Hoje
é um bom dia para se olhar de frente para um fato tão grave e monstruoso,
muitas pessoas não conseguem sequer encará-lo.
Estou
falando sobre a possibilidade de Lula ser condenado pelo juiz Sérgio Moro e
levado a cumprir pena de prisão depois de uma derrota mais do que previsível na
segunda instância.
Contrariando
uma visão bastante comum nos dias de hoje, acredito que esta é uma hipótese
muito mais real do que a maioria das pessoas consegue imaginar.
E
é bom pensar sobre isso num dia em que, no país inteiro, os trabalhadores saem
à rua para defender direitos que, de uma forma ou outra, Lula ajudou a ampliar
e consolidar. Para quem compreende o risco de uma iniciativa representa para a
democracia brasileira, é bom entender o papel essencial das mobilizações num
confronto tão crucial para os destinos do país.
Vivemos
uma época na qual cidadãos maiores de idade perderam o direito de cultivar
ilusões generosas e reproduzir argumentos infantis. Sabe a conversa de “golpe
nunca mais” ou “Podemos ter governos de direita ou de esquerda, mas a
democracia sempre será preservada”?
A
história também pode andar para trás, como se vê.
Depois
das sentenças fortes para provas fracas da AP 470, das prisões preventivas e
delações premiadas da Lava Jato, do silencio obsequioso do Supremo Tribunal
Federal diante de um impeachment sem crime de responsabilidade, estamos sendo
reconduzidos de volta a realidade de um país onde 1% de cima dominam 99% sem
admitir contestações leves – como foram os 13 anos e meio de Lula-Dilma no
Planalto.
A
grande ilusão consiste em acreditar que o papel histórico de Lula, origem de um
reconhecimento popular único e mesmo do aplauso internacional, pode funcionar
como salvo conduto contra abusos e medidas de exceção, reservadas aos mortais
comuns. É como se o apreço popular servisse de couraça protetora, uma segunda
pele, paralisando a máquina de abusos que funciona a partir de Curitiba. Sua
prisão seria impensável, portanto.
Nesta
visão, a liberdade de Lula, a preservação de seus direitos, estaria assegurada
por antecedência.
Sinto
muito. A lógica aqui é outra. Não tem a ver com reconhecimento popular nem
direitos democráticos, mas relação de forças, lavagem cerebral e interesse
político. Não por acaso, o mesmo sistema que alimentou a retorica do
impeachment sem provas contra Dilma agora se volta para o ataque final a Lula.
Batalhas da mesma guerra.
Quem
denuncia com base em convicção não quer produzir Justiça. Quer punir. Quem
aceita uma denúncia dessa natureza segue o mesmo caminho, mesmo que faça
ressalvas formais.
Estamos
falando do governo pelo medo, da ameaça, típico de ditaduras, que precisa criar
cidadãos submetidos e enganados, indispensáveis nas derrotas da democracia.
Diante
da dificuldade extrema de provar que Lula é o verdadeiro proprietário do
tríplex do Guarujá, Moro não recusou a denuncia. Seguiu na trilha e lançou um
argumento novo para justificar a acusação contra Lula.
Escreveu
que os trâmites finais da trama, que poderiam finalmente provar que ele seria o
verdadeiro dono do imóvel, talvez não tenham sido executados em função de um
problema de calendário. O presidente da OAS, Leo Batista, que iria efetivar a
transação, acabou preso – pela própria Lava Jato – antes da transferência da
propriedade ser consumada. Assim, uma pura hipótese, um exercício de
raciocínio, ajuda na tentativa de enquadrar e condenar Lula.
Mesmo
que a hipótese imaginária seja verdadeira, o que ainda está por ser
demonstrado, resta o fato essencial: a vantagem ilícita não se consumou.
Supondo que todos os lances anteriores do enredo anunciado sejam verdadeiros, o
que também não está demonstrado,
principal está aqui: o apartamento não mudou de dono. Lula nunca recebeu
as chaves. Nunca passou uma noite no local.
Como
nos filmes B de Hollywood, o ladrão foi preso antes do assalto, na porta do
banco. Cadê o saco de dinheiro, a prova do crime? Não importa. Lula é réu e
será julgado por corrupção e lavagem de dinheiro. Como a mídia grande fará seu
papel, o cirquinho está garantido.
A
tentativa de criminalizar Lula – e Paulo Okamoto, presidente do Instituto que
leva o nome do ex-presidente -- pelos milhões gastos pela OAS com a guarda do
acervo presidencial é ainda mais problemática. É difícil encontrar alguma
irregularidade – quanto mais um crime – neste caso.
A
prática de obter patrocínio para a proteção dos volumosos arquivos de quem
passou pela presidência da República não foi uma invenção de Lula mas se
justifica com base na lei 8394, de 1991, elaborada no governo Fernando Collor.
Ali se diz que os bens do “acervo presidencial privado são na sua origem, de
propriedade do Presidente da República, inclusive para fins de herança, doação
ou venda”.
A
mesma lei define que, embora se trