Colunista
Luis Nassif argumenta que o MP, comandado por Rodrigo Janot, implodiu o sistema
político para entregar o poder ao grupo mais suspeito de corrupção no País;
"Fez-se uma campanha moralista, fundada na luta anticorrupção e o
resultado final foi o desmantelamento do sistema partidário e a entrega do
comando do país ao grupo político mais suspeito das últimas décadas, que mais
cedo ou mais tarde utilizará o poder do qual se viu revestido para para
interromper a Lava Jato e enquadrar o MPF", diz ele
Por Luis
Nassif, no jornal GGN –
Ontem
de manhã fiz uma palestra no encontro do Instituto Ethos sob o tema “Operação
Lava-Jato: como equacionar a relação entre desenvolvimento econômico e combate
à corrupção”. Era para contar com a participação de um membro do Ministério
Público Federal (MPF). Nenhum dos convites foi aceito.
O
Ethos lançou uma bela carta sobre o tema (http://migre.me/v2nWL), com um
conjunto de princípios ideais, entre os quais:
· Apoiamos o avanço da operação no âmbito
dos marcos constitucionais, sem foco partidário, vazamentos seletivos ou
qualquer tipo de influência de interesses alheios às suas metas.
· Ela tem de ser ampla e irrestrita,
devendo prosseguir enquanto houver irregularidades a apurar, independentemente
de quem atingir, esteja essa pessoa no poder ou não.
· Hoje, somente 5% dos condenados na
Operação Lava-Jato são políticos. Sabemos que há foro privilegiado, mas é
necessário obter, de fato, progressos na celeridade e na efetivação dos
processos que envolvem a classe política.
A
operação que o Ethos apoia seguramente não é a que estamos testemunhando.
Na
minha apresentação, procurei demonstrar que essa operação ideal é improvável na
conjuntura política atual.
Meu
xadrez é o seguinte:
1. A nova jurisprudência penal, a ampliação do
poder de investigação do Ministério Público Federal, inclusive com o acesso a
dados internacionais, conferiu poder enorme à corporação.
2. Não existe superpoder que possa depender
exclusivamente dos princípios éticos e valores morais individuais de seus membros.
Com a ausência de um sistema de freios e contrapesos, a lógica do MPF será cada
vez mais de tentar ampliar o espaço, até bater no muro de um pacto entre os
demais poderes.
3. A ocupação do espaço pelo MPF passou pela
parceria com a mídia e pelo apoio da classe média ascendente, com a qual a
corporação é mais identificada. O pacto se deu em torno do combate ao inimigo
comum, o PT. Sem a figura do inimigo e a prática do direito penal do inimigo, a
aliança não se sustenta.
4. O primeiro uso da força pelo MPF foi na AP
470, que desequilibrou o jogo político do nosso precário presidencialismo de
coalizão, empurrando o governo Lula para os braços do PMDB, usando a Petrobras
como moeda de troca, conforme se conferiu na delação do ex-senador Delcídio do
Amaral.
5. O segundo movimento foi com a Lava Jato
explorando as vulnerabilidades criadas pelo primeiro movimento, e levando à
queda do governo.
Portanto,
fez-se uma campanha moralista, fundada na luta anticorrupção e o resultado
final foi o desmantelamento do sistema partidário e a entrega do comando do
país ao grupo político mais suspeito das últimas décadas, que mais cedo ou mais
tarde utilizará o poder do qual se viu revestido para para interromper a Lava
Jato e enquadrar o MPF.
Ontem,
o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) premiou a Lava Jato com
destaque do ano. Prova maior de que a miopia política não acometeu apenas os
governos Lula e Dilma e o PT. É processo generalizado.
Peça
1 – o processo judicial e a busca da verdade
Primeiro,
vamos entender como analisar um procedimento jurídico.
Meu
primeiro desafio jornalístico em temas jurídicos foi uma denúncia que fiz
contra o então Consultor Geral da República Saulo Ramos, devido a um decreto,
logo após o Plano Cruzado, que recriava a indústria de liquidação
extrajudicial.
Saulo
manobrava conceitos jurídicos, que eu desconhecia.
No
meio do debate, consegui uma fonte especialíssima, um Ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal), que me passou uma lição básica para me livrar do jugo do
especialista:
-
O processo judicial tem que levar à justiça. Analise a realidade e veja o
resultado da decisão tomada. Se levar a um resultado injusto, ou a lei é
injusta ou a interpretação dela está errada.
