Juiz
faz texto em repúdio "pacote de 10 medidas" do Ministério Público e
alerta sobre os perigos democráticos da medida.
Com “10
Medidas”, MP propõe um Código para chamar de seu. Por Marcelo Semer
Com
o atributo de ter colhido dois milhões de assinaturas, em uma campanha
fortemente estimulada pela grande mídia, o MPF apresentou uma suma do que quer
mudar na lei para combater a corrupção,
Embalado
pelo inteligente slogan de “10 medidas contra a corrupção”, que espalha
objetividade e lisura, a proposta enfim apresentada à Câmara dos Deputados nem
se restringe a dez medidas nem ao “combate à corrupção”.
Com
um perfil fortemente acusatório, a desconfiança em relação aos demais agentes
do processo e uma megalomania para reformar sistemas e afogar cânones
doutrinários, o conjunto de medidas é quase um novo Código –com a agravante de
não se submeter à maturação que antecede os grandes diplomas.
Criando
tipos, aumentando penas e expandindo a competência do Ministério Púbico;
admitindo provas ilícitas, destroçando o sistema recursal e o Habeas Corpus;
aumentando hipóteses de prisão e diminuindo as de nulidade e prescrição.
Carimbando, enfim, uma suspeição sobre a atividade da defesa e amputando
poderes do juiz.
O projeto pode reunir uma série de medidas
artificialmente sobrepostas. Mas sua feição é clara, feita a imagem e
semelhança de seu autor: um Código de Acusação.
Não
me recordo de outra proposta legislativa com tamanho desequilíbrio que tenha
tramitado com viabilidade pelos escaninhos do Congresso. Ao final, caso
aprovado, vai ter desfigurado a essência do processo penal –da noção de
garantia, que permeia a ideia na democracia, para a instrumentalidade- e
rompido com a sistemática do Código Penal –seja o antigo, aprovado em 1940,
seja o futuro, que se desenha em outras salas do mesmo prédio.
A
ambição dos proponentes não encontra limites: poucas vezes se viu uma proposta
tão ousada para estilhaçar o centenário instituto do habeas corpus, no contexto
de uma democracia.
Ao
reduzir a pó o capítulo das nulidades, a proposta revela o desapego com o
cumprimento da lei; ao estimular o aproveitamento da prova ilícita
(acrescendo dez exceções à
inadmissibilidade constitucional), o desrespeito com a ordem.
A
premissa que exsurge de suas linhas é que a lei é dispensável, ou sua infração
pode ser facilmente superada, quando o objetivo maior, a condenação, os espera
na esquina.
Penso
que devemos dizer não a uma tropa de elite acusatória. Qualquer que seja ela.
Os
membros do MPF se orgulham de estar sendo responsáveis pela punição da
corrupção de colarinho branco, dentro da lei. É difícil acreditar, em sendo
assim, que sejam necessárias tantas mudanças para viabilizar o que já é legal.
A
prisão para delação é, na verdade, institucionalizada, autorizando o projeto
uma nova causa de preventiva como constrangimento à localização ou devolução de
bens.
O
projeto se ancora no álibi do constitucional “sigilo de fonte” do jornalismo
para criar informantes confidenciais –não é mais a liberdade de expressão que
deve ser tutelada contra o poder do Estado; o dispositivo aqui serviria para
permitir o Estado esconder, do indivíduo, a testemunha que usa para condená-lo.
Diante
disso, o estabelecimento de uma “pegadinha” no teste de integridade (que pode
servir de prova para ações cíveis ou criminais) parece até coisa menor, pois só
fulmina a presunção de inocência.
A
mídia tem feito forte campanha para identificar quem se opõe às medidas como a
favor da corrupção. Mas é a lei que está sendo corrompida neste projeto.
Convidado
a discuti-lo na Comissão Especial da Câmara dos Deputados na próxima
terça-feira pela manhã, espero ter a oportunidade de elencar os motivos pelos
quais não devemos vestir a carapuça e nos deixar levar pela pressão midiática
para estraçalhar o sistema penal, aprovando a toque de caixa muitas medidas
contra a Constituição.
http://www.ocafezinho.com/2016/12/02/para-juiz-projeto-de-10-medidas-do-mp-e-um-codigo-de-acusacao/
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