Foi
na ditadura civil-militar, ao contrário do que defendem os saudosistas que vão
às ruas pedir por uma nova “intervenção” (sic) das Forças Armadas, que a
corrupção brasileira se profissionalizou. Imaginem: uma época em que não se
podia denunciar nada só podia ser uma época de ouro para ladrões de dinheiro público.
Segundo o historiador Pedro Henrique Campos, autor do livro Estranhas
Catedrais, o pagamento de propinas a empreiteiras, por exemplo, se consolidou
durante o governo militar.
Um
dos últimos membros do governo Jango a deixar o Palácio do Planalto em 1964, o
antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) denunciou, após a volta da democracia, as
negociatas que se seguiram ao golpe. O Brasil perdeu terras e empresas
públicas, entregues a preço de banana para os gringos, quando não de mão
beijada, como parte do acordo para derrubar Jango. Assombram a atualidade e a
semelhança com o que está acontecendo agora, com o novo golpe que arrancou
Dilma Rousseff do cargo, inclusive nas ameaças aos direitos dos trabalhadores.
(Eu marquei as semelhanças mais evidentes em negrito).
Leiam
algumas das falcatruas denunciadas por Darcy, em ordem cronológica, no dia em
que se completam 20 anos de sua morte. Que falta ele faz ao país…
***
As
negociatas da ditadura*
Por Darcy
Ribeiro
1964
A
empresa CONSULTEC, organizada por Roberto Campos, Mauro Thibau e Garrido Torres
Lucas Lopes como um grupo de assessoria e de pressão da Hanna Corporation, que
funcionou como principal agência de coordenação e financiamento das atividades
das multinacionais de apoio ao golpe de 1964, se converte num bloco de poder
depois do golpe. Assume, a seguir, o comando da política econômica do governo
militar juntamente com os velhos testas-de-ferro das empresas estrangeiras. Em
consequência, 15 dias depois do golpe, o Congresso revoga a Lei de Remessa de
Lucros. Revoga, a seguir, a Lei de Estabilidade no Emprego, principal conquista
dos trabalhadores no período getulista.
Roberto
Campos, ministro do Planejamento, e Otávio Gouveia de Bulhões, ministro da
Fazenda, negociam a dívida externa brasileira com o FMI nos termos que os
banqueiros ditam. O preço real foi a abertura de toda a economia brasileira e
de todos nossos recursos naturais às empresas multinacionais e a aceitação das
condições ditadas pela Hanna e pela Amforp para a solução de seus litígios com
o governo.
Os
norte-americanos socorrem com urgência o governo que implantaram, mandando
entregar imediatamente a Castelo Branco, por conta da Aliança para o Progresso,
4 milhões de dólares para despesas de algibeira e, logo depois, mais 883
milhões como empréstimo. Mas começam também a cobrar, fazendo o governo comprar
por 105 milhões de dólares as empresas que Brizola havia desapropriado por um
dólar e que de Jango só reclamavam 30 milhões.
Roberto
Campos, Eugênio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões, montados no poderio da
ditadura, dão um aumento de 100% aos militares e, assim respaldados, ditam a
política econômica antinacional e socialmente irresponsável que jamais haviam
podido executar. (…) Roberto Campos entrega o BNDE a Garrido Torres, com o
encargo de matá-lo; para isto, tenta extinguir os fundos públicos com que
operava. Queria vingar-se dos técnicos que o haviam expulsado do banco como
entreguista e corrupto.
Três
decretos marotos conseguem à Light tudo que ela pedia: elevação de tarifas e
sua correção automática, bem como a reavaliação dos seus ativos convertidos,
para nós, em astronômicos passivos.
O
governo devolve as refinarias particulares encampadas por Jango. Sabendo quanto
elas pagariam de suborno para não serem encampadas, posso avaliar o que terão
pago para serem desencampadas.
