“Desde
2013, com as manifestações de junho, a relação conflituosa entre Estado
(constituído por instâncias jurídicas e políticas) e a sociedade organizada,
ficou ainda mais estreita. O ano de 2016, nesse sentido, parece ser a expressão
dessa relação, a qual mostra, cada vez mais, a repressão de um lado e a
resistência do outro”, escreve Amanda Cotrim, jornalista e doutoranda em
Análise de Discurso pela Unicamp, em artigo publicado por CartaCapital,
23-11-2016.
Segundo
ela, “a repressão praticada pelo Estado se relaciona com o sentido de extinção.
Não é apenas a repressão que está funcionando em nossa sociedade, mas a
necessidade de esquecimento do outro, legitimado por um Estado que aparece cada
vez mais como um administrador técnico da sociedade, tendo o mercado como
aquele que rege a vida das pessoas, de modo dominante”.
Eis o artigo.
Desde
2013, com as manifestações de junho, a relação conflituosa entre Estado
(constituído por instâncias jurídicas e políticas) e a sociedade organizada,
ficou ainda mais estreita. O ano de 2016, nesse sentido, parece ser a expressão
dessa relação, a qual mostra, cada vez mais, a repressão de um lado e a
resistência do outro.
Poderia
citar inúmeros casos em que a repressão e a resistência se constituíram ao
mesmo tempo, como quando a Polícia Militar interrompeu e proibiu a continuidade
de um espetáculo de rua, em Santos; quando o Estado ignora as demandas dos
secundaristas, que resistem ocupando as escolas; quando a polícia reprime com
bombas de efeito moral movimentos de greve; quando o Estado massacra pessoas
por morarem no Pinheirinho; ou quando o governo pretende impedir a livre
manifestação de emotions em rede social. Exemplos graves e tacanhos mostram
como o ano de 2016 não passará em branco, e isso falando apenas de Brasil.
Apesar
dessa relação repressão e resistência parecerem evidentes, há um sentido aí que
está funcionando: o esquecimento. A repressão, seja ela qual for, precisa
funcionar pelo esquecimento, pois ao reprimir, apaga-se a construção de uma
memória.
A
tática da repressão é antiga, na Grécia se puniam aqueles que faziam peças de
teatro que lembravam aos atenienses uma guerra e seus inimigos. Os autores eram
condenados ao esquecimento e suas peças não podiam mais ser encenadas. Isso não
mudou, é assim que o Estado (capitalista) age: combatendo qualquer
possibilidade de construção de sentidos outros.
O
Estado se utiliza da arte do esquecimento, do que as pessoas precisam “lembrar
de esquecer”, como escreveu Nicole Loraux, e essa arte possibilita, em alguma
medida, que as pessoas dividam o que precisa ser lembrado e o que precisa ser
esquecido, para que a vida continue sendo possível.
Quando
o Estado reprime uma manifestação, um espetáculo de teatro, uma demanda social,
e a mídia noticia, esse movimento catártico produz nas pessoas a ilusão de que
as questões complexas estão aparentemente resolvidas e assim elas podem
continuar suas vidas “em paz”.
Pensando
nesse Estado capitalista, pergunto: o que é preciso lembrar de esquecer para
que a sociedade continue se movimentando? Parece-me que foi preciso criar um
inimigo comum, que não é propriamente a esquerda, mas tudo que (nos) remeta à
ela, segregando, assim, milhares de pessoas e individualizando a problemática;
pois ao eliminar sujeitos, apaga-se (esquece) as questões estruturais.
Talvez
estejamos diante de um novo paradigma social, como escreveu Eni Orlandi: ou
você está dentro ou está fora, uma resolução maniqueísta entre o bem e o mal.
Um mundo que se caracteriza pela violência, pelas coerções, imposições
econômicas, a tirania do consenso, a crença em soluções autoritárias e a
divisão entre os que devem existir e os que devem ser eliminados, como num jogo
de big brother, de uma sociedade cada vez mais espetacularizada.
Esse
funcionamento social – reprimir para esquecer – é ideológico e ele parece estar
regendo o imaginário social: criou-se o mito da coesão, então tudo que está
fora precisa ser eliminado, produzindo a segregação (aquilo que fica de fora).
Enquanto
o Estado reprime e impõe o esquecimento, ele imprime uma ideia de consenso; e
essa ideia diz que quem resiste a essa ordem consensual é um marginal. O
marginal é aquele que carrega o sentido de segregação consigo, tendo o
preconceito como base da exclusão.
Não
é a primeira vez que tudo aquilo que remete a uma memória e a um sentido de
esquerda é marginalizado pelas instituições de poder, por isso que a história
não é cronológica e nem evolutiva, mas política. O imaginário repressivo está
impregnado em nossa sociedade, por isso a repressão sempre volta, ainda que de
formas de diferentes.
A
repressão praticada pelo Estado se relaciona com o sentido de extinção. Não é
apenas a repressão que está funcionando em nossa sociedade, mas a necessidade
de esquecimento do outro, legitimado por um Estado que aparece cada vez mais
como um administrador técnico da sociedade, tendo o mercado como aquele que
rege a vida das pessoas, de modo dominante.
A
repressão/extinção como prática de esquecimento não está se realizando pela
negação, mas pela afirmação, como quando o Estado desautoriza a ocupação de um
espaço público por secundaristas, afirmando que são baderneiros ou vândalos,
uma metáfora política de como Brasil atual é permissivo para alguns e
repressivo para outros.
http://www.ihu.unisinos.br/maisnoticias/noticias/562653-a-politica-da-repressao-e-uma-tatica-para-o-esquecimento
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