Para
Nassif, Ministério Público faz uma investigação “seletiva” e os acordos de
cooperação com o Departamento de Estado americano ferem os interesses nacionais.
No Marco Zero
Nassif explica o jogo
das elites e dos EUA para implantar o “capitalismo de desastre” no Brasil
Por Laércio Portela
A
crise brasileira deve se agravar com mais arrocho e desemprego até que setores
do mundo político tenham o bom senso de fechar um acordo para tirar o país do
caos. Essa é a expectativa do jornalista e blogueiro Luis Nassif. Profissional
com décadas de experiência na cobertura da cena política e do mundo dos
negócios, Nassif tem sido um dos analistas mais produtivos e argutos do
turbulento quadro nacional.
Recentemente,
o jornalista esteve no Recife para duas palestras, uma a estudantes da
Faculdade de Direito e outra numa Plenária do movimento sindical, no Sindicatos
dos Bancários, por iniciativa da Tempus Comunicação e da CUT. Entre as duas,
bateu um papo com a reportagem da Marco Zero Conteúdo. Nassif fez um
diagnóstico perturbador sobre as origens da crise brasileira e avaliou os males
que rondam o nosso futuro. Mas ele ainda aposta na busca de entendimento de
atores políticos antagônicos para tirar o país do atoleiro.
A Doutrina
do Choque
Cunhada
pela cientista social canadense Naomi Klein a expressão “doutrina do choque”
está relacionada à teoria desenvolvida pelo economista norte-americano Milton
Friedman (1912-2006). Países impactados por guerras, ataques terroristas,
desastres naturais e golpes de estado estariam aptos a serem submetidos ao
cardápio neoliberal das desregulamentações, privatizações e cortes em programas
sociais.
Esse
receituário precisa ser adotado rapidamente, entre seis e nove meses
pós-choque, apontava Friedman, no momento do vazio mental causado pelo impacto
do trauma.
A
brutalidade da teoria fica ainda mais evidente quando se conhece sua origem. As
experiências patrocinadas pela CIA para “desenvolver” novas técnicas de
tortura. No Allan Memorial Hospital, em Montreal, Canadá, o psiquiatra Ewen
Cameron e sua equipe dopavam pacientes e os submetiam à extrema privação
sensorial, nos anos 1960, para esvaziar suas mentes, levando-as ao estado
infantil, prontas para serem reprogramadas.
Essa
regressão atraiu a CIA e foi implementada na Base Militar de Guantánamo (Cuba)
e em Abu Ghraib (Iraque). Friedman levou o mesmo princípio para o mundo da
economia e o pôs para rodar no Chile pós-golpe militar do general Augusto
Pinochet, modelo seguido depois pela ditadura militar da Argentina. Naomi Klein
em seu livro A Doutrina do Choque (Nova Fronteira, 2008) diz que o receituário
do choque neoliberal foi aplicado também na Rússia e no Leste Europeu, pós
dissolução da União Soviética; no Iraque, pós 11 de setembro; e na cidade de
New Orleans destruída pelo Furacão Katrina.
O
ditador Augusto Pinochet recebeu em Santiago do Chile o economista
norte-americano Milton Friedman, após o golpe de estado. Na agenda econômica do
novo regime: privatizações e cortes nos programas sociais
O
ditador Augusto Pinochet recebeu em Santiago do Chile o economista norte-americano
Milton Friedman, após o golpe de estado. Na agenda, privatizações e cortes nos
programas sociais
Para
Nassif, o “capitalismo de desastre” chega agora com tudo ao Brasil, depois do
golpe parlamentar que tirou Dilma Rousseff da Presidência da República. “Depois
que um país vive um choque, ele perde suas referências. Como pregava Friedman,
você tem seis meses para implementar ideias que não seriam aceitas pelos
eleitores em outras condições: reforma da previdência, redução dos gastos
sociais e abertura para os capitais financeiros. É o que estamos vendo agora no
Brasil”.
A
financeirização do mundo
Para
se compreender o jogo que está sendo disputado no Brasil, é necessário entender
o processo de financeirização do mercado a partir dos anos 1990, avalia Nassif.
A
política da maior potência do mundo, os Estados Unidos, passou a ser controlada
pelo mercado financeiro. Com o processo de globalização, esse domínio se
alastrou por todo o mundo. O discurso passa a ser um só: a máxima eficiência
para cada empresa refletiria na eficiência global. Em 2008, o cenário é de
monopolização financeira.
