Os
mortos e feridos na chacina de Campinas são as primeiras vítimas fatais do ódio
à esquerda estimulado pela mídia nos últimos anos. Para arrancar o PT do poder,
revistas, jornais e emissoras de rádio e TV incentivaram o machismo, a
misoginia, a homofobia, a raiva irracional a todo pensamento progressista.
Alimentaram a besta.
A
carta do assassino nada mais é do que uma colagem dos pensamentos toscos que
lemos nos comentários dos portais noticiosos todos os dias, inspirados em
(de)formadores de opinião aos quais a mídia deu espaço. Não há nada de
surpreendente ali: à parte seus problemas pessoais e psicológicos, o atirador
utiliza as mesmas palavras que a direita usa nas redes sociais cotidianamente
para atingir “inimigos”, sobretudo mulheres, homossexuais e defensores dos
direitos humanos.
Não
é à toa que o assassino machista de Campinas apela à mesmíssima expressão para
se referir tanto à mãe do seu filho quanto à presidenta Dilma: “vadia”. A
palavra “vadia” aparece 12 vezes na carta. Este é o termo mais usado contra
mulheres hoje no Brasil, arroz de festa nas redes sociais. Foi o primeiro
insulto que recebi ao inaugurar o blog, em 2012, vindo de um roqueiro de
direita que se sentiu incomodado por um texto meu –e ele recebeu em seguida o
apoio de uma jornalista da Globo.
Contra
Dilma, foram incontáveis as vezes em que ela foi chamada de “vadia” e outros
termos homólogos a “prostituta” na internet e em cartazes nas manifestações
verde e amarelas: “puta”, “vaca”, “vagabunda”, “quenga”. Em 2010, o cartunista
Nani foi pioneiro no machismo contra Dilma ao mostrar a candidata “rodando a
bolsinha” numa esquina; a charge foi divulgada pelo portal mais visitado, o
UOL. Chamar uma mulher de “vadia”, seja ela anônima, jornalista ou presidenta
da República virou algo normal, “liberdade de expressão”. No twitter e
facebook, xingar mulher rende “likes”. Vão dizer que não? Se até deputados
fazem isso e têm milhões de seguidores…
Quem
inventou o ódio às feministas presente na carta do atirador de Campinas? Quem o
disseminou? Nos programas pseudohumorísticos da televisão aberta e nas redes
sociais, é considerado piada inofensiva chamar as feministas de “feminazis”,
achincalhá-las noite e dia, demonizá-las. É inegável que, para atingir Dilma, a
mídia naturalizou o desprezo às mulheres que se destacam e que lutam contra o
machismo. Precisa assumir sua enorme responsabilidade na misoginia que
insuflou.
O
caso de Campinas infelizmente não é fato isolado. Enquanto a direita brada
contra as feministas, todos os dias morrem mulheres vítimas de feminicídio no
Brasil. Esta semana, um advogado de Vitória, no Espírito Santo, espancou uma
faxineira na porta de casa e teve o desplante de “pedir desculpas”, como se
fosse um mero esbarrão. Ficará quanto tempo preso? Em novembro, a sobrinha-neta
do ex-presidente José Sarney foi estuprada e morta pelo próprio cunhado, dentro
de casa.
Não
precisa conferir as estatísticas, basta olhar os portais: todo dia uma mulher é
agredida ou morta por ex e atuais companheiros. Desta vez os alvos foram mais
numerosos, mas o assassino demonstra sua motivação misógina ao escrever que
iria levar junto com ele “o máximo de vadias”. Das 12 vítimas fatais da
chacina, nove são mulheres. Em março de 2015, Dilma foi criticada pelo maior
jornal do país por sancionar a lei que torna o feminicídio crime hediondo. Em
sua carta, o assassino de Campinas chama a lei Maria da Penha de “vadia da
penha”.
A
combinação de ódio com a defesa do armamento pessoal é literalmente explosiva,
e conta com o apoio midiático. Na época do plebiscito, em 2005, a revista mais
vendida do Brasil não hesitou em se posicionar, na capa, contra o desarmamento.
Uma das bancadas da direita hidrófoba com mais poder dentro do Congresso, todo
mundo sabe, é a da bala, formada por políticos que são financiados pela
indústria do armamento –a mesma que produz balas de borracha para massacrar
estudantes em protestos.
Diante
das chacinas que se tornaram praticamente semanais no mundo “civilizado”,
seguimos enxergando um uníssono culpado: o fanatismo religioso, esquecendo que
todos os fanatismos são igualmente nocivos. O fanatismo político também é
sangrento e este encontrou um poderoso eco nas grandes corporações midiáticas,
capazes de construir e destruir governantes.
Este
é um sentimento perigoso, o ódio. É muita irresponsabilidade para com o país
disseminá-lo em nome do antipetismo, estamos alertando há anos. Quantas vezes
escrevi aqui aquele provérbio espanhol, “cria cuervos y te sacarán los ojos”? O
antipetismo desencaminhou o Brasil, estamos indo para um rumo tenebroso. O
único limite para o ódio é o sangue.
E
assim começamos 2017… Minha solidariedade às vítimas desta tragédia. Mas sabem
o que é ainda mais triste? Saber que nos esgotos de onde o assassino saiu não
faltará gente para aplaudi-lo.
http://www.socialistamorena.com.br/saiu-do-portal-e-matou-a-familia/
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