Etienne
de La Boétie é o pai dos “99%” – a vasta maioria da sociedade para a qual cabe
uma pequena parcela de um bolo quase todo devorado pelo restante “1%”, para
usar expressões vinculadas a um movimento que marcou intensamente o mundo
moderno, o “Ocupe Wall Street”.
La
Boétie escreveu aos 18 anos, em 1548, um pequeno grande livro chamado “Servidão
Voluntária”. Nele, La Boétie sustentava que são as pessoas que dão poder aos
tiranos. Por isso elas são mais dignas de desprezo do que os ditadores de ódio.
Por
essa ótica, somos nós mesmos os culpados por Temer, Moro, Aécio, Gilmar e
outras calamidades do gênero. Podemos incluir nesta conta a mídia que temos, a
começar pela Globo.
Foi
o primeiro livro francamente libertário. Foi usado pelos protestantes franceses
como uma inspiração para reagir à violência dos católicos, expressa
tenebrosamente no Massacre de São Bartolomeu, na segunda metade do século XVI.
Milhares de protestantes que tinham acorrido a um casamento da família real
francesa foram mortos por forças católicas.
Mais
tarde, o tratado circulou entre revolucionários em vários momentos da história.
Em 1789, por exemplo. Os teóricos do anarquismo foram também fortemente
influenciados por la Boétie. O autor avisa, logo no início de “Servidão
Voluntária”, que seu objetivo é entender como “tantas pessoas, tantas vilas,
tantas cidades, tantas nações sofrem sob um tirano que não tem outro poder
senão o que a sociedade lhe concede”.
La
Boétie formou-se com louvor advogado pela Universidade de Toulouse, e depois
foi um juiz especialmente admirado pela integridade. Arbitrou, por seu caráter
libertário e equânime, muitas disputas entre católicos e protestantes.
Morreu
aos 33 anos. Deixou todos os seus papéis a um amigo que o imortalizaria num
ensaio sublime sobre a amizade: Montaigne. Tinham-se aproximado na juventude,
depois que Montaigne leu com encanto uma cópia manuscrita de “Servidão
Voluntária”. É com base na amizade entre ele e la Boétie que Montaigne escreveu
seu célebre tratado sobre a amizade. “Dois amigos formam uma unidade tão
absoluta que é como se fossem dois tecidos em que é impossível ver a costura
que os junta”, disse Montaigne.
Montaigne
tinha 31 anos quando seu amigo morreu. Ficou arrasado a ponto de se recolher e
largar tudo que fazia. A dor da morte de la Boétie acabaria sendo vital para
que ele começasse a escrever seus Ensaios.
O
livro de La Boétie foi lido durante muito tempo em edições clandestinas por
pequenos grupos de gente culta e rebelde. Um editor francês, muito tempo depois
da morte de Montaigne, teve a idéia de publicar o tratado de La Boétie como um
apêndice dos Ensaios, logo depois do que tratava da amizade e do próprio La
Boétie.
Foi
então que “Servidão Voluntária” ganhou reconhecimento em grande escala.
Quando
os “99%” se insurgem contra a desigualdade em várias partes do mundo, eles
podem até não saber – mas estão prestando um tributo a um gênio que ainda na
universidade compôs linhas perenes contra a tirania e os tiranos.
Que
La Boétie um dia nos inspire: é meu maior desejo neste momento.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-aceitamos-tao-passivamente-os-abusos-de-temer-moro-gilmar-globo-etc-por-paulo-nogueira/
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