
programa de rapinagem nacional. O tripé do governo Temer, que é a emenda
constitucional e o teto de gastos, que é uma “desconstituinte” que liquida com
a capacidade de investimento social do Estado; a reforma da Previdência que
querem aprovar – e quem mora nesse acampamento não vai se aposentar, já que a
expectativa de vida na maioria da periferia de São Paulo não ultrapassa os 65
anos – e a reforma trabalhista, que é de uma ousadia inacreditável. Nós tivemos
21 anos de ditadura militar e nem os milicos ousaram mexer na CLT. Nós entramos
na era do escárnio, não há mais a maior pretensão de esconder ou manter as
aparências. Essa etapa já foi. Se deixar essa galera até 2018, vão revogar a
Lei Áurea”, diz.
Sobre
o papel da esquerda, que anda calada, acrescenta: “A esquerda organizada no
Brasil está pagando o preço do que deixou de fazer nos últimos 20 anos. Se
dependesse de qualquer dirigente de movimento social, esse governo tinha sido
arrancado do Planalto pelo colarinho. O problema é o seguinte: a esquerda
perdeu no último período base social, capilaridade social. Não basta você ter
compreensão da gravidade do que está acontecendo, não basta ter ideias boas do
que deve acontecer, ter um bom programa pra enfrentar o golpe, uma denúncia
convincente. Você precisa ter força social, você precisa ter gente na rua. A
história é movida por isso, não pelas boas ideias. E a esquerda deixou de fazer
trabalho de base. Por que o PT conseguiu gerar um caldo social, expressar e
representar um caldo social a ponto de construir um fenômeno político como
construiu independente do que se deu depois? Porque estava ali, nas comunidades
eclesiais de base, no sindicalismo, nas ocupações urbanas, nas ocupações
rurais, uma militância pisando no barro, subindo os morros, dialogando com o
povo, ouvindo o povo”.
Esquerda
lacaniana
Quando
fala em ouvir o povo, Boulos não se refere apenas ao convívio por meio da
militância. Em 2002, na Argentina, enquanto acompanhava o pós-Argentinazo –
grande levante popular causado por uma crise política, econômica, social e
institucional que derrubou cinco presidentes –, ele se aproximou do movimento
Piquetero e participou de grupos de reflexão com militantes que haviam sido
marcados por uma tragédia que ficou conhecida como Massacre de Avellaneda,
quando dois jovens foram assassinados pela polícia da província de Buenos Aires
enquanto participavam de um protesto contra o fechamento de uma ponte ao sul da
capital federal. O massacre, que deixou 33 feridos, foi televisionado e mostrou
os policiais arrastando os corpos dos jovens pelo chão. “Agora imagina as
feridas que ficaram, para além das feridas físicas, nas pessoas que
participaram disso”, questiona.
GOLPE E
ESCÁRNIO
“Nestes
grupos de reflexão, que aconteciam em bairros da periferia da Argentina,
psicanalistas trabalhavam os aspectos subjetivos e a elaboração desses
efeitos”, conta. “Aquilo foi extraordinário. Ver o que esse encontro da
psicanálise com a periferia é capaz de gerar. Ali tinha ao mesmo tempo formação
de sujeito, um elemento de elaboração de sofrimento, empoderamento. Tudo isso
me seduziu e me levou a ter um interesse maior pela psicanálise”, explica com
empolgação. “Depois fui estudar, me formei em uma escola lacaniana e hoje dou
aula em um curso de especialização que tem foco na psicanálise, mas não
clinico, não tenho consultório. A psicanálise é muito elitizada hoje no Brasil,
infelizmente.”
O
conhecimento da psicanálise enriqueceu a militância. Seguindo uma tendência
abraçada por novos filósofos e pensadores como Vladimir Safatle e o esloveno
Slavoj Zizek, Boulos diz que começou a pensar o movimento social sob um novo
viés, não só como massa em movimento, mas a partir do vínculo, do que aproxima
as pessoas. “Eu concluí há pouco um mestrado com esse tema. Como em ocupações
de terra as pessoas estabelecem vínculos que permitem que elas deem saltos
subjetivos, é muito frequente você ouvir relatos de pessoas que estavam em
sofrimento psíquico atroz e que, vindo para as ocupações, criaram um círculo de
relações sociais, um espaço de reconhecimento, um resgate de autoestima de
gente que estava pisada, humilhada por essa máquina de moer carne que é a vida
urbana. Hoje as pessoas estão em multidão, mas sozinhas. E as histórias
familiares são dramáticas para as pessoas pobres no país. São crivadas de
sofrimento, às vezes de abusos, as das mulheres em especial. E claro que a
ocupação não é o paraíso na terra, mas é um lugar em que se pode construir um
espaço de convivência. Isso tem muito a ver com a psicanálise.”
“Entramos
na era do escárnio, não há mais a maior pretensão de esconder ou manter as
aparências”, afirma Boulos
Para
o psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker,
Boulos é “o que se pode chamar de representante brasileiro da esquerda
lacaniana”. Ele explica que muitas tendências da esquerda encontraram em Lacan
uma espécie de renovador da crítica da ideologia e um teórico potente das
relações de poder. “Ao mesmo tempo a teorização do laço social entre
psicanalistas feita por Lacan oferece subsídios que inspiram uma reflexão
crítica sobre o funcionamento do poder em movimentos sociais.”
O
entusiasmo com a psicanálise é a face menos conhecida do homem que insiste em
se resguardar. Mais sobre a vida pessoal dele é difícil arrancar. Temos um
trato, afinal. Entre raios, trovões e a chuva que não arreda naquela casinha de
madeira, o militante/professor/psicanalista/filósofo prefere falar de futuro.
Do nosso futuro: “Se o Temer ficar até 2018 e não houver reação popular, a
gente vai ver a dilapidação do que restou. Ou vamos por um caminho que pode
empurrar o país pra convulsão social. Não descarte a possibilidade de vermos
algo que não acontece por aqui desde os anos de 1990, que são os saques, o povo
saqueando. Porque grande parte da população assistiu o golpe pela TV por
entender que aquilo era uma briga entre partidos políticos. E ela pode fazer
diferença no jogo e se enxergar como protagonista com o avanço brutal do
desemprego, o arrocho salarial, a iminência de colapso dos serviços públicos.
No ano passado, 1,7 milhão de pessoas saíram dos convênios médicos e foram para
o SUS, no momento em que o SUS está com contingenciamento de recursos. Isso é
explosivo, vai dar colapso. Falência dos estados, polícia sem receber, ataque
aos direitos trabalhistas, à aposentadoria. A chance de isso gerar um caldo de
reação popular espontânea, para além dos movimentos sociais, está dada e é
real. Eu não duvido de que ainda vamos presenciar uma explosão de gente nas
ruas ainda esse ano.”
Se
Boulos estiver certo, o governo que pise ligeiro. Como diz o bordão, tantas
vezes repetido nas manifestações populares, “quem não pode com formiga não
atiça o formigueiro”.
Por Andrea Dip
*Colaborou
Guilherme Peters
http://apublica.org/2017/02/o-psicanalista-das-massas/
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