A
acusação de que Guilherme Boulos incita ao crime por mediar uma reintegração de
posse e sua detenção são tão bizarras quanto as ações que foram movidas contra
o coordenador do MTST por ter afirmado que parte da sociedade iria resistir nas
ruas às reformas que reduzem direitos propostas pelo governo Michel Temer.
A
Polícia Militar de São Paulo deteve Guilherme Boulos, coordenador nacional do
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), na manhã desta terça (17). Ele
dava apoio a cerca de 700 famílias em uma reintegração de posse na ocupação
''Colonial'', em São Mateus, na Zona Leste de São Paulo.
Boulos
tentava mediar, junto com outras pessoas, o diálogo entre os moradores e a
Tropa de Choque e foi acusado de incitação à violência e desobediência.
''Cometem a violência de despejar 700 famílias e eu que sou preso por incitação
à violência?'', afirmou Boulos a este blog. Um comandante da polícia militar
que participava da reintegração afirmou que o caso de incitação à violência era
uma reincidência e citou manifestações realizadas com a participação de Boulos
perto da casa de Temer.
Levado
para o 49o Distrito Policial, em São Mateus, ele foi ouvido pelo delegado e,
até a publicação deste post, não havia
sido solto. A PM afirmou, em nota, que atendeu a uma solicitação de apoio aos
oficiais de Justiça e que moradores resistiram à reintegração de posse com
pedras, tijolos e barricadas com fogo.
Resistência
significa utilizar os meios possíveis e ao alcance de cada um para demonstrar
sua insatisfação. Isso ocorre com as elites econômica e social brasileiras, que
não fazem de rogadas ao usar recursos financeiros para fazer valer sua vontade.
Mas quando trabalhadores e movimentos sociais prometem resistência, ocupando
ruas, avenidas e outros espaços, a ação vira caso de polícia? Onde o pessoal
acha que está? Ou quando gostaria que estivéssemos? No Brasil do final do
século 19 ou em plena ditadura civil-militar?
A
criminalização da resistência de apenas um dos lados mostra o quanto os atores
de nosso sistema político são incapazes de entender o que é, de fato, uma
democracia. Chamar de violento toda forma de protesto com a qual não
concordamos é, no mínimo, infantil. Mostrar resistência diante de uma injustiça
– retirar centenas de famílias em um dia de chuva, sem saberem para onde ir,
nem como, por exemplo.
Dessa
forma, ao que tudo indica, a detenção de Guilherme Boulos não ocorre por sua
atuação na mediação da manhã desta terça, mas por seu papel na resistência
social e política brasileira. Sua voz tem sido uma das principais nas críticas
ao governo Michel Temer, assim como também era durante o governo Dilma
Rousseff. Ou seja, essa é sim uma prisão política.
Por
isso, é preciso calá-lo ou reduzir sua credibilidade. Para que a narrativa da
criminalização de movimentos sociais seja efetiva na mídia, nas redes sociais,
nos espaços políticos. Narrativa que quer inverter os sentidos das palavras e
transformar resistência popular em ameaça à democracia e à governabilidade.
Boulos
é liderança do principal movimento social de massa deste país em termos de
centralidade da pauta, capacidade de mobilização e visão de atuação hoje. Um
movimento com uma agenda antiga, mas com uma equipe que sabe se comunicar e
influenciar a disputa simbólica da narrativa, pela mídia, pelas redes sociais.
E
vem exatamente do posicionamento crítico adotado contra a administração federal
anterior o respeito de vários setores da esquerda para com o movimento e com
ele. Esse respeito e essa capacidade de mobilização, que conseguem colocar
dezenas de milhares de militantes nas ruas quando preciso, assusta muita gente.
Que
prefere vê-lo preso do que articulando ou em cima de um caminhão de som.
Fontes
ouvidas por este blog afirmam que essa seria uma forma do poder público de São
Paulo, mas não apenas dele, dar um ''recado'' aos movimentos sociais. Esse tipo
de ação é uma amostra do que está acontecendo com parte da esquerda brasileira,
com um macarthismo à brasileira se instalando aos poucos, como ação sistemática
de limpeza ideológica. Já vimos, aqui e ali, a perseguição a quem usa roupas
vermelhas e a agressão em espaços públicos contra quem defende determinado
ponto de vista. Até o juramento de Hipócrates foi rasgado por médicos que acham
normal não prestar atendimento a alguém que não compartilha da mesma opinião
política que eles.
Daqui
para a caça aberta nas ruas, escolas e empresas é um pulo.
Apesar
de conquistas sociais obtidas na última década, o governo do PT não atendeu às
pautas históricas propostas pelos movimentos sociais – o que, como já disse
aqui, não seria nenhuma ''revolução'', mas melhoraria a vida de milhões de
brasileiros que se mantêm excluídos. Pelo contrário, em nome da ''governabilidade''
fez alianças espúrias, apoiando forças econômicas e políticas que eram
contrárias a esses interesses populares, ignorando o suporte oferecido por
esses mesmos movimentos para um mandato que significasse uma mudança de
paradigma.
E
o Brasil sob Michel Temer só piora esse quadro, com o desmonte do simulacro de
Estado de bem-estar social que temos por aqui por conta da Constituição Federal
de 1988 e por décadas de lutas do sociais.
Todos
os movimentos sociais sabem o que é serem considerados criminosos simplesmente
por lutarem pelos direitos que lhes são garantidos pela Constituição. Sabem o
que é levar cacete por representar o que está em desacordo com a visão
hegemônica de ''progresso'' e crescimento econômico, seja no campo ou na cidade.
E ainda guardam na memória as cicatrizes deixadas pelo passado, temendo que
voltem a ser caçados dependendo do clima político do país.
Você
pode não gostar de Guilherme Boulos. Mas, se preza pela liberdade, deveria
repudiar a sua criminalização e dos movimentos sociais populares, da mesma
forma que deve ser repudiada a criminalização de qualquer liderança social, de
direita ou esquerda.
Pois,
hoje é com ele. Depois, com uns sindicalistas, operários, padres, jornalistas…
Amanhã,
quem sabe, não vai ser com você?
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