No
dia 23 foi publicado o Decreto de Indulto Natalino do (des)governo Temer e
inúmeros foram os retrocessos. Bem mais do que qualquer um de nós poderia
esperar, apesar de seguir bem a linha do que tem sido feito na área
criminal/penitenciária e em outras políticas.
Na
contramão da ampliação do papel que o indulto vem assumindo ao redor do mundo,
esse importante instrumento de política criminal, que a cada ano avançava em
respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, foi apequenado, em clara
demonstração do caráter repressor e punitivista do atual ocupante do cargo de
Ministro de Justiça.
Não
foram poupados os idosos de 60 ou 70 anos, os paraplégicos, tetraplégicos,
cegos ou com doença grave e permanente – em consonância com a reforma da
previdência. Também não se extinguiu qualquer multa pendente – mais uma vez o
Estado contando com o dinheiro dos pobres para sanar sua crise, na toada do
“Novo Regime Fiscal”.
O
indulto humanitário perdeu sua essência, posto que a compaixão para com aqueles
que se encontram em estado grave passou a ter condicionantes referentes ao
quantum de pena aplicado. Às mulheres deixou-se de prever regras específicas
previstas anteriormente, em desatenção à igualdade de gênero. Até mesmo os
casos de pessoas presas que sofreram tortura pelo Estado sofreram restrições.
De
forma surpreendente, foi abolida a previsão de comutação de penas. Nem a
técnica legislativa passou ilesa, ficando de fora todas as regras para
aplicação do instituto e cumprimento do Decreto, negando-se aos órgãos de administração
penitenciária, ao Departamento Penitenciário Nacional e ao Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária seus papéis em sua implementação, o que
acarretará em entraves para a concessão do indulto.
O
conjunto de medidas dispostas no Decreto nº 8.940, de 2016, terá impacto
gravíssimo no nosso sistema prisional já inconstitucional e injusto. Um dos
principais instrumentos do Executivo para compensar esse quadro – instrumento
esse que já sofria de problemas em sua plena execução – foi estraçalhado,
contribuindo para agravar com o cenário de superlotação e as péssimas condições
de cumprimento de pena de centenas de milhares de condenados e condenadas no
Brasil, com custos sociais e financeiros que serão arcados por todos nós.
Seguem
em resumo os retrocessos, em comparação com o decreto de indulto publicado no
ano anterior (2015):
(1)
Indulto não mais contemplará os condenados a pena privativa de liberdade
substituída por restritivas de direitos ou por multa
Como
era:
Concedia-se
aos casos:
–
de substituição por restritiva de direitos ou de suspensão condicional da pena,
desde que cumpridos
¼
se não reincidentes
⅓ se reincidentes.
–
de regime aberto ou substituição por restritiva de direitos ou de suspensão
condicional da pena, desde que cumpridos, em prisão provisória
⅙
se não reincidentes
⅕
se reincidentes.
A
única regra que previa tal vedação era para o caso de pena não superior a 8
anos, desde que cumpridos
⅓ se não reincidente
½
se reincidente
(2)
Não mais haverá indulto para idosos de 60 anos
Como
era:
Concedia-se aos condenados a pena
superior a 8 anos desde que cumpridos
⅓ se não reincidente
½ se reincidente
(3)
A concessão para idosos de 70 anos agora dependerá da pena aplicada
Como
era:
Independia da pena, desde que
cumpridos
¼ se não reincidente
⅓ se reincidente
(4)
Deixa-se de contemplar o condenado que tenha cumprido ininterruptamente 15 anos
da pena, se não reincidente, e 20 anos da pena, se reincidente
(5)
Reduz o indulto para pessoas com filhos
Como
era:
Independia
de pena
No
quesito idade, o filho teria que ser menor de 18 (agora, tem que ser menor de
12)
Na
hipótese de filho com deficiência, passa-se a exigir que ele necessite dos
cuidados diretos do condenado
(6)
Não há mais regra distinta para mulheres com filhos
Como
era:
Exigia-se menor tempo de
cumprimento da pena.
(7)
Não mais se contemplará aquele que, em regime semiaberto ou aberto, tenha
usufruído de cinco saídas temporárias ou mais
(8)
Não se indultará os condenados por crime com violência ou grave ameaça com pena
superior a 8 e inferior a 12 anos, por qualquer critério, mesmo humanitário
(9)
Também não contemplará qualquer condenado com pena superior a 12 anos
(10)
As multas não serão indultadas, em nenhuma hipótese
(11) Sem regras específicas para pessoas em
livramento condicional ou em regime aberto ou em regime domiciliar
(12)
Sem regras mais brandas para crimes contra
o patrimônio sem violência ou grave ameaça em que tenha havido reparação
do dano, quando cabível
(13)
Restringe-se a concessão de indulto em caso de vítimas de tortura ao determinar
que ela tenha ocorrido no curso do cumprimento da pena e não no curso do
cumprimento de sua privação de liberdade
(14)
O Decreto não mais traz a necessidade de encaminhamento dos indultados ao SUAS
(15)
Não há qualquer regra de comutação de penas
(16)
Também não consta mais a regra que exige o cômputo da detração e da remição
(17)
Ficaram impedidos de ter o indulto declarado aqueles que alegadamente
praticaram falta disciplinar de natureza grave.
A
declaração ficará em suspenso até apreciação pelo juízo competente. Antes, a
lógica era inversa: não seriam contemplados aqueles que tivessem a sanção
reconhecida em juízo.
(18)
A vedação referente à falta grave será aplicada também às hipóteses de indulto
humanitário
(19)
São acrescidos ao rol de crimes impeditivos de indulto: os equiparados aos
hediondos e os referentes à pornografia infantil
(20)
Não aplica-se indulto humanitário àqueles que cometeram crimes impeditivos
(21)
No caso de concurso de crime impeditivo com crime não impeditivo, exige-se o
cumprimento integral da pena do primeiro para declaração de indulto do segundo.
Como
era antes:
Cumprimento
de ⅔
(21)
Não consta em qualquer dispositivo do Decreto as regras referentes ao
processamento do indulto, tais como as que falavam da obrigação de envio ao
juízo de listas das pessoas que poderiam ser contempladas e que previam a
realização de mutirões
(22)
Falta ainda a previsão dos legitimados a requerer a declaração de indulto, o
que pode gerar restrição às solicitações, face à possibilidade de interpretação
no sentido de ausência de direito de petição de terceiros
(23)
Não existe mais previsão de envio de dados dos órgãos da administração
penitenciária para o Departamento Penitenciário Nacional, nem de atuação
fiscalizatória do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
(24)
Dispõe sobre a política de saúde mental referente ao acompanhamento dos que
tiverem medida de segurança extinta, sem anuência do Ministério da Saúde, com
caráter de controle e não de garantia de direitos e proteção
Marina
Lacerda e Silva é advogada, graduada em Direito pela UnB. Foi
Coordenadora-Geral de Estudos e Pesquisas Legislativas da Secretaria de
Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Hoje, é assessora na Liderança
do PCdoB na Câmara dos Deputados.
http://justificando.cartacapital.com.br/2016/12/23/natal-sem-perdao-os-retrocessos-no-indulto-de-temer/
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