“Com
a eclosão da crise do sistema financeiro, em 2008, o discurso de onipotência
desse mercado perde força e acaba a possibilidade dele interferir na política por
meio do processo democrático”.
A
política anticíclica adotada pelo governo Lula em plena crise financeira
mundial fortalece a economia nacional e a posição de protagonismo do Brasil no
mundo. A China ganha força como nova potência econômica. Os países emergentes
do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) passam a ser uma
referência num mundo cada vez mais multipolar. “É quando a geopolítica
norte-americana surge para mudar isso”, alerta Nassif.
“Quando
o mercado financeiro toma o controle da política econômica, ele só toma
decisões em favor do capital financeiro. Para ele, interessa a ampla e livre
circulação de capitais. Se sua atuação em um país não der certo, não tem
problema, ele vai para outro país”.
A razão de
Estado
“A
razão de ser do Estado é outra. Ele foi criado para proteger os desprotegidos.
O Estado tem que ter um projeto nacional, um projeto para o país. Para a saúde,
para a educação, a assistência social, a segurança. Sua atuação esbarra nos
interesses de curto prazo do mercado financeiro. A dívida pública sempre foi um
grande negócio do mercado financeiro. O orçamento público sempre esteve na mira
de interesse do mercado”.
A
análise de Luis Nassif abre uma porta para entendermos os interesses por trás
da recente aprovação da PEC 55 pelo Congresso Nacional: congelamento de
despesas primárias (despesas com pessoal, investimentos em infraestrutura e
gastos sociais) e garantia de recursos para pagar os juros da dívida,
remunerando os rentistas nacionais e internacionais. Em resumo: redução da
capacidade de ação do Estado e fortalecimento do mercado financeiro.
2013: o ano
em que o Brasil piscou
Com
o agravamento da crise econômica e o início do fim dos tempos de bonança, a
partir de 2012, setores do mercado financeiro norte-americano associados a
segmentos das elites econômica, política e burocrática brasileiras ficaram em
alerta. As manifestações de junho de 2013 deram o sinal de que o governo Dilma
começava a perder apoio na opinião pública. Sua popularidade, afinal, depois de
bater recorde, estava sendo abalada.
“Em
2013 você tinha uma estado difuso, de confusão. Sempre que você tem esse estado
de coisas, o mais fácil é focar no presidente. Nos anos 80, quando as pessoas
foram para as ruas protestar, elas focaram no presidente, que era um militar.
Daí o apoio à democracia. Agora, a revolta mais uma vez atingiu o presidente da
República, na figura de Dilma. Desta vez, enfraquecendo a democracia”,
argumenta Nassif.
Até
hoje as manifestações de junho geram interpretações divergentes. Para Nassif,
naquele momento as elites perceberam que havia um espaço para minar a
popularidade da presidenta Dilma e enfraquecê-la politicamente
Para
Nassif, as manifestações de junho de 2013 fez elites perceberam que havia
espaço para minar a popularidade da presidenta Dilma
“Pra
você fazer o contradiscurso você tem que elaborar muito mais. Agora quem tem a
capacidade de elaborar mais, tem os instrumentos, a visibilidade, é a
presidenta da República, então se ela não te dá as bandeiras, não faz o
discurso político, aquilo não tem jeito”. O jornalista avalia que faltou a
Dilma e ao PT o entendimento de que era preciso fazer um esforço para entender
e desenvolver uma aproximação política junto aos novos grupos de esquerda que
foram para as ruas, tais como o Movimento Passe Livre (MPL). A falta de visão e
a burocracia interna do PT impediram essa aproximação.
As
forças políticas de direita não perderam tempo e avançaram. Em 2013, quando as
elites locais associadas ao sistema financeiro internacional veem que a
população está pronta, eles planejam dois escândalos de interesse geopolítico
americano: Petrobras e FIFA. O Ministério Público entra de cabeça nisso e fecha
diretamente acordos de cooperação com os Estados Unidos, sem que estes sejam
avalizados pelo Ministério da Justiça brasileiro.
