Peça 1 – a Previdência e o
pacto democrático
Os
grupos que se uniram para assaltar o poder romperam o pacto democrático e,
agora, há uma disputa feroz pelo controle do aparelho do Estado. É nítido na
maneira como se pretender desconstruir o modelo de Estado que surge da
Constituição de 1988.
A
Previdência Social, com o Regime Geral e com a Seguridade Social significaram
um avanço civilizatório gigantesco e foram fruto do pacto, da luta democrática
e social que floresce em 1988, no pós-ditadura, como lembra o ex-Ministro
Miguel Rossetto.
Como
proposta, a reforma da Previdência e o desmonte da Seguridade Social é a
barbárie, a própria negação do direito previdenciário construído pela
democracia brasileira.
Os
problemas enfrentados agora pela Previdência não decorrem do descontrole das
despesas, mas da brutal queda da arrecadação previdenciária, por conta da
recessão, desemprego e renúncias previdenciárias legais, acentuadas no governo
Dilma.
O
que se pretende não é a correção de distorções, mas o desmonte do modelo
previdenciário.
Ao
igualar homens e mulheres, as novas regras desconsideram a condição feminina, a
maternidade ou o fato de, nos lares mais humildes, a mulher sempre receber o
encargo de administrar os problemas familiares, um conjunto de responsabilidades
que impede o cumprimento integral do tempo de trabalho.
Além
disso, na realidade do mercado de trabalho brasileiro, com a rotatividade
periódica do emprego, é muito difícil mesmo para o homem cumprir integralmente
o tempo de trabalho. Sua renda não permite juntar uma poupança para pagar a
Previdência nos tempos de desemprego.
Finalmente,
é criminoso tirar o salário mínimo do BPC (Benefícios de Prestação Continuada),
muitas delas famílias extremamente pobres, com pessoas com deficiência.
Tenta-se tirar o único benefício dos pobres entre pobres, famílias em situação
de miséria.
As
distorções não param por aí.
Retirar
o tempo de trabalho e de contribuição é um enorme erro, por conta do perfil de
trabalho do brasileiro: pobres começam a trabalhar formalmente aos 16 anos; os
mais ricos, aos 25 anos. No campo, começa-se a trabalhar muito mais cedo e em
muito piores condições de trabalho.
Países
que têm como critério a aposentadoria por tempo de trabalho são aqueles de
mercado de trabalho mais homogêneo.
Peça 2 – os problemas reais
da Previdência
Há
um problema geracional em todos os sistemas de previdência, na medida em que
aumenta a expectativa de vida das pessoas e aumenta também a idade média da
população. Cria-se a situação em que o tempo de aposentadoria passa a ser maior
que o tempo de contribuição.
São
problemas de longo prazo que exigem acordos no presente, para implementação
gradativa, sem grandes traumas.
Por
ser tema estrutural, as soluções têm que ser negociadas, pactuadas, aceitas
pelos cidadãos. Pela fórmula atual, a pessoa só conseguirá se aposentar com a
aposentadoria integral com 45 anos de contribuição.
No
governo Dilma, adotou-se inicialmente a fórmula 85/95 – a soma do tempo de
contribuição com idade respectivamente para mulheres e homens. Permitia uma
aposentadoria superior ao fator previdenciário, mas que iria se ajustando ano a
ano.
Não
resolvia o longo prazo, mas valia como como início de discussão. O passo
seguinte seria convocar as centrais sindicais, o Congresso e os empresários
para discutir as saídas e acertar o grande acordo.
Peça 3 – a impossibilidade
de um acordo
Pela
abrangência, pelos impactos sobre as próximas décadas, propostas dessa natureza
não podem provir de um governo ilegítimo, empurrando goela abaixo da população,
baseando-se na máquina de moer consciências das Organizações Globo.
Trata-se
da consolidação de um modelo infame que, em outros tempos, envergonharia até
mentes mais insensíveis, como o Ministro Luís Roberto Barroso – que se jacta de
falar em nome do futuro, contra o atraso.
