Se
antes faziam figura de paladinos silenciosos da Justiça, Sergio Moro e Deltan
Dallagnol deram agora para falar. Eles revestiram a sua loquacidade com a
exaltação apolítica do bem geral. Na verdade, respondem a dois fatos políticos
concretos.
O
primeiro: a delação da Odebrecht periga pegar na testa da burguesia. Ela irá
escancarar que grandes empresários corromperam e nobres políticos foram
corrompidos. Juntos, eles aparelharam o Planalto e o Congresso — e agora nos
mandam trabalhar mais e ganhar menos.
O
segundo fato: para proteger seu poder de mando, os beneficentes e beneficiários
do caixa 2 urdem uma autoanistia geral e irrestrita. A articulação dos dois
fatos abala o poder de Dellagnol e Moro.
Dallagnol
defendeu, num artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, que é um
“disparate!” (com exclamação) dizer que a “lava jato” foi partidarizada. A
resistência a punições, porém, surgiu só depois de Dilma ter sido afastada e
Lula incriminado. A postura apolítica fica menos crível na boca Moro.
Afinal,
o juiz ordenou a exposição, ilegal e fora do prazo que ele mesmo estipulara, de
um telefonema da presidente. No plano jurídico, fez troça da presunção da
inocência de Dilma. No político, inviabilizou que Lula fosse ministro. Sem o
seu atropelo, a história teria sido outra.
Numa
entrevista a Fausto Macedo e Ricardo Brandt (jornal O Estado de S. Paulo,
6/11), Moro fez política o tempo todo. Disse que tem poder —”o apoio da opinião
pública tem sido essencial” — e defendeu que o Congresso aprove dez medidas
específicas, além de pôr fim ao foro privilegiado de parlamentares e
governantes.
Foi
de um corporativismo que mal coube na palavra “muito“. Teori Zavascki, que não
o puniu por ter alardeado a gravação de Dilma, “tem feito um trabalho intenso,
muito importante e relevante“. O magistrado que Renan Calheiros chamou de
“juizeco” é um “colega muito sério e competente“. O projeto que pune abusos de
juízes precisa ser “muito melhorado“.
Tanto
para ele como para Dallagnol, a corrupção é a serpente no paraíso. No seu
artigo (escrito com o procurador Orlando Martello), Dallagnol sustenta que, se
a corrupção sumir, surgirá “um Brasil competitivo, inovador, igualitário,
democrático, republicano e, sobretudo, orgulhoso de si“.
A
única evidência que oferece para tal milagre é Hong Kong. Mas como ignora que a
metrópole é uma região da China, e silencia sobre a sua história, o seu
estatuto econômico, político e jurídico, chamando-a de “país”, o seu vaticínio
é vazio, senão ridículo.
Mais
sinistro é o encerramento do seu sermão: “Parafraseando Martin Luther King,
estamos rodeados da perversidade dos maus, mas o que mais tememos é o silêncio
dos bons“. Está-se de volta à concepção simplória da sociedade como palco da
luta entre o Bem e o Mal; entre os bons da “lava jato” e os maus que não a
apoiam.
A
referência a Luther King é abusiva. O reverendo não escrevia sobre corrupção.
Ele estava preso, no Alabama de 1963, por ter liderado marchas ilegais contra a
segregação racial.
Seu
texto, a Carta da Cadeia de Birmingham, é um ataque eloquente a oito líderes
religiosos que o acusavam de subversão, e defendiam — veja só — que o combate
ao apartheid no Sul ficasse restrito aos tribunais.
É
um documento da luta doída por direitos civis e políticos. Não é uma
mistificação, moralista e autoelogiosa, de quem se acha — de quem acha que
lidera uma santa cruzada.
Mario
Sergio Conti, FolhaPress
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/11/sergio-moro-deltan-dallagnol-resolveram-falar.html
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