O
escândalo da Petrobras tem o objetivo de desmantelar a base de operação da
maior empresa nacional e, portanto, toda a cadeia brasileira de petróleo e gás,
abrindo espaço para o controle dessa indústria pelas empresas multinacionais. O
escândalo da FIFA serviria para expor e abrir o segmento de mídia no Brasil, o
único mercado nacional fechado para o capital internacional.
Os
norte-americanos percebem então que as informações sobre a Petrobras fluem
rapidamente e em grande quantidade, mas o mesmo não acontece com o escândalo da
FIFA, informa Nassif. Tinha a Rede Globo no meio do caminho. “A corrupção da
FIFA é uma criação do Brasil. Uma criação da Rede Globo”, pontua o jornalista.
A
partir daí, a mídia, a oposição e o “mercado” começam a tocar, sem trégua, a
agenda do caos. Nada presta, nada funciona. E a culpa é sempre do governo
federal. É por exemplo o que acontece com as previsões catastróficas em torno
da realização da Copa do Mundo. “No mundo real, tudo foi um show. Os estádios
ficaram todos prontos a tempo, apesar das previsões da imprensa. As matérias
então deixam de ser sobre a construção e começam a falar que falta sabonete nos
banheiros dos estádios. Um absurdo completo. O que importava era bater”,
critica Nassif. A teoria do choque começa a rodar.
Com
a derrota eleitoral em 2014, “Aécio, José Serra e Fernando Henrique Cardoso
tornaram-se os porta-vozes do caos estimulando o movimento golpista nas ruas e
nos jornais, enquanto a parceria Procuradoria Geral da República/Lava
Jato/mídia tratava de incendiar a classe média com as denúncias de corrupção
focadas exclusivamente no PT e em Lula”.
Aos
erros praticados pela própria presidenta, de implantar a agenda econômica
restritiva pregada pelo seu adversário (Aécio Neves, na campanha de 2014),
designando Joaquim Levy para comandar o ajuste fiscal, somaram-se a perda da
base parlamentar e a atuação de Eduardo Cunha e do PSDB para inviabilizar, no
Congresso Nacional, os projetos do governo que tentavam de alguma forma
consertar seus próprios desacertos.
Eduardo
Cunha, na Câmara, e Aécio Neves, no Senado, trabalharam incansavelmente para
inviabilizar os projetos e a governabilidade da gestão Dilma Roussef no
Congresso Nacional
Em
fevereiro de 2015, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vai aos
Estados Unidos entregar ao Departamento de Estado norte-americano dados
internos de uma empresa brasileira. “O discurso anticorrupção foi o mote que
juntou todas as pontas, criando o sentimento da classe e fornecendo o álibi
para quem pretendesse pular no barco da conspiração”.
Elitismo e
visão de classe
À
frente do combate à corrupção estão os jovens procuradores do Ministério
Público que tocam as investigações da Lava Jato. Jovens, na visão de Nassif,
descolados da realidade, com perfil elitista e imbuídos do espírito de
salvadores da pátria. Para o jornalista, o problema começa no modelo de seleção.
“Eles
entram na carreira por concurso. Esses concursos não exigem conhecimentos
profundos, de conceitos, é uma decoreba, não é? Uma decoreba. Aí você chega,
pega um moleque de 25 anos, ganhando um salário que você não tem no setor
privado, onde o salário inicial é um terço disso, então o sujeito se sente
superpoderoso, ele muda de classe”, critica.
Para
Nassif, o Ministério Público faz uma investigação “seletiva” e os acordos de
cooperação com o Departamento de Estado americano ferem os interesses nacionais
Nassif vê
perfil elitista e anti-nacional em procuradores
O
referencial teórico construído em cursos e seminários ministrados em países
estrangeiros também descolaria esses profissionais da realidade nacional e dos
compromissos com um projeto de país: “O pessoal idealizou muito a ascensão da
classe C, mas o fenômeno politicamente mais influente, foi essa
internacionalização da classe B, os PHDs que vão fazer cursos fora do Brasil.
Você pega o Joaquim Barbosa (ex-presidente do Supremo Tribunal Federal na época
do julgamento do Mensalão), lá atrás. O que ele tinha de diploma externo… O que
você lê daquilo? É um cara culto, um cara que nunca pôs a mão no trabalho dele.
Passou a vida fazendo esses concursos. Então se criou esse sentimento de que
eles pertencem a uma elite internacional. Eles acham que somos um país de
botocudos. Eles perderam a noção de serviço público”.