A
insensibilidade de Barroso, a maneira como atropela princípios básicos de um
regime democrático – como endossar as medidas autoritárias em cima do orçamento
-, o pensamento autocrático são típicos
de uma burguesia da República Velha, pré direitos sociais básicos.
E,
se insisto em mencioná-lo, é por ser o representante máximo do que mais anacrônico
a elite brasileira produziu, o intelectual falsamente sofisticado, que trata as
ideias com a mesma superficialidade com que busca bens de consumo da moda, sem
jamais se introjetar princípios básicos constituintes de uma sociedade
civilizada.
A
agenda proposta inviabiliza o direito previdenciário.
É
indecente num sistema tributário em que a maior parte dos tributos é arrecadado
de contribuintes de baixa renda, cortar os benefícios dos mais pobres mantendo
as brechas que permitem aos de maior renda beneficiar-se do planejamento fiscal
e dos juros praticados pelo Banco Central.
Tenho
sido, em geral, contrário às medidas radicais, à intolerância política, ao
radicalismo estéril. Mas endosso a posição de Rosseto: qualquer tentativa de
negociar esse pacote será um endosso à liquidação do direito previdenciário.
Peça 4 – o país da bazófia
A
exacerbação em torno do golpe, a falsa frente majoritária que derrubou o
governo criou em muitos de seus protagonistas a falsa sensação de segurança,
típica das torcidas organizadas, que transforma os pusilânimes em valentes, os
fracos em truculentos, os tímidos em arrogantes.
Passado
o instante de catarse, muitos são apanhados em flagrante, com seus medos e
fragilidades, como as cortinas do teatro que se abrem e flagram o ator urinando
no vaso de flores na frente de uma plateia lotada.
Valente
1 – a Ministra Carmen Lúcia declara guerra aos políticos, dá palavras de ordem,
pratica quatro frases de efeito e arregimenta a categoria e o populacho. Aí, no
meio do caminho tinha um presidente do Senado, e ela recua tão ostensivamente
que faz questão de registrar seu voto de presidente favorável a Renan. Nem
seguiu a máxima do recuo: não seja tão lento que pareça provocação, nem tão
rápido que sugira medo.
Valente
2 – O valente Eliseu Padilha anuncia a reforma da Previdência e retira dela os
militares e a Polícia Militar – que supunha os únicos poderes armados. Aí a
policia civil e os bombeiros fazem o maior pampeiro, inclusive enfrentando a PM
do Rio de Janeiro. Depois, 190 representantes de sindicatos de policiais,
bombeiros e agentes penitenciários invadem o Ministério da Justiça. O Ministro
Alexandre de Moraes, depois de sua notável performance carpindo pés de maconha
no Paraguai, nem ousa aparecer.
No
final do dia, vem o recado ligeiro: policiais e bombeiros estão fora da
reforma.
Valente
3 – com a queda de Geddel Vieira Lima, depois de dias e dias ganhando coragem,
Michel Temer nomeia o tucano Antônio Imbassahy como Secretário de Governo. O
centrão bate o pé e Imbassahy sai de cena, antes mesmo de entrar.
Valente
4 – O douto representante de Eduardo Cunha e Eliseu Padilha na EBC, Laerte
Rímoli, manda embora a apresentadora Leda Nagle. Os protestos invadem a rede e
merecem home de O Globo Online. Imediatamente, recua, antes mesmo de pensar em
uma saída estratégica.
Valentes
5 – Tal e qual um Aníbal, o Cartaginês, Geddel e Padilha irromperam nas hostes
adversárias indo direto ao butim, mandando demitir servidores, criando um crivo
ideológico nas verbas da Secom. Com os primeiros petardos, Geddel é flagrado
aos prantos, pelos corredores do Planalto, e Padilha internado com pressão
alta. Nesse ínterim, a postura altiva de Dilma Rousseff é reconhecida pelo
Financial Time, que a premia como uma das mulheres de 2016 por seu
comportamento na tragédia do impeachment.
Duas conclusões reiteradas:
1. O governo Temer morreu.
2. Não há saída fora do grande pacto em torno
das eleições diretas.
http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-de-quem-e-valente-apenas-contra-os-fracos
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