A
vida provavelmente era algo muito mais simples há 10 mil anos atrás quando
nascia para o mundo o menino Raul Seixas. Aqueles humanos muito provavelmente
não tinham grandes pretensões, não contavam o tempo, não sofriam no trabalho em
busca de conquistas materiais, tinham mais destemor e talvez até fizessem mais
amor.
Na
noite de hoje, nas praias brasileiras, montes de jovens, de velhos, de brancos,
de negros, de loiras, de japoneses, de crianças, de canalhas, de fascistas, de
comunistas, de umbandistas, de evangélicos, de caóticos, de católicos, de
hippies, de hipsters, de filhos de papai, de maiameiros, de muambeiros, de
infelizes, de sorridentes, de marombeiros, de enfermeiros, de mal-amados, de
chapados, de suados, de zuados de toda a fauna Brasil estarão olhando para o
horizonte e fazendo promessas, dando milhões de abraços, pedindo o impossível e
sonhando com aquele dia que há de chegar.
sociedade
bolha
Estarão
talvez também pedindo naquela rodinha com o moço batendo nas teclas do violão
para que ele toque Raul.
Tocar
Raul na virada do ano dá sorte? Dá azar? Ou dá em nada?
O
inferno são os outros, como disse Sartre.
Ou
ainda melhor: “Não importa o que o passado fez de mim. Importa é o que farei
com o que o passado fez de mim.”
Nas
viradas de ano, além de pedir pra tocar Raul depois do ducentésimo gole, também
nos tornamos absolutamente existencialistas.
Ficamos
a pensar no que fomos, no que somos e no que seremos.
É
tudo ao mesmo tempo.
Um
turbilhão de rojões e de emoções.
É
tudo muito maluco, muito sem noção, mas absurdamente envolvente.
Difícil
passar batido pelo tal revellion.
E
nesta noite que marcará o ido de 2016. O desbaratinar de um ano que fica pra
trás, mas que como todos os outros provocou marcas em cada um de nós que ainda
ficamos, talvez seja o caso de pensar no que ficamos.
O
que ganhamos, o que arriscamos, quanto suamos, como lutamos… Enfim, pensar
naquilo tudo que escrevemos. No que eventualmente acertamos, no tanto que
erramos, e neste passear histórico e em perspectiva não fazer promessas e nem
se enveredar em cavalos de pau, mas talvez ajustar ponteiros.
Erramos
todos muito em 2016. E talvez mais ainda antes deste ano que se tornou tão duro
para as forças progressistas no Brasil, mas que também não foi moleza para
nenhuma outra força mais à esquerda em qualquer parte do mundo.
Por
que será que avançou tanto a intolerância? Por que um Trump é hoje muito mais a
cara da cidadão médio americano do que um Obama? Por que a Venezuela ruiu e
enveredou para uma quase tragédia social? Por que o PT não consegue ser mais
nem uma faísca do que já foi do ponto de vista da esperança e da mobilização
social? Por que as imagens de refugiados já não sensibilizam mais como no
início desta crise humanitária? Por que o ódio a eles avançou mais do que a
solidariedade? Por que os movimentos brasileiros estão tão burocratizados e tem
pouquíssimas lideranças expressivas para o bom combate? Por que a chama de
mudança encanta mais pela direita do que pela esquerda?
Não
chegaremos a lugar algum em 17, 18, 19, 20 e outros tantos anos mais se ao
invés de perguntas, só agitarmos respostas como nossas bandeiras de sempre.
As
mesma respostas que estão ali prontinhas para embalar o debate mediado por
algoritmos de uma rede proprietária. Sim, o Zuck é muito mais poderoso do que
eu, do que você, do que o Assange e do que o Obama na hora de controlar o que
pode ou não pode na rede que é dele.
E
mesmo o que não controla, já é controlado. Nossas lógicas de combate estão
mediadas pelo que achamos que todo mundo acha ou deveria achar.
E
são reforçadas por aqueles que acham o mesmo que nós.
A
busca do entendimento do outro é o inverso do que o Facebook nos propõe. E
mesmo ele nos limitando a uma bolha que é absurdamente a nossa cara, em dias
como hoje, no último dia do ano, milhares de pessoas estão escrevendo que estão
em operação limpeza.
Estão
limpando suas amizades que não consideram tão amigas. Que já não pensam mais
como eles acham que deveriam pensar. E são aplaudidas pela iniciativa. E mais
pessoas se animam a fazer o mesmo pra se bolhificar ainda mais.
A
sociedade bolha e não a sociedade alternativa, como talvez desejássemos, é o marco deste 2016. Não foi o impeachment que
nos levou a bolha. Mas a lógica das bolhas e das forças que nelas atuaram podem
ter nos levado ao golpe. Como também criaram o Trump. Como fortaleceram a Le
Pen na França. Como construíram a vitória do Brexit. Como derrotaram o acordo
de paz na Colômbia.
Uma
sociedade bolha movida por imensos interesses geopolíticos das grandes
corporações. Do capital. Do velho capital e seus tentáculos tão bem explicado
pelo bom velinho da barba branca.
É,
amigos, 2016 passou. Chegou ao fim. Com um imenso gosto de derrota para aqueles
que sonham com uma sociedade mais justa. Mas não aconteceu desta forma por
acaso ou destino.
Somos
todos cúmplices desta história. E podemos aceitar isso ou fazer de conta que
não.
Podemos
apenas xingar o outro ou buscar movê-lo de onde está.
A
sociedade bolha de 2016 é a do combate. E a da o Ultimate Fighting, que
curiosamente acaba o ano tendo uma brasileira, Amanda Nunes, derrotando o mito
Ronda Rousey, em menos de 1 minuto. E nos bares animados da Vila Madalena que
antes vibravam com três ou quarto shows de MPB na noite, todos ficaram
plantados a noite inteira em frente as telas espalhadas pelo salão vendo as
lutas que precederam este último combate.
E
comemoraram os quarenta e poucos segundos de uma avalanche de socos da valente
Amanda que estragou a cara da Ronda.
Estamos
dormindo felizes quando agredimos de forma contundente os nossos adversários.
Os que não pensam como a gente. Estamos dormindo felizes com os socos que
estragam a cara dos outros. E depois nos enchemos de indignação com os socos
movidos a ódio, como os que mataram centenas de brasileiros, como o Luiz Carlos
Ruas.
Estamos
certos de protestar, mas deveríamos pensar mais, como os hackers, no processo e
não no resultado. E talvez escrever e falar mais sobre ele, o processo. Não o
do Kafka, não o do Moro, mas no processo que tem nos alimentado de tanto
combate.
Hora
de pensar o quanto não somos parte de tudo que reclamamos de 2016.
E
pra aquele que provar que eu tô mentindo, como já disse o maluco beleza, eu
tiro o meu chapéu.
http://www.revistaforum.com.br/blogdorovai/2016/12/31/toca-raul-na-sociedade-bolha-nos-idos-de-2016/
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