E
completa: “Eu fui num evento dos auditores da Receita e me falaram: ‘o pessoal
que entra aqui, eles não são servidores públicos, eles são autoridades’. Então
esse sentimento foi muito forte e em algum momento esse pessoal vai ter que ser
enquadrado”.
Para
Nassif, em algum tempo no futuro – “eu não sei em quantos anos” – a atuação dos
integrantes da Lava Jato deverá ser julgada, considerando os males que causaram
ao sistema político e à indústria nacional. “Você tem várias coisas em que eles
podem dizer que estavam cumprindo a lei. Agora, você fazer acordo nos Estados
Unidos contra empresas brasileiras e contra a Petrobras? Isso não tem quem
livres eles não”, avalia o jornalista e analista político.
Made in USA
Em
2008, diversos países sacrificaram sua população para salvar o mercado
financeiro da maior crise recente de sua história. A atuação dos atores
políticos, associados ao mercado, criou uma ojeriza geral à política por parte
de amplos setores da sociedade.
Neste
cenário de desgaste junto à opinião pública, os Estados Unidos veem no processo
de financiamento das campanhas eleitorais um filão para dar mais corda à
impopularidade do meio político. Este que é o pecado de todos os partidos. Não
só no Brasil. Mas aqui tudo é ainda mais evidente. Os EUA perceberam que estava
aí o caminho para combater os partidos que precisavam ser atingidos, explica
Nassif. A questão é buscar o apoio corporativo da Polícia e dos procuradores do
país base no qual pretendem agir e, pronto, criminalizar a política.
“Essa
parceria com o Ministério Público e com a Polícia Federal substitui as
parcerias feitas no passado com os militares. Com o tempo os norte-americanos
perceberam que essa parceria era ruim: por conta do comprometimento com os
direitos humanos (e as críticas internas que geravam em parte da opinião
pública norte-americana) e com um agravante, os militares trabalham com uma
visão de projeto nacional”. Projeto nacional que, na maioria das vezes, vai
bater de frente com os interesses estrangeiros que “operam” no Brasil.
O
foco de atuação norte-americana vai para a mídia, a PF, o MP e o Poder
Judiciário. Num processo ininterrupto de catequese: parcerias, cursos,
seminários, troca de informações. Todo o tipo de aproximações.
Segundo
Nassif, os Estados Unidos têm dois órgãos de ação para “desconstruir os demais
países”: a CIA e a NSA. A atuação invasiva da CIA no mundo todo é conhecida e
já ilustra centenas de livros de histórias em dezenas de línguas. A NSA ganhou
notoriedade a partir da divulgação dos documentos sigilosos pelo técnico em
computação Edward Snowden, que davam conta de que a empresa pratica há anos
espionagem internacional por meio de escutas telefônicas e captação de dados de
emails de autoridades públicas de diversos países (entre elas Dilma Rousseff e
Angela Merkel) para acompanhar os seus passos políticos, mas especialmente
proteger os negócios corporativos das empresas norte-americanas. Um exemplo
mais do que claro de como política e negócio são irmãos siameses quando falamos
de interesses externos dos Estados Unidos.
“Quando
vem a manifestação de 2013, os Estados Unidos perceberam que o Brasil estava
pronto, ali tinha elementos para desestruturar o Brasil. O problema do Brasil
era sua posição de liderança regional e o fortalecimento dos Brics. Era preciso
desestabilizar esses países”. Porque, na visão norte-americana, o
fortalecimento de países como o Brasil enfraquece a posição internacional dos
Estados Unidos e das suas empresas privadas. Enfraquecem seus interesses de
Estado e também privados, que lá, como em várias partes do mundo, estão
embricados.
No
Brasil, Nassif enumera algumas áreas que se tornaram o foco da desestabilização
dos Estados Unidos e de seus parceiros no Brasil (Polícia Federal, Ministério
Público, Poder Judiciário e grande mídia): a Política Industrial Naval; a
Cadeia de Petróleo e Gás; a transferência de tecnologia na área de saúde, na
aquisição de remédios. O avanço sobre o pré-sal e os cortes orçamentários que a
área de ciência, tecnologia e inovação deve sofrer nos próximos anos, com o
congelamento de gastos por duas décadas previsto pela agora aprovada PEC 55,
são exemplos do jogo que está sendo jogado.
