A
experiência ensina que as ideias claras e as verdades cristalinas podem ser
explicadas em poucos minutos. Às vezes, em 30 segundos.
O
exaustivo espetáculo do Ministério Público Federal, ontem, para tentar
apresentar um fato concreto contra Luiz Inácio Lula da Silva levou horas. Não
trouxe novidade alguma. Nenhuma prova, nenhum fato.
Apenas
uma longa narrativa, romanceada, em que se sugere aquilo que não se demonstra –
e por isso mesmo é preciso argumentar, explicar, voltar ao tema, repetir frases
fortes como slogans de uma campanha publicitária. Chegou-se até a um improviso
sociológico, a noção de "propinocracia", criação típica de um mundo
narcisista, auto referente, destinado a
causar impressão e intimidar espectadores de pouco estudo.
Vista
com frieza, sem avaliar suas gravíssimas consequências políticas para o país e
para a democracia, com impacto direto sobre a sucessão presidencial de 2018, a
tese de que Lula é o comandante máximo da corrupção brasileira é apenas
ridícula, verdade que, neste caso, pode ser provada matematicamente.
Numa
interpretação benigna do espetáculo, pode-se reconhecer que a força tarefa fez
o possível para tentar acusar Lula de
receber benefícios avaliados em pouco mais de
três milhões de reais num esquema que teria gerado um prejuízo de mais
de 60 bilhões. Ou seja: é o chefão que recebe uma comissão inferior a 1/2
milionésima fatia de um grande botim.
Na
realidade, nem isso se conseguiu. Como admitiu um dos apresentadores –
desculpe, procuradores –, microfone em punho, é muito difícil demonstrar o
crime de lavagem de dinheiro, pelo qual Lula é acusado. Devemos concordar com
essa obviedade: profissionais formados na delicada arte de esconder a riqueza ilícita não assinam
documentos oficiais nem deixam pistas que possam levar a sua localização.
Certíssimo. Mas o fato de um crime ser difícil de provar não exime as
autoridades policiais de encontrar provas para condenar aquelas pessoas que
acusam. Afinal, vivemos num mundo onde todas as pessoas são inocentes até que
se prove o contrário. Fora disso, temos a tirania, que pode ser feudal, militar
– ou midiática.
Espetáculos
à meia-luz, na penumbra, ofendem a memória da democracia, pois foram
apresentados aos brasileiros em 1981, em plena ditadura militar. São estilos
artísticos próprias para shows midiáticos, pois transmitem uma sensação de
verdade revelada através da manipulação da luz e da sombra. O conteúdo
submete-se a forma, mais uma vez. Por isso é importante apresentar e repetir
gráficos, tabelas, desenhos de bolotas, com Lula no papel de bola maior. Em vez
da justiça, da realidade concreta, temos a imitação das apostilas do ensino
fundamental -- que servem para dar um ar científico a qualquer coisa
O
homem-show de 1981 foi um coronel que aceitou fazer o serviço sujo, escondendo
evidências que apontavam para o envolvimento de militares no atentado a bomba
do Riocentro. Tentou-se, numa grande farsa, lançar a hipótese de que o ato fora
obra de uma organização de esquerda, a terrorista VPR.
Os
homens-show de ontem tentaram apresentar uma linha de continuidade entre a Lava
Jato e o Mensalão. É uma ideia infeliz, já que o Mensalão PSDB-MG é uma
demonstração cabal do caráter seletivo das investigações que envolvem políticos
e seus aliados no Brasil. Dez anos depois da denúncia ser apresentada ao STF,
onde chegou antes do caso contra os petistas, nenhum mensaleiro de Minas foi
parar na cadeia. Nenhum. Nem Marcos Valério, considerado o pai e avô do
esquema, que cumpre 37 anos e seis meses na AP 470. Conseguiu até tornar-se réu
numa das fases da Lava Jato. E o mensalão PSDB-MG? Só refresco.
A
referência representa uma tentativa de pacificar as diversas correntes do
Ministério Público Federal, que hoje enfrenta uma rebelião interna contra a
atuação do PGR Rodrigo Janot. Essa situação se expressa no pedido de demissão
da vice-procuradora Ela Wiecko, que, entre outras coisas, teve a coerência de
denunciar o caráter golpista do afastamento de Dilma. Foi engrossada pelas
acusações gravíssimas do subprocurador
Eugenio Aragão contra Janot, até agora sem resposta de nenhum tipo.
A
questão central é histórica e política. Em campanha para se tornar PGR Rodrigo
Janot pediu votos como um crítico do trabalho do ministério público no mensalão
– jamais como aliado. Foi Roberto Gurgel, o PGR que atuou na fase final da AP
470 que, buscando condenar os réus de qualquer maneira, lançou a teoria do
domínio do fato para garantir penas fortes para provas fracas, numa temeridade
com poucos equivalentes. Em visita ao país na época, o pai da ideia, o alemão
Claude Roxin, esclareceu que seu trabalho estava sendo usada de forma indevida.
As
repetidas lembranças do Mensalão ajudam a fabricar a teoria de que a corrupção
era uma brincadeira quase inocente até 2003, tornando-se sistêmica e abismal após
a chegada do "comandante supremo" ao Planalto. Você conhece a
patifaria: quando se destina aos amigos de sempre, dos tempos de Pedro Álvares
Cabral, dinheiro de empreiteira é contribuição de campanha. Legítima,
desinteressada. Quando se destina ao Partido dos Trabalhadores, é propina. São
moedas com a mesma origem, de empresas do mesmo CNPJ, que eram conhecidas tanto
nos corredores da Petrobras desde a fundação como no gabinete de Fernando
Henrique Cardoso em 1996 (vinte anos atrás!) e nada se fez contra elas.
Ninguém
foi procurar conhecer os interesses daquela turma abriu o cofre – Fernando
Henrique ainda era presidente – para o Instituto Fernando Henrique Cardoso,
modelo do agora perseguido Instituto Lula. PGR do pessoal que hoje vai atrás de
Luiz Inácio, em 2002, quando foi colocado diante dos donativos amigos para
Fernando Henrique, ainda de caneta presidencial, o procurador Rodrigo Janot saiu-se com a
seguinte teoria para ficar de braços cruzados: "Fernando Henrique está
tratando de seu futuro e não de seu presente," explicou ao repórter Gerson
Camarotti, da revista Época. "O problema seria se o presidente tivesse
chamado empresários ao Palácio da Alvorada para pedir doações de favores e
benefícios concedidos pelo atual governo." Bom, não?
Chefe
da força-tarefa, Deltan Dallagnol falou em escândalo, ontem. Tinha toda razão
neste aspecto.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/255309/Por-tr%C3%A1s-do-show-uma-den%C3%BAncia-rid%C3%ADcula.htm
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