Incontáveis,
os sobreviventes na guerra dos poucos contra a maioria te saúdam!
Status
hominum naturalis antequam in societatem coiretur Bellum fuerit; neque hoc
simpliciter, sed bellum omnium in omnes.
A
guerra foi o estado natural dos homens antes deles se unirem em sociedade; não
simplesmente a guerra, mas a guerra de todos contra todos.
Thomas
Hobbes. De Cive, Cap. I, Seção 12 (1642)
Das
Problem der Staatserrichtung ist, so hart wie es auch klingt, selbst für ein
Volk von Teufeln (wenn sie nur Verstand haben) auflösbar [...]
Não
importa quão duro isso soe, o problema da construção do Estado pode ser
solucionado mesmo para um povo de demônios (contanto possuam apenas
entendimento) [...]
(Immanuel
Kant. Zum ewigen Frieden (À paz perpétua), 3º Artigo Definitivo, 1º Aditivo
(1795)
O
povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que
significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada.
(Aristides
da Silveira Lobo, 18 de novembro de 1889, sobre a Proclamação da República)
Este
texto não é uma elegia e muito menos uma nênia. É um cântico de guerra, pois em
guerra estamos, em uma sórdida guerra civil movida contra a maioria por poucos,
pelos canalhas de plantão, assim chamados por Tancredo Neves em 1964 e por
Roberto Requião e Lindbergh Farias em 2016.
Em
1642 Hobbes menciona no prefácio a De Cive (Do cidadão) pela primeira vez a
"guerra de todos contra todos" (bellum omnium contra omnes) como
estado natural da humanidade.
370
anos depois, um dos maiores pensadores contemporâneos, o jurista e filósofo
Friedrich Müller, indaga no Livro II de obra até hoje ignorada em sua terra
natal[1] se "É possível constituir o Leviatã" ou (o título alemão é
ambivalente) se o monstro se deixa constituir. No sugestivo título e nas
explanações de uma seção desse livro, Müller atualiza e reformula com
necessária precisão a aterradora visão hobbesiana. Fala do bellum paucorum
contra plurimos. da guerra dos poucos contra a maioria.
"Guerra
dos poucos contra a maioria": eis o retrato do mundo atual. Eis o retrato
do Brasil pós-golpe, imerso em crescente anomia. Anomia é, literalmente, a
ausência de leis. O caos. Esse caos, nunca esqueçamos, foi preparado com zelo e
dolo pela mídia, por políticos lesa-pátria, pelo complexo do Judiciário, da PGR
e da PF, por empresários e banqueiros e por poderosos interesses estrangeiros,
todos animados por e irmanados em egoísmo primário, ignorante de que o mais
empedernido egoísta precisa ser minimamente altruísta. Mas esse seria o egoísta
racional, integrante do "povo de demônios" entrevisto por Kant,
ciente da necessidade de um Estado bem-ordenado para a consecução de seus
objetivos egoístas. Não é o caso dos autores do golpe de 2016 e de outros
golpes que o fecundo golpe de 2016 ainda poderá parir. Eles simplesmente
desmontam o Estado. Negam a sociedade, negam a própria sociabilidade e nos
fazem retornar ao estado natural, à barbárie. Esta, porém, já não mais é a
guerra de todos contra todos, mas a guerra dos poucos contra a maioria.
Magistralmente
analisada por Jessé Souza em "A radiografia do golpe" (2016), tal
guerra é o legado dos golpistas. Tentam-nos vendê-la como ordem, mas as
explicações não colam. Como disse Jessé de Souza em recente conversa com Luís
Nassif, não é possível enganar indefinidamente. Um dia a casa cai.
A
guerra cobra muitas vítimas. Marisa Letícia, combatente tão discreta quanto
valente, é apenas uma das mais proeminentes. Tem nome e rosto. E os milhões de
outros, sem nome nem rosto? Quem chorará seu destino? Quantos tombarão até
reverter o curso da história?
Aos
poucos, o recado da parcela hoje ínfima da maioria que não abaixa a cabeça:
Querem
a guerra? Pois terão a guerra! Um dia a maioria esbulhada, não mais
bestializada, atônita, surpresa, sem conhecer o que significa tudo aquilo,
deverá virar a mesa. Um dia os poucos ficarão apoucados. Quem ri por último ri
melhor.
Epaminondas Demócrito
d'Ávila - Jurista, filósofo e professor emérito aposentado
[1] Syntagma. Verfasstes
Recht, verfasste Gesellschaft, verfasste Sprache im Horizont von Zeit
(Sintagma. Direito constituído, sociedade constituída, linguagem constituída no
horizonte do tempo. Berlim, Duncker & Humblot 2012)
http://jornalggn.com.br/noticia/ave-marisa-leticia-por-epaminondas-democrito-davila
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