Cada
vez mais, a internet se mostra um catalisador de intolerância. É lá onde as
pessoas acabam por mostrar, sem medo ou vergonha, seu verdadeiro ódio. E,
infelizmente, o caso de Dona Marisa nos alertou novamente: é preciso muita
cautela quanto aos conhecidos cidadãos “do bem”.
Estudar
em colégios de ótima qualidade, fazer cursinho, ter um bom resultado no
vestibular e, consequentemente, graduar-se em medicina em uma universidade
pública. Qual mãe ou pai não sonha com isso para os filhos? Este é, de longe,
um dos patamares mais cobiçados por grande parte da população brasileira.
Mas
o fato é que, com ideais como esse incrustados na sociedade, o senso comum
acaba por formar um protótipo do que seria um cidadão “do bem”: uma pessoa
bem-sucedida, que paga as contas em dia e hoje se mostra indignada com a
corrupção. Mas este nem sempre é um modelo ideal.
As
redes sociais têm sido enfáticas ao mostrar que esse tipo de conceito está
completamente equivocado. Quem se diz “do bem”, em muitos casos não o é.
Cabe
ressaltar que não é surpresa que as redes tenham se tornado ponto de encontro
de fascistas e intolerantes. É justamente lá em que as pessoas depositam seu
ódio, mostram sua perversidade e exibem quem de fato são.
E
isso vem à tona, mais uma vez, diante da morte de Dona Marisa Letícia,
ex-primeira-dama e companheira por anos do ex-presidente da República Luís
Inácio Lula da Silva. Desde a notícia de que Dona Marisa sofreu um AVC
(Acidente Vascular Cerebral) e foi encaminhada para o hospital Sírio-Libanês, em
São Paulo, a internet ficou de pernas para o ar.
Enquanto
Dona Marisa lutava bravamente pela própria vida, internautas lançavam os mais
asquerosos xingamentos e ofensas contra ela e sua família, evidenciando o mais
elevado nível de ódio e intolerância político-social grassado pelo Brasil. Em
sua maioria, por cidadãos “do bem”.
E
o mais revoltante foi divulgado na noite desta quarta-feira, pelo jornalista
Thiago Herdy, no jornal O Globo.
Segundo
a reportagem, a médica reumatologista Gabriela Munhoz, que atuava no caso de
Dona Marisa, enviou mensagens a um grupo de Whatsapp de antigos colegas de
faculdade confirmando que a paciente estava no pronto-socorro com diagnóstico
de AVC hemorrágico grave e que estava prestes a ser levada para a Unidade de
Terapia Intensiva (UTI). (Ela já foi demitida pelo hospital por compartilhar o
diagnóstico.)
A
conversa no grupo, que teria acontecido antes de Dona Marisa morrer, foi
recheada de falta de ética – o termo “ética”, neste caso, é eufemismo. Um dos
médicos, ao que tudo indica ex-colega de Gabriela Munhoz, teria escrito o
seguinte: “Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem que romper no
procedimento. Daí já abre a pupila. E o capeta abraça ela”.
A
mensagem é clara. “Embolizar” é o procedimento de provocar o fechamento de um
vaso sanguíneo para diminuir o fluxo de sangue em determinado local. É
revoltante, mas a intenção era mesmo que Dona Marisa morresse.
Isso
traz, mais uma vez, a reflexão sobre o que seria um cidadão “do bem”. Neste
caso, trata-se de um médico formado, com ótima base acadêmica e em pleno
exercício da função.
Se
for levado em conta um levantamento realizado em agosto de 2016 pelo projeto
Comunica Que Muda, da agência nova/sb, a situação fica ainda mais alarmante.
Segundo o estudo, apenas um sétimo da população que utiliza a internet não
pratica discursos de ódio.
Foram
monitorados dez tipos de intolerância nas redes sociais: em relação à aparência
das pessoas, às suas classes sociais, às deficiências, à homofobia, misoginia,
política, idade/geração, racismo, religião e xenofobia.
Foi
analisado o total de 542,781 menções em redes sociais como Facebook, Twitter e
Instagram e o resultado é preocupante: nos dez temas pesquisados, o percentual
de abordagens negativas ficou acima de 84%. Ainda segundo o estudo, os temas
que tratam de racismo e política foram de 97,6% e 97,4%, respectivamente.
Cada
vez mais, a internet se mostra um catalisador de intolerância. É lá onde as
pessoas acabam por mostrar, sem medo ou vergonha, seu verdadeiro ódio. E,
infelizmente, o caso de Dona Marisa nos alertou novamente: é preciso muita
cautela quanto aos conhecidos cidadãos “do bem”.
http://www.revistaforum.com.br/2017/02/03/cidadao-do-bem-o-odio-contra-dona-marisa-e-as-redes-sociais/
Nenhum comentário:
Postar um comentário