Lembro
essa história para nos debruçarmos sobre os resultados dessa metodologia do MPF
de colheita de provas – explicada em um livro de Deltan Dallagnol muito
elogiado - sobre a construção das provas através do levantamento de indícios.
Ele leva à verdade e, através dela, à justiça? Ou o excesso de poder
desequilibrou o jogo a tal ponto que a lógica do acusador se impõe por si, sem
poder ser retificada pelos argumentos da defesa?
A
prova do pudim consiste em confrontar essa metodologia com os resultados
alcançados. Levou à justiça, ou foi apenas a instrumentalização do combate ao
escândalo, para benefício de um grupo político e de uma corporação? Levou ao
aprimoramento das instituições ou, pela desorganização da política, à criação
de uma realidade pior?
O
primeiro passo é entender a conjuntura que levou à consolidação desse novo
modelo de operar a lei.
Peça
2- a punição dos chefes das organizações criminosas
Me
deparei com essa questão pela primeira vez na cobertura do golpe aplicado no
Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, o Comind, ainda nos anos 80. Era
voz corrente que dificilmente os chefes de golpe seriam apanhados porque não
deixavam vestígios, assinaturas, documentos. Simplesmente davam ordens verbais.
Havia um nítido desequilíbrio em favor do crime organizado.
Com
a expansão internacional do crime organizado, com a captura de muitos Estados
nacionais pelo crime, houve mudanças também na jurisprudência sobre o tema,
aceitando que um conjunto robusto de indícios poderia ser tratado como prova,
mesmo que não houvesse as impressões digitais do chefe no cometimento do crime.
Essa
jurisprudência surgiu a partir, principalmente, da luta contra o tráfico de
droga e contra o terrorismo. Entende-se, daí, seu caráter draconiano.
Os
indícios vão da identificação do comando hierárquico da organização, a provas
testemunhais - em geral, de pouco valor nos processos penais. Passaram a ser
aceitos também outros instrumentos jurídicos, como o da delação premiada, que
veio se somar à quebra de sigilo telefônico, fiscal e bancário.
Flexibilizou-se
radicalmente o processo de obtenção de provas. Aí o pêndulo se inverteu
completamente e o poder acabou centralizado nos acusadores. E, como tal,
sujeito às suas idiossincrasias e preferências políticas e ideológicas.
Para
não incorrer em abusos, com enorme poder recebido, havia a necessidade do
chamado intérprete da lei ter conhecimento e observância de princípios de
direitos humanos aceitos internacionalmente – entre os quais os valores
democráticos e a relevância central do voto.
Mas
não apenas isso. Não existe instituição cuja idoneidade dependa exclusivamente
dos valores individuais de cada membro. O modelo exige os chamados freios e
balanços para coibir abusos.
Não
é o caso do Brasil. As corporações se apropriaram dos órgãos de controle, que
passaram a responder às demandas corporativas.
Nos
tribunais de primeira instância, as provas indiciárias se voltam
preferencialmente contra os PPPs (preto, pobre e puta). Servem para enviar
“mulas” para os presídios, mas não alcançam os chefes do tráfico.
Na
área política, em muitos países de democracia precária – como Portugal e Brasil
– o modelo agregou o quarto P, de petista ou popular. E aí, introduziu-se no
processo democrático um enorme fator de desestabilização, no qual as armas
conquistadas pelo MP, pela lógica de poder, são colocadas a serviço de grupos
políticos e ideológicos aos quais ele se aliou estrategicamente para ampliar
seu poder.
Provavelmente
a maior ameaça à democracia, hoje em dia, seja a interferência do Ministério
Público e da Justiça no jogo político. O século do Judiciário – na celebração
infeliz do Ministro Ricardo Lewandowski – de certo modo é similar às UPPs
(Unidades de Policia Pacificadora) nas favelas. A pretexto de coibir o crime,
apossam-se de todo o território e criam um poder paralelo muito mais letal.
Peça
3 – o teste da AP 470, o "mensalão"
O
"mensalão" foi o primeiro grande processo de impacto político a
testar as tais provas indiciárias. A celebérrima frase de Rosa Weber (apud
Sérgio Moro) de que "não tenho provas (contra Dirceu) mas a jurisprudência
me autoriza a condenar", celebrava o “abre-te Sésamo” do Judiciário para
abrir a caverna onde se encontravam as capas de Super Homem, os novos
superpoderes que conquistaram.
