O
juiz Sérgio Moro enviou uma carta enfezada à Folha de S.Paulo, protestando
contra o artigo “Desvendando Moro”, de Rogério Cezar de Cerqueira Leite.
Moro
diz, especialmente, que o articulista realizou “equiparações inapropriadas com
fanático religioso”, referindo-se a Girolamo Savonarola.
No
texto, Cerqueira Leite alerta o magistrado de que “o destino dos moralistas
fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT
estiverem vivos e atuantes.”
Savonarola
não foi simplesmente um fanático religioso, como aponta Moro. Nascido numa
família nobre de Ferrara, tornou-se um reformista e um asceta obcecado com o
fim da corrupção florentina.
Messiânico,
criou um modelo de estado cristão, cujo maior emblema era a chamada Fogueira
das Vaidades, onde ele se seu séquito queimavam, entre outras coisas, livros
“impróprios”.
Por
que essa comparação incomodou tanto Moro?
Abaixo, um
breve perfil de Savonarola escrito pelo historiador Richard Cavendish.
Girolamo
Savonarola, frei dominicano e fanático puritano, tornou-se ditador moral da
cidade de Florença quando os Medici foram temporariamente expulsos em 1494.
Enviado à cidade doze anos antes, ele construiu uma reputação de austeridade e
sabedoria e tornou-se prior do convento de São Marcos (onde seus quartos ainda
pode ser visitados).
Visionário,
profeta e formidável pregador apocalíptico, obcecado com a maldade humana e
convencido de que a ira de Deus estava prestes a cair sobre a Terra, ele
detestava praticamente todas as formas de prazer e relaxamento.
Seus
adversários chamavam Savonarola e seus seguidores de “piagnoni” — chorões —, e
ele reprovava severamente piadas e frivolidade, poesia e tavernas, sexo
(especialmente a variedade homossexual), jogos de azar, roupas finas, jóias e
luxo de todo tipo.
Denunciou
as obras de Boccaccio, pinturas de nus, imagens de divindades pagãs e toda a
cultura humanista do Renascimento italiano. Pediu leis contra o vício e a
frouxidão.
Colocou
um fim aos carnavais e festivais que os florentinos tradicionalmente
apreciavam, substituindo-os por festas religiosas, e empregou jovens na rua
como uma Gestapo júnior para farejar itens suspeitos.
A
famosa “Fogueira das Vaidades”, em 1497, tinha jogos, cartas, máscaras de
carnaval, espelhos, enfeites, estátuas, livros supostamente indecentes e
imagens. O frei também desaprovava especulações financeiras e empresários.
Não
surpreendentemente, Savonarola fez muitos inimigos poderosos. Entre eles estava
o papa Borgia, Alexandre VI, que tinha boas razões para se sentir
desconfortável com as denúncias de luxo da Igreja e de seus líderes e que
acabou excomungando o dominicano.
No
Domingo de Ramos de 1498, o convento de São Marcos foi atacado por uma multidão
e Savonarola foi preso pelas autoridades de Florença juntamente com dois frades
que estavam entre seus seguidores mais ardorosos, frei Silvestro e frei
Domenico.
Todos
os três foram torturados antes de condenados como hereges e entregues a dois
comissários papais que viajaram diretamente de Roma em 19 de maio. “Teremos uma
bela fogueira”, disse o comissário mais velho, “pois trago a condenação
comigo”.
Na
manhã do dia 23 daquele mês, uma multidão de florentinos se reuniu na Piazza
della Signoria, onde um andaime havia sido erguido sobre uma plataforma (uma
placa marca o local hoje). Um forca foi armada para para pendurar os três
frades. Madeira para queimá-los foi acumulada embaixo.
Algumas
pessoas da multidão gritaram xingamentos para Savonarola e seus dois
companheiros, que foram deixados em suas túnicas, com os pés descalços e as
mãos amarradas, antes de seu cabelo ser raspado, como era costume. Diz-se que
um padre perguntou a Savonarola como se sentia sobre o martírio que se
aproximava. Ele respondeu: “O Senhor sofreu o mesmo por mim”, e estas foram
suas últimas palavras registradas.
Frei
Silvestro e frei Domenico foram enforcados primeiro, lenta e dolorosamente,
antes de Savonarola subir a escada para ocupar o lugar entre eles. As chamas o
engoliram e ele morreu de asfixia por volta das 10h. Ele tinha 45 anos de
idade. Alguns dos espectadores explodiram em lágrimas e outros, incluindo
crianças, cantaram e dançaram alegremente ao redor da pira, enquanto atiravam
pedras contra os cadáveres. O pouco que restou dos três dominicanos foi atirado
no rio Arno.
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-a-comparacao-com-savonarola-irritou-tanto-sergio-moro-por-kiko-nogueira/
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