A
política de conteúdo próprio e encomendas aos estaleiros brasileiros para atender
as demandas de exploração do pré-sal foi fortemente atingida pela ação da
Lava-Jato e do governo Temer
A
política de conteúdo próprio com encomendas aos estaleiros brasileiros para
atender as demandas de exploração do pré-sal foi atingida pela ação da Lava
Jato e do governo Temer
Nassif
explica que a indústria sofreu profundamente com a sobrevalorização cambial
durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula, as
empreiteiras passaram a ter um papel fundamental na política industrial nacional,
na construção de estaleiros, na defesa nacional. Mas tudo isso muda com a
chegada da Operação Lava Jato, comprometendo a saúde financeira e o status das
empresas investigadas.
“A
Lava Jato podia punir os executivos, mas preservar a empresa. A contrapartida
dessas empresas foi fomentar uma grande base tecnológica no Brasil. O cenário
agora é de desolação, deixando cidades do Rio Grande do Sul na miséria e uma
situação de caos no Rio de Janeiro”. Estados que tiveram que demitir milhares
de trabalhadores nos segmentos de indústria naval e petróleo e gás.
“Você
hoje tem 16 projetos de empresas nacionais que venceram concorrências no
exterior e que o BNDES já não pode mais financiar. Vivemos o inferno
brasileiro. Montaram um inferno no Brasil para ser governado pelo Michel Temer.
Não tem jeito de uma coisa assim funcionar”.
Pior,
as investigações da Lava Jato são dirigidas, seletivas, acusa Nassif. “Estamos
chegando a uma situação clara em que o procurador-geral trabalha para proteger
o PSDB. Veja a que ponto chegamos”.
Um novo
acordo
Para
tirar o Brasil do atoleiro, só um pacto, um acordo entre forças políticas
distintas. “A questão é qual é o tempo para tudo mudar. O governo Temer ia
ficar dois anos e meio e já acabou. O PSDB quer jogar FHC. Ele não tem esse
dinamismo. Tem 85 anos.”
No
caso de uma radicalização à direita, Nassif chega a apontar a possibilidade,
“gravíssima”, de uma brecha para as Forças Armadas. Mas seria uma saída ruim
para os dois lados, tanto para a esquerda quanto para a direita aliada do
capital estrangeiro, segundo o jornalista. Para a esquerda porque as Forças
Armadas veem um inimigo comum (justamente os partidos de esquerda). Para a
direita, porque as Forças Armadas têm um projeto nacional (de desenvolvimento,
nacionalista), que deve se chocar com os interesses nem um pouco patrióticos do
mercado financeiro.
“Neste
cenário, a saída é algum tipo de entendimento. A crise que temos é uma crise
política. Mas temos também os economistas tucanos, eles não estão nem um pouco
interessados em resolver os problemas da economia, mas em desestruturar o pais.
É preciso vir algum tipo de acordo”.
Questionado
se esse acordo teria que passar pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso
e Lula, Nassif diz que não tem outro jeito: “No fundo acaba dando neles.
Infelizmente porque nós não conseguimos criar outras referências. Estou falando
eles e chamando outros aí também, né? O Supremo. Você tem dois fatores aí que
vão dar o tempo do acordo. O primeiro fator é o grau de consciência dessas elites
nossas. Elas são muito ruins. O segundo fator é a velocidade do aprofundamento
da crise, que é muito rápida. A última chance que essas elites políticas têm de
preservar o poder – e acabar evitando um aventureiro de fora – é um acordo para
impedir o aprofundamento da crise, e isso significa um grande pacto que passa
por renegociação de dívidas das empresas e pessoas físicas, aumento de gastos,
reativação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), reativação da
indústria de petróleo e gás”.
Acordo
para colocar o Brasil de volta ao eixo, com a reativação da economia e a
convocação de eleições diretas, deve passar por entendimento entre Lula e FHC,
na previsão de Nassif
O
fortalecimento dos novos e também dos tradicionais movimentos sociais joga um
papel importante no pêndulo político de um futuro acordo, incluindo aí o
movimento estudantil e os movimentos feminista e negro, MST e MTST, entre
outros. “É importante porque você tem que ter uma preservação desses avanços,
dessas políticas sociais, disso tudo. Você tem que ter uma pacificação
nacional. E uma pacificação nacional significa você atender os reclamos justos
dos movimentos sociais”.
