Tratamento
dado aos nossos heróis nacionais
“Gasômetro
explodiu”, “Mais de 10.000 mortos com a explosão do Gasômetro”, “Destruição por
explosão no Centro do Rio” e “Ataque comunista explode o Gasômetro” foram
algumas das manchetes de jornais e das chamadas de telejornais em um dia de
junho de 1968.
O
corpo das notícias foi: “Quem sobreviveu à explosão do Gasômetro nunca a
esquecerá”, “A um quilômetro do centro da explosão, ainda eram encontrados
sinais do impacto da onda de choque criada por ela”, “Cenário lembra Hiroshima
após a detonação da bomba atômica”, “Gasômetro explodiu na hora de maior
congestionamento na área da rodoviária Novo Rio” e “Guerrilheiros comunistas
foram os autores do maior atentado já ocorrido no Brasil”.
Isto
tudo ocorreu em um mundo paralelo no qual o Capitão Sergio Macaco aceitou a
ordem de seu superior da Aeronáutica.
Para
a felicidade dos que residiam ou vinham frequentemente ao Rio de Janeiro, em
junho de 1968, no nosso mundo, este capitão da Aeronáutica teve o
discernimento, a sensibilidade e a coragem de colocar o respeito à humanidade
acima do respeito à hierarquia militar.
O
Capitão Sergio Macaco salvou mais de 10.000 vidas, que seriam impactadas no
primeiro momento, e um número incalculável de vidas dos descendentes.
Sergio
Ribeiro Miranda de Carvalho era militar de carreira da Aeronáutica, com o posto
de Capitão em 1968 e era chamado de Capitão Sergio Macaco, sem que esta alcunha
o desagradasse. Na época, comandava o Para-Sar, batalhão de elite de
paraquedistas da Aeronáutica, especializado em resgate e salvamento.
Era
considerado um dos mais obstinados e admirados oficiais da Força.
Certo
dia, foi chamado pelo Brigadeiro João Paulo Burnier, então Chefe de Gabinete do
Ministro da Aeronáutica, Marcio de Souza e Mello, durante o governo Costa e
Silva. O Brigadeiro Burnier planejava a ação típica de guerrilha de explosão do
Gasômetro para ser atribuída a militantes de esquerda e, com isso, a sociedade
aceitar o endurecimento da ditadura.
No
Gasômetro, era produzido o gás que era injetado na rede de gás canalizado da
cidade. Na época, havia a necessidade de estocagem deste gás que, com o uso
crescente do gás natural, ela diminuiu.
Pelo
nível da estocagem, admitindo-se que seria uma explosão planejada para causar o
máximo dano e considerando o número provável de pessoas que estariam na região,
estimou-se que ocorreriam dezenas de milhares de óbitos.
Quando
o nosso herói, Capitão Sergio Ribeiro Miranda de Carvalho recebeu a ordem de
explodir o Gasômetro, mesmo estando consciente da repercussão que a negativa a
esta ordem representaria, ou seja, ele colocaria no lixo a sua carreira, até
então brilhante na Aeronáutica, respondeu que não atenderia a ordem.
Foi
uma opção consciente, pois preferiu não ser o assassino de um número expressivo
de pessoas, abrindo mão de algo extremamente valioso para ele, a continuidade
da sua carreira.
Notícia
de tamanha expressão foi transmitida pelo jornal Correio da Manhã.
Ao
saber do ocorrido, o Brigadeiro Eduardo Gomes apoiou o Capitão Sérgio Macaco.
No entanto, o apoio pouco adiantou, pois a história do Capitão foi negada pela
Aeronáutica, que buscou caracterizá-lo como um insubordinado. O herói acabou
sendo reformado pelo AI-5, em 1969, perdendo a patente e o soldo.
Depois
de penosa tramitação pela Justiça, em 1992, o Supremo Tribunal Federal
reconheceu os direitos do Capitão, estabelecendo que ele deveria ser promovido
a Brigadeiro, posto que teria alcançado se tivesse permanecido na ativa.
O
então ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro Lélio Lobo, ignorou a decisão da
corte, sendo o STF obrigado a mandar um ofício exigindo o cumprimento da lei.
O
Brigadeiro Lobo novamente se recusou a cumprir, transferindo o problema para o
Presidente da República, à época Itamar Franco, que por sua vez protelou a
decisão até que o Capitão Sérgio Macaco morreu de câncer em 1994, sem ver sua
reintegração à Aeronáutica e a simultânea promoção a que tinha direito.
Em
1997, a família do Capitão Sérgio Macaco foi indenizada pelo governo com o
valor relativo às vantagens e soldos que ele deixou de receber entre os anos de
1969 e 1994.
Chegou
a ser reconhecido como um herói nacional por algumas entidades. O Clube de
Engenharia foi uma das que o homenagearam em vida.
O
partido político PDT o acolheu, dando inclusive a legenda para ele se
candidatar. Ele chegou a ser o primeiro suplente de deputado federal pelo PDT,
tendo assumido o mandato algumas vezes.
Em
1985, recebeu a primeira homenagem pública de vulto: o título de “Cidadão
Benemérito do Rio de Janeiro”, concedido pela Assembleia Legislativa do Estado.
Excetuando
políticos, que, com suas decisões econômicas e sociais, podem postergar ou
antecipar a morte de milhões de brasileiros, o Capitão Sergio Ribeiro Miranda
de Carvalho foi o cidadão que mais salvou vidas no Brasil.
Se
você vivia ou transitava pelo Rio de Janeiro em junho de 1968, deve agradecer
ao Capitão Sergio Macaco por ter, talvez, salvado a sua vida e, como
consequência, as de seus descendentes ainda não nascidos.
O
Governo brasileiro deveria, em ato bastante simbólico, conceder, post mortem,
ao Capitão Sergio Ribeiro Miranda de Carvalho o posto de Brigadeiro da
Aeronáutica. Implicitamente, estaria reconhecendo que a ditadura chegou a
planejar a explosão do Gasômetro.
Paulo
Metri é conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro
http://www.viomundo.com.br/politica/paulo-metri-capitao-sergio-macaco-o-paraquedista-que-salvou-mais-de-10-mil-vidas-na-ditadura.html
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