A
ditadura regulamenta o artigo da Constituição que garante direitos de greve,
para torná-la totalmente ilegal e punível. (…) O novo ministro do Trabalho,
Arnaldo Sussekind, intervém em cerca de mil sindicatos, destitui as antigas
diretorias legalmente empossadas e dissolve entidades sindicais de grau
superior.
Roberto
Campos faz Castelo Branco decretar a anistia fiscal para os brasileiros que
repatriassem depósitos clandestinos de dólares no exterior.
A
Handson’s Letter de Wall Street chama os brasileiros de “palhaços do mundo”
pela compra da Amforp por 135 milhões de dólares. A compra negociada por
Roberto Campos previu o pagamento de 10 milhões de dólares à vista, provavelmente
o suborno; 24, 7 milhões em vinte anos, a juros de 6%; e 100 milhões, no mesmo
prazo, a juros de 6,5%. Dos 100% de ações compradas, o Brasil só recebeu 75%;
os outros 25% seriam as tais “ações sem valor ao par”, dadas aqui aos figurões
que a Amforp subornou ou aos diretores cuja dedicação premiou. Assim terminaram
as expropriações de Brizola, as empresas gaúchas da ITT e da BBS.
1965
O
Serviço Geológico dos Estados Unidos rouba e entrega à U.S.Steel os
levantamentos realizados por uma empresa brasileira para o governo, graças aos
quais se localizou na Serra dos Carajás uma grande jazida de calcário e minério
de ferro (18 bilhões de toneladas). A empresa americana, para se apropriar das
jazidas, arma uma falcatrua, apresentando requerimentos de 167 funcionários no
seu escritório de Belém, que incluíam desde porteiro e secretária até o
diretor, requerendo alvarás de exploração de Carajás como uma montanha de
calcário. A maroteira era tão escandalosa que nem o governo ditatorial pôde
aprovar. Mas, ainda assim, concede à mesma United States Steel um alvará de
exploração do minério de ferro de Carajás para exportação, que eles prometem
iniciar imediatamente. Nunca iniciaram, porque o objetivo era, como sempre,
ficar sentada em cima das concessões de mineração que obtinham. Mas venderam
depois, ao próprio governo, esta licença incumprida, por bom dinheiro.
Dado
o desinteresse da Light em expandir e melhorar os seus serviços de telefone, o
governo decide nacionalizá-los. A empresa cede gostosamente. Pagaram o dobro do
que ela pediu originalmente, uma bolada a pagar em 80 prestações trimestrais a
juros de 6% –em dólares.
É
promulgada e posta em execução a Lei 4.725, destinada a reduzir os salários
reais através dos critérios de fixação do salário mínimo e de controle dos
aumentos salariais. A nova lei, somada à repressão policial e à intervenção nos
sindicatos, submete o trabalho à servidão frente ao capital.
A
USP e a UFRJ, bem como dezenas de vetustas instituições culturais, veem surgir
de dentro delas, espumantes de ódio, intelectuais repressores que aderem à
ditadura e passam a apontar, de dedo duro, a seus colegas mais competentes como
subversivos. O reitor da USP, Gama e Silva, se credencia para ministro da
Justiça nomeando uma Comissão Dedo-Duro, que compões laboriosamente uma lista
de 50 professores e estudantes dos mais brilhantes e remete aos órgãos de
segurança para serem punidos e demitidos.
Entra
em ação o acordo MEC-USAID, ratificado secretamente em 1967 para implantar a
reforma universitária, que corresponde ao espírito da ditadura, privatizando as
universidades públicas e dissolvendo as organizações estudantis. Para isto, o
general Meira Matos junta milicos e deseducadores brasileiros com
subintelectuais norte-americanos contratados pelo mesmo órgão de Washington que
patrocinou o treinamento dos torturadores.
1966
Juracy
Magalhães, embaixador do Brasil em Washington, convencido de que é bom para o
Brasil tudo que for lucrativo para os Estados Unidos, assina um Pacto de
Submissão Colonial. Por ele, se dá garantias formais de que respeitaremos as
leis norte-americanas que garantem os investimentos de suas empresas no Brasil
até 20 anos depois de qualquer futura lei brasileira que venha a afetá-los.