Recuperação
exige agenda anticíclica
Esse
acordo, de que fala Nassif, teria, segundo o jornalista, que “atropelar os
princípios neoliberais”. O acordo precisa primar pelo aumento de gastos
públicos e despesas sociais para os grupos de baixa renda voltarem a consumir.
“A cultura brasileira, esses valores nacionais, vão estar por trás da
recuperação do nosso país”. Em resumo, um novo receituário econômico entraria
em pauta, anticíclico: choque de despesa pública (relação dívida/PIB é grande
por causa dos juros), retomada das obras do PAC para reativar a base de
infraestrutura do país. Retomada de obras do polo petroquímico, mais incentivos
às políticas sociais, renegociação das dívidas das empresas. Tudo para sanar os
efeitos recessivos das políticas implementadas por Dilma/Joaquim Levy e Temer/Meirelles.
Essas
seriam as duas principais bases de um acordo: tirar o país da recessão e
prepará-lo para novas eleições diretas.
“A
crise é maior do que a ideologia, não tem como passar do primeiro semestre (de
2017). Eu acho que o Bolsonaro não vai adiante. Acho o Ciro (Gomes) uma ameaça
maior do que o Bolsonaro. É preparado, mas não tem a menor noção de relação de
forças. Ele seria um grande assessor de um presidente que soubesse negociar. A
fala dele é desproporcional ao poder dele. Aliás, quem tem muito poder, fala
pouco”.
Nem
Ciro Gomes, nem Jair Bolsonaro têm as condições políticas necessárias para
assumir a Presidência da República, na visão de Nassif
“O
meu receio é um militar com um discurso racional. Espero que não ocorra. Espero
por um pacto. O discurso militar racional é um discurso atraente”.
Para
o jornalista, o cenário político e econômico brasileiro “ainda vai piorar antes
de melhorar”. Com a continuidade do receituário neoliberal radicalizado pelo
governo Temer ele prevê um “cenário mais provável de quebradeira e de quebra
pau”. Com uma possível participação maior das Forças Armadas na repressão.
“Nossa elites são muito ruins. Talvez demorem a fechar um acordo. O cenário
imediato é de mais política neoliberal e mais repressão. Vai piorar antes de
melhorar”.
“A
empresa jornalística tem o direito de propriedade. A liberdade de expressão é
do jornalista”
Tudo
que está acontecendo no Brasil é muito impressionante. Queria te perguntar
sobre o jornalismo e a indústria da comunicação. Você vê a aliança PF, MP e
Judiciário. Queria que você explicasse o papel da mídia. Dessas redações que
não questionam a linha editorial das empresas. Esse carreirismo. Mas primeiro a
grande mídia, como é que ela se encaixa nessa associação para o golpe?
A
grande mídia percebeu lá atrás que o Brasil, a partir de 1999, quando começa a
enorme crise cambial, ela percebe que, com a Internet, acabou a barreira de
entrada. Antes você não conseguia entrar porque com a televisão aberta e a
rádio você precisava de concessão. Para jornal e revista você precisava fazer
um baita investimento em gráfica, em pessoal e ter hábito de leitura
consolidado. Com a Internet, essas barreiras iam cair.
Perceberam
que seu monopólio corria risco…
Então,
mundialmente, não apenas aqui, elas perceberam que havia uma crise seminal,
estrutural, do modelo de negócio. Em pouco tempo, nos Estados Unidos, as redes
sociais ganharam na publicidade nacional e nos classificados. É muito mais
fácil você pegar um classificados digital do que em papel. Ao mesmo tempo, eles
perceberam que perderam o protagonismo da notícia. Mas, por outro lado, você
tinha uma desestruturação do mercado de notícias. Com a Internet, você não
sabia mais o que era verdade, o que era mentira.
