No
mundo jurídico, alimentos é uma expressão técnica que designa uma verba
destinada àquele que não pode prover por si mesmo sua subsistência. É também
conhecido como pensão alimentícia. Decorre da solidariedade que deve existir
nos vínculos parentais e conjugais. Mas pode também nascer a obrigação
jurídica, de testamento, ato ilícito e contrato. A Emenda Constitucional
64/2010 alterou o artigo 6º da Constituição como um direito social, o que
reforça a sua amplitude e importância como direito fundamental e atributo da
dignidade da pessoa humana.
O
valor dos alimentos são fixados de acordo com a necessidade de quem recebe e a
possibilidade de quem paga. Mas o que é a necessidade? É apenas o mínimo para
subsistência? Eis aí uma questão que a doutrina e a jurisprudência tem evoluído
bastante. Afinal, “nem só de pão vive o homem”, e aqui nos socorremos,
novamente, à arte (poesia) para ajudar a pensar melhor o direito, com a música
dos Titãs: A gente não quer só comida/ A gente quer comida/ Diversão e arte
(...). Portanto, a necessidade vai além de arroz e feijão, e pode variar de
acordo com o padrão de vida das partes envolvidas, tal como anunciado no CCB,
pois deve ser estabelecido de modo compatível com a sua condição social (artigo
1.694).
A
história das pensões alimentícias mostra que uma das partes fica sempre
insatisfeita: quem paga, na maioria das vezes, acha que está pagando muito, e
quem recebe sempre acha que está recebendo pouco. Para além dos aspectos
objetivos, e do binômio necessidade/possibilidade, há toda uma carga de
subjetividade que permeia tais relações e faz relativizar o justo. A pensão
para os filhos, por exemplo, vem sempre acompanhada da sensação, por parte de
quem paga, de que parte vai para o sustento da ex-mulher, ou que o valor é excessivo
e antipedagógico. Mas não tem jeito. Isso sempre foi e continuará sendo assim.
A novidade, na evolução da ideia e conceito de alimentos, está na relação entre
ex-cônjuges e ex-companheiros.
A
primeira delas é que a discussão de culpa, especialmente após a Emenda
Constitucional 66/2010, que simplificou o divórcio, extirpou o inadequado e
inútil instituto da separação judicial, se desatrelou da ideia de alimentos.
Não faz sentido condenar alguém a não ter como sobreviver porque não se
comportou bem no casamento/união estável. Alimentos saiu do campo da moralidade
e foi para o campo da ética. Um ex-cônjuge/companheiro perde o direito a
receber alimentos não por ter tido uma relação extraconjugal, mas porque dele
não necessita ou se os seus atos forem considerados indignos (artigo 1.708,
parágrafo único, CCB), tal como já acontecia no direito das sucessões com a
deserdação. A indignidade ainda é assunto pouco explorado pela doutrina e
jurisprudência no Direito de Família. O seu conceito traz consigo uma carga de
subjetividade e relatividade perigosa que fica no limiar da moral/moralismo e a
ética.
A
segunda é a pensão alimentícia compensatória,
cujo conceito se aproxima e até se mistura a uma natureza indenizatória. Ela
tem por objetivo compensar o ex-cônjuge/companheiro e evitar uma queda brusca
no padrão de vida em razão do fim do casamento/união estável, especialmente
quando não houver partilha e em razão do regime de bens, ou enquanto não se
fizer a partilha.
A
pensão alimentícia compensatória surge e ganha força no ordenamento jurídico
brasileiro em consequência do comando constitucional de reparação das
desigualdades entre ex-cônjuges/companheiros, sob o manto de uma necessária
principiologia para o Direito de Família. O desfazimento de um casamento ou
união estável, especialmente aqueles que se prolongaram no tempo e tiveram uma
história de cumplicidade e cooperação, não pode significar desequilíbrio no
modo e padrão de vida pós-divórcio e pós-dissolução da união estável. As normas
jurídicas que dão suporte e autorizam a pensão compensatória advêm dos
princípios constitucionais da igualdade, solidariedade, responsabilidade e
dignidade humana. As normas infraconstitucionais, mais especificamente o artigo
1.694 do CCB 2002, bem como a melhor jurisprudência e o Direito Comparado,
apresentam-se também como fontes obrigatórias para a compreensão e
desenvolvimento do raciocínio jurídico dessa modalidade de pensionamento (Cf.
Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado. Ed. Saraiva. p. 83 —
de minha autoria).
Nas
sociedades capitalistas e patriarcais, é comum atribuir-se valor apenas à força
de trabalho que produz mercadorias e rendas. Em outras palavras, atribui-se
valor apenas àquilo que traduz um conteúdo econômico. E, assim, o trabalho
doméstico, historicamente desenvolvido pelas mulheres, nunca recebeu seu devido
valor. Nunca se atribuiu a ele um conteúdo econômico. Entretanto, não é
possível a existência de sociedades e famílias sem esse necessário trabalho
doméstico. Mesmo que se delegue a empregados os cuidados e fazeres domésticos,
a administração, o cuidado, o olhar, o afeto e a energia ali despendida para
que se crie filhos saudáveis, é necessário que, ao menos um dos pais se dedique
mais a essa função. Contudo, como isso não gera renda ou produz dinheiro, tal
função ganhou uma importância inferior à de quem trabalha fora de casa. E,
assim, a importância e o verdadeiro valor da força de trabalho para a criação e
educação de filhos são invisíveis. E, assim, a pensão compensatória surge como uma
ação afirmativa para diminuir essas desigualdades.
A
obrigação alimentar compensatória se extingue com a morte do alimentário ou com
a ausência de necessidade compensatória, seja em razão de abrupta queda da
possibilidade do alimentante, seja pelo repasse integral de numerário,
tornando-se isonômicas as realidades, ou mesmo pela desnecessidade do
alimentário decorrente de fator superveniente ao padrão posto em análise no
momento da fixação.
Rodrigo
da Cunha Pereira é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e
autor de livros sobre Direito de Família e Psicanálise.
http://www.conjur.com.br/2017-fev-05/processo-familiar-alimentos-compensatorios-nem-pao-vive-homem
Nenhum comentário:
Postar um comentário