A
reforma tributária é posta em execução, impondo o predomínio da União e
reduzindo drasticamente as fontes de recurso dos estados e dos municípios, que
passam, assim, a depender inteiramente das autoridades federais.
O
bando entreguista instalado no poder entrega à Hanna Corporation –empresa
reconhecidamente não-idônea nos Estados Unidos – a Companhia Vale do Paraopeba,
detentora de imensas jazidas minerais– com a qual João Goulart pensava fazer a
independência do Brasil, vendendo minério exclusivamente para construir
siderúrgicas. A Hanna recebe, ainda, a estrada de ferro que liga Minas ao Rio
para exportação de ferro e manganês, em competição com a Cia. Vale do Rio Doce.
Desgastada no uso mais intensivo para transferir as montanhas de Minas para os
Estados Unidos, a Rede Ferroviária custa ao governo brasileiro, em subsídios
anuais, muito mais do que tudo que a Hanna paga pelo minério. Pelo uso daquela
rede ferroviária de 633km de Belo Horizonte ao porto privado de Sepetiba, a
Hanna pagava uma tarifa de 125 cruzeiros por tonelada, quando o preço de custo
para o governo era de 160 mil cruzeiros. Em consequência desta outorga, o
governo inicia a construção de uma outra estrada, por nossa conta, a Ferrovia
do Aço, para levar o minério de Minas a Volta Redonda. Nela, já se gastaram
mais de 2 bilhões de dólares, e falta outro tanto. Tamanha dação só se explica
porque a Hanna foi a principal financiadora do golpe de 1964.
1967
Castelo
Branco paga a última prestação do preço do golpe de 1964: um avião militar
norte-americano desembarca em Brasília os diretores da Hanna Corporation que
vêm firmar com Azevedo Antunes a ata de fundação da empresa nominalmente
nacional, Minerações Brasileiras Reunidas, a fim de legalizar a apropriação
estrangeira de 720km² das terras de Minas Gerais, onde se encontra uma das
maiores reservas de minérios deste mundo, que Jango havia recuperado para o Brasil
e eles ganharam.
Escândalo
nacional com as acusações a Roberto Campos de ter participado da “vaquinha” que
enriqueceu vários membros do governo com a nova alta do dólar por ele
decretada.
O
milionário Daniel K. Ludwig –secretariado por Heitor Ferreira de Aquino, que
também foi secretário de Geisel e Figueiredo– compra, com a ajuda zelosa do
general Golbery, um país de 60 milkm², no Amapá e no Pará, para montar ali um
ambicioso projeto madeireiro, minerador e agroindustrial. Acaba dando imenso
prejuízo que, como sempre, o Banco do Brasil assume e converte em mais uma
negociata na forma de empréstimos subsidiados a milionários nativos.
Eminentes
educadoras paulistas como Maria José Werebe, Maria Nilde Mascelani e Teresinha
Framme, em São Paulo, Henriette Amado e diversas outras no Rio são perseguidas
e denunciadas escandalosamente por darem uma orientação esclarecida a seus
alunos sobre a matéria sexual.
Um
incêndio suspeito destrói os artigos com a documentação e os registros de
terras de índios e a filmoteca do velho SPI, então sob a guarda da Funai em
Brasília.
1969
A
Phillips Petroleum consegue de Costa e Silva a construção de um grande conjunto
habitacional , bem em cima de uma jazida de fosforita, em Olinda, para
inviabilizar sua exploração, que era competitiva com a deles.
1970
Avança
o loteamento da Amazônia. Além dos 6 milhões de hectares de Ludwig, são doados
668 mil à Suyá-Missu, 600 mil à Codeara, 500 mil à Paragominas e outros tantos
à Georgia Pacific, à Bruynzeel, à Volkswagen e à Robin Mac. Também entram na
negociata a Anderson Clayton, a Swift-Armour, a Goodyear, a Nestlé, a
Mitsubishi, a Bordon, a Mappin, além dos nativos Camargo Corrêa, Bradesco et
caterva.