O
que havia – e isso era do conhecimento de qualquer analista político - era o
pagamento de despesas de campanha dos pequenos partidos que passaram a fazer
parte da base aliada. A acusação defendeu a tese de que havia uma mesada
intermitente para garantir a aprovação de leis de interesse do governo.
Mais
do que isso, procedeu a enormes malabarismos para casar data de pagamento com
aprovação de leis, , inclusive para parlamentares petistas, forçando relações
de causalidade inexistentes, da maneira como descrevo no “Xadrez do não temos
prova, mas temos convicção” (http://migre.me/v2mmk). Quem acompanhava o jogo
político sabia que era uma narrativa falsa. Mas passou.
A
maneira como costuraram essa narrativa era da modalidade de “enfiar argumentos
na tese a marteladas”.
1. A história do suposto desvio da Visanet,
quando se sabia que o grande financiador de Marcos Valério era o banqueiro
Daniel Dantas. A razão era simples. Para caracterizar corrupção, o dinheiro
teria que ser proveniente de ente público. Tratava-se o dinheiro de Dantas como
privado; e o da Visanet como público (embora não fosse), devido à participação
do Banco do Brasil no capital da empresa. Sem a Visanet, portanto, a tese da
PGR não se sustentaria. Não só trataram a Visanet como empresa pública, não
sendo, como denunciaram um desvio que jamais houve, ignorando laudos de
auditorias e da própria Polícia Federal.
2. A história da ida de políticos do PTB a
Portugal com Marcos Valério negociar com a Portugal Telecom a venda da Telemig.
Atribuíam ao PT. Eu tinha informações seguríssimas - inclusive após conversas
com executivos da Portugal Telecom -, que a ida foi bancada por Daniel Dantas,
que ainda mantinha o controle da Telemig e para quem Valério trabalhava.
3. A inclusão de José Genoíno no inquérito. O
alvo era José Dirceu, então Ministro-Chefe da Casa Civil, já que o inquérito
nasceu das denúncias de Roberto Jefferson. Mas como pegar Dirceu sem envolver o
presidente do PT, José Genoíno? Havia a necessidade desse elo na corrente
(http://migre.me/v2smK).
A
primeira e a segunda questão beneficiaram diretamente Daniel Dantas.
Como
foi possível que um erro desse tamanho passasse pelo filtro da Procuradoria
Geral da República, com a AP 470 sendo analisada por diversos procuradores,
depois pelo relator, Ministro Joaquim Barbosa e, finalmente, pelo pleno do STF?
Mas
passou.
Havia
indícios de corrupção na decisão de Antônio Fernando de poupar Daniel Dantas
(logo depois aposentou-se e seu escritório ganhou enorme contrato da Brasil
Telecom, controlada por Dantas). Mas seria impossível, mesmo para alguém do
alto do cargo de PGR, impor uma tese dessas a todo uma equipe, se não houvesse
outros ingredientes no jogo.
O
endosso às teses de Antônio Fernando foi fruto da grande celebração do MPF,
ante a possibilidade de usar pela primeira vez os superpoderes e balançar a
República, a possibilidade de impor a narrativa que quisesse, desde que
escudada em campanhas massacrantes de mídia. Foi um porre geral. E a mítica da
narrativa exigia que se concentrasse no PT todas as acusações de corrupção,
transformado na fonte de toda a corrupção. É por ali que se consolidaria a
aliança com a mídia e a identificação com os anseios da classe média.
A
parceria do MPF com a mídia esvaziou a CPMI de Cachoeira – que estava prestes a
convocar Roberto Civita, da Abril. No mesmo período, o processo sobre o
“mensalão do PSDB” foi interrompido da maneira mais canhestra possível. O
Ministro Ayres Britto deveria relatá-lo em uma sessão do STF. Houve o
intervalo, ele saiu para o café, voltou e passou por cima da pauta. Simples,
assim, sem nenhuma cobrança da parte acusadora -- justamente o Ministério
Público Federal.
Uma
das regras básicas do presidencialismo de coalizão é que, quanto mais fraco o
governo, maiores as concessões à fisiologia. Ocorreu com o governo FHC, após a
maxidesvalorização de 1999; e com o governo Lula, devido à AP 470.
O
resultado dessa primeira intervenção do MPF no jogo político foi o seguinte:
1.
