A
palavra da moda é pós-verdade. Trata-se apenas de uma forma de definir a
mentira. No campo da pós-verdade, não valem os fatos, mas as crenças. Seu uso é
sempre uma forma interessada de intervir no debate público, de modo a impedir o
necessário apoio em fatos. Quem tem certeza absoluta não precisa da realidade.
Por isso a pós-verdade é ao mesmo tempo a ferramenta predileta da imprensa
hegemônica, dos partidos sem substância popular e dos poderes da República. Não
há nada melhor que a suspensão do debate para quem defende seu território.
Neste
campo discursivo, uma simples operação de linguagem se torna uma forma de
exercício de poder. Tudo depende de quem expressa a palavra final.
Contrariamente à teoria democrática baseada na liberdade de expressão e no franco
debate de ideias e visões de mundo, o contexto da pós-verdade já sabe onde quer
chegar. Tudo se processa de trás para frente: o fim está dado, cabe aos fatos
se adequarem a ele.
Estamos
mergulhados em exemplos.
Quando
o Congresso cassa uma presidenta eleita sem evidências de crime de
responsabilidade, pode ser uma atitude constitucional, que reforça a
institucionalidade do golpe. O Congresso que aprova a PEC do teto de gastos se
jacta de ser a expressão legítima da independência do Legislativo, em sintonia
com os interesses do país. Já o Congresso que modifica o pacote anticorrupção
pode ser tomado como a tradução do modo de agir de um bando de criminosos que
opera de forma defensiva.
Quando
a imprensa atua de forma convocatória em nome de interesses ideológicos, ela se
justifica como sendo espaço de reverberação da opinião pública. Ao defender
projetos econômicos particulares como se fossem expressão inquestionável da
vida material – como as ações antipopulares de austeridade –, ela se posiciona
como defensora da racionalidade econômica. Já quando confrontada com fatos como
o desemprego e a recessão, que desmancham no ar a falsa confiança dos mercados
e dos investidores em bravatas salvacionistas, precisa apelar para termos
morais.
A
imprensa que arrota o direito de liberdade de expressão, combate as formas
alternativas de comunicação consideradas como aparelhadas pela esquerda. No
entanto, não tem pejo em se submeter aos interesses do poder de forma
vergonhosa, ainda que se defina como fiscalizadora dos excessos. O resultado
desse duplo vínculo é traduzido em apoio constrangedor a lambanças, como
ilegalidades de toda ordem, tráfico de influência e culto à personalidade
(Temer, o barango, é vendido como charmoso), pagas a peso de outro traduzido em
centímetros e minutos em jornais, rádios e TVs.
O
PSDB, que inspirou o golpe, conspirou e comprometeu-se com as primeiras medidas
econômicas e políticas, é visto como uma agremiação que concorda com as
estratégias e táticas do governo não eleito. No entanto, quando a canoa da
popularidade começa a fazer água, pelo nível sofrível dos condutores ou pelo
fracasso explícito dos resultados, o partido convoca uma pureza que nunca teve
e começa a tramar seu plano C.
Em
outras palavras, derrubar a pinguela oportunista que ajudou a construir (o
plano B), surgindo como alternativa em uma eleição indireta no ano que vem. Não
se pode esperar honra onde viceja a traição, nem mesmo entre pares. Por isso
chega a ser didática a ocupação das diferentes raias de expectativa de poder
por FHC, Aécio, Alckmin e Serra. O golpe, dentro do golpe, dentro do golpe,
numa espiral infinita de indignidades.
Em
todos os casos, e os exemplos se multiplicam no reino da pós-verdade, há sempre
um confronto no ar. A novidade é que, o que antes dividia adversários, hoje
coloca irmãos canalhas para brigar: a imprensa familiar com sua crise de
credibilidade e contas no vermelho; o Judiciário ressentido em sua confusão
entre privilégios e direitos; o governo golpista pego com as calças da incompetência
nas mãos; e os tucanos, com seu exibido aristocratismo que apenas mascara seu
apetite pelo poder e desprezo pelo povo.
Há
uma expressão popular que traduz a disputa entre dois contendores poderosos
como “briga de cachorro grande”. Sem demérito para os cães, a conjuntura atual
dispensa a porte dos adversários. É só briga de cachorros. Não há grandeza no
fascismo.
https://www.brasildefato.com.br/2016/12/02/divergencia-no-covil/
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