Acelera-se,
em consequência, a destruição da floresta amazônica com drogas desfolhantes,
napalm e correntes arrastadas por enormes tratores de esteira. O programa é
esteira. O programa é transformar a selva em pastagens.
É
criado o INCRA –Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária–, mas o que
se implanta é a anti-reforma pela entrega de glebas quilométricas a grandes
empresas para serem afazendadas à custa do povo. Isto porque as beneficiárias
podem deduzir todos os seus gastos até a metade do imposto de renda que
deveriam pagar, mas embolsam. Incrível, só neste Brasil da ladroagem.
Paulo
Freire, exilado, publica nos Estados Unidos sua obra maior: Pedagogia do
Oprimido, uma apreciação crítica de suas práticas de pioneiro da educação de
adultos. Este livro é o texto educacional brasileiros mais traduzido e que
exerce maior influência no mundo. Curioso é que, tal como ocorreu com Josué de
Castro –outro intelectual nosso com grande êxito internacional, detestado pela
mediocridade nativa–, Paulo Freire provoca a inveja mais odienta de toda a
pedagogia fútil e vadia, que nada faz, mas se engalana com plumas tiradas do
nosso grande educador.
É
criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), destinado a pôr em
prática um imenso programa de alfabetização imbecilizadora, aplicando ao
contrário os métodos de Paulo Freire. Somado à repressão nas universidades, e
mantido o ensino fundamental nesta campanha de alfabetização despolitizadora, a
ditadura reduz drasticamente os gastos com a educação, que de 11,2% di
irçamento da União, em 1962, caem para 5,4%.
1971
A
ditadura, simultaneamente à liquidação política do Congresso nacional, o
degrada com vergonhosas mordomias para legisladores que não legislam; o
clientelismo de legiões de assessores e serviçais bem pagos e o faraonismo que
converte a Câmara e o Senado –inúteis– nos maiores edifícios públicos do mundo.
São
Paulo, na primeira fase da industrialização pioneira, realizada pelos
Mattarazzo, gostava de se ver como a locomotiva que arrastava o Brasil, como um
comboio de vagões vazios. Com a industrialização substitutiva, através da
implantação de grandes fábricas das multinacionais, muda de imagem. Começa a
ser vista pelo país como a grande bomba de sucção que nos sangra, para carrear
lucros para o estrangeiro. Com efeito, o intercâmbio entre São Paulo e o resto
do Brasil passa a ser tão desigual que alguns estados planejam criar reservas
de mercado para suas próprias indústrias,
fim de enfrentar o colonialismo interno, praticado ferozmente pelos gerentes
paulistas das multinacionais.
A
exploração dos doentes brasileiros pelas multinacionais, produtoras de
remédios, que controlam a produção e o mercado, chega a níveis tão altos que
provoca, mesmo na ditadura, a provação de um Plano Diretor de Medicamentos
destinado a pôr cobro no escândalo. Mas Wall Street protesta e o Plano é
anulado.
Graças
ao cientista Albert Sabin, se verifica que o governo Médici, além de falsificar
os índices do custo de vida para comprimir salários e de exagerar os progressos
da alfabetização, mente também nas informações relativas ás condições
sanitárias da população, declarando vacinações antipólio que não realizou, o
que põe em risco a população infantil.
1972
A
Hanna e Antunes inauguram, na baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, um porto
próprio, destinado a transportar para os Estados unidos as montanhas de ferro
de Minas Gerais, a fim de constituir, ali, uma gigantesca reserva que garantirá
tanto a prosperidade futura deles como a nossa pobreza.
*Trechos do
livro Aos Trancos e Barrancos – Como o Brasil Deu No Que Deu, de Darcy Ribeiro,
publicado em 1985 pela editora Guanabara.
http://www.socialistamorena.com.br/darcy-denuncia-as-negociatas-da-ditadura/
Nenhum comentário:
Postar um comentário