Os
jornais sérios se referenciaram como jornais de verdade. O Financial Times, que
é conservador e tudo, mas se sai uma notícia lá, não é mentira. O New York
Times também fez isso. O pessoal mais atrasado, e aí entra o grupo do Murdoch
(empresário australiano Rupert Murdoch, acionista majoritário da News
Corporation, um dos maiores grupos de mídia do mundo), acabou influenciando o
Brasil. No Brasil inteiro, os grupos de mídia caíram nessa de ‘vamos aproveitar
o caos das notícias nas redes sociais e usar esse caos em nosso favor’. Então
eles passam a inventar as mentiras e jogar nas redes sociais. Que é o que o
Murdoch faz lá na campanha do Obama e os jornais fazem aqui em 2006 e,
especialmente, em 2010. A quantidade de mentira que eles jogam nas redes, isso
alijou o jornalismo totalmente.
Você
trabalhou na grande mídia. Qual a mudança essencial do seu período e de agora?
Então,
antes você tinha um pacto. Eu fui beneficiado por esse pacto nos anos 1990,
entre os jornalistas e os donos de empresas, a Folha de S. Paulo no meu caso lá
e a TV Bandeirantes. Nesse curto período os jornais recuperaram um pouco a
noção da separação entre jornalismo e empresa. Quando você pega os modernos
juristas italianos, eles fazem uma divisão grande. Eles dizem: ‘a empresa
jornalística, ela tem o direito de propriedade. Agora, a liberdade de expressão
é do jornalista’. Então, no fundo, quando você pega a liberdade de expressão e
separa do direito de propriedade, o que é que é a empresa de jornalismo? É um
grande negócio, onde ela vai pegar jornalistas de diversas linhas que podem
trazer público e compor o produto dela, mas respeitando o jornalismo. Na coluna
que eu tinha na Folha, eu gozei de uma boa liberdade lá.
Mas
isso foi mudando…
Daí
em 2003 e 2004 você percebe que os ventos estão mudando, que está acontecendo
alguma coisa aí. Daí entram dois fatores que pegam os jornais na Alemanha, nos
Estados Unidos… Primeiro é a financeirização dos jornais. Eles percebem que
precisam se aproximar ainda mais do mercado financeiro, seguindo o mesmo
caminho do Murdoch, para conseguir se capitalizar para os novos tempos de
inovação tecnologia. E o segundo ponto é essa questão de criar uma frente para
assumir o protagonismo político e impor, através de sua influência política,
legislações que favorecessem seus interesses. Então aí acabou aquele pacto. Na
Folha, teve jornalistas que saíram, não se adaptaram. Outros se mantiveram sem
perder a dignidade e um terceiro grupo abriu mão de qualquer dignidade.
As
novas gerações, elas passaram a ter uma não compreensão do que é o novo
jornalismo. Veja bem, esse negócio de que hoje é mais difícil fazer jornalismo
não é verdade. Nunca foi tão fácil fazer um bom jornalismo. Você tem todas as
informações aí disponíveis hoje. O grande desafio, qual é? É você pegar essas
informações, juntar, organizar e consolidar. Então o pessoal fala sobre a
grande reportagem… Outro dia eu fiz uma denúncia, um assunto qualquer aí, antes
da internet eu levaria um mês para levantar, eu levantei num dia. Tudo fica
mais fácil, desde que você saiba o que buscar.
Hoje
há um excesso de opinião.
Os
jornais entraram nessa, a Folha fez isso e o Estadão foi atrás. Nos anos 90
chega a figura do âncora, o cara que dá palpite no rádio e na televisão. O
colunista de jornal deveria ser o oposto. O âncora joga para a torcida. Se a
torcida está indignada, ele fica indignado. O colunismo de jornal deveria pensar
assim: o leitor está indignado com alguma coisa, ele está indignado porque não
está entendendo direito a situação. Então eu vou ficar acima das paixões do
leitor para explicar as coisas, até para ele ficar mais indignado, se for o
caso. Então começou um populismo ali, de cada colunista querer jogar para a
torcida, influenciado pelo rádio e pela televisão. Quando vem a internet e todo
mundo dando palpite, então virou um palpitômetro. Coisa ridícula. Cronista
social, musical, Nelson Mota, agora, ditando regra. Ruy Castro, um horror. Ao
invés de escrever sobre o que sabe. Cony fazendo o jogo… Então ficou uma
competição para atender esse leitor truculento, esse leitor que parece
promissor, e atender os jornais, dentro dessa guerra aí de mobilização contra o
inimigo comum que é o PT.
http://www.ocafezinho.com/2016/12/29/eua-e-o-capitalismo-de-desastre-no-brasil/#sthash.QElULqp9.dpuf
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