O abandono da estratégia de Lula de montar uma base com os pequenos partidos e
o fechamento do acordo com o PMDB.
2.
Com o risco concreto de impeachment, uma dependência cada vez maior do PMDB.
3.
Uma arquitetura política que só se sustentaria com economia em crescimento.
O
sucesso da economia nos anos seguintes inibiu por algum tempo sua atuação. E a
razia promovida pela AP 470 nas lideranças petistas históricas, deixou o
partido sem nenhuma capacidade de formulação estratégica.
A
última trégua, antes do embate final, foi desperdiçada por Lula, embalado pelos
feitos que o deixaram na posição de internacionalmente mais celebrado
presidente brasileiro da história.
Dormiu
em berço esplêndido. Acordou quando a serpente já dera o bote final.
Peça
4 – os desdobramentos da Lava Jato
É
evidente que há problemas estruturais nesse presidencialismo de coalizão e
circunstâncias políticas que levaram os partidos aliados e o próprio PT a se
lambuzarem. É evidente também que se desperdiçou o momento de enorme
popularidade de Lula para se proceder a uma reforma política radical. Não
adianta: apenas os problemas que afetam o dia a dia merecem prioridade.
No
entanto, em vez de um trabalho isento contra a corrupção, o que se viu da parte
do MPF foi uma ação seletiva, com nítido propósito partidário, de consolidação
do poder corporação, e uma perseguição implacável a Lula, ao mesmo tempo que se
blindavam as principais lideranças da oposição.
Nesse
período, a publicidade opressiva alimentada pelo MPF, ajudou a fomentar
movimentos de manada instituindo um clima de vale-tudo no país, exacerbando o
que de pior existe no imaginário popular: violência, preconceito, caça às
bruxas, queda da autoestima nacional.
Os
resultados estão aí:
1. Insegurança jurídica, com a entrada em um
período de exceção, na qual nenhuma pessoa que se oponha à Lava Jato ou ao novo
governo pode se considerar juridicamente segura.
2. Insegurança jurídica nos negócios, à
medida que qualquer procurador idiossincrático poderá invocar como suspeitos
até financiamentos do BNDES. Perdeu-se o referencial, a divisória entre
operações legais e as criminosas.
3. Insegurança política para qualquer
governador, já que as tais provas indiciárias podem tentar casar qualquer ato
de governo com contribuições de campanha.
4. Insegurança física, com o país rachado em
dois e a montagem de um sistema de repressão, e um liberou geral para as
Polícias Militares. Em São Paulo há notícias da P2 (o serviço secreto da PM)
monitorando jovens secundaristas que participaram da ocupação das escolas
estaduais no ano passado. A tentativa da PFDC (Procuradoria Federal dos
Direitos do Cidadão) de monitorar a PM foi rechaçada pelo Ministério Público de
São Paulo e pelo Ministro da Justiça sem um posicionamento sequer do PGR em
defesa da sua Procuradoria.
5. Insegurança política, com enorme leque de
possibilidades, fruto dos arreglos políticos e dos interesses dos grupos que se
apoderaram do poder, nenhum dos quais contemplando eleições diretas. E o país entregue
a uma camarilha de políticos suspeitos, com o fim da bazófia do Procurador
Geral da República (PGR) de avançar sobre as lideranças políticas que assumiram
o poder, deixando-as à vontade para o exercício do arbítrio e dos negócios.
6. Insegurança social, com a perspectiva de
retrocessos em todas as áreas, especialmente saúde e educação, pela imposição
dos tais tetos nominais de despesa, tudo feito ao largo do voto popular.
7. Queima de ativos nacionais, com a venda de
empresas e reservas petrolíferas na bacia das almas.
8. Desmontagem de setores inteiros da
economia
9. Consolidação da ideia de parcialidade do
MPF, com as manobras sucessivas para invalidar o depoimento de Léo Pinheiro e
livrar Aécio Neves e José Serra.
O
MPF importou a tese da supremacia das provas indiciárias e está aplicando. E
vai exportar um caso que será analisado por todos os centros especializados no
estudo do crime organizado: as vulnerabilidades da tese e o risco que trouxe
para a estabilidade democrática em países de democracia não consolidada, como é
o caso do Brasil.
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/256503/Para-Nassif-MP-se-converteu-em-amea%C3%A7a-%C3%A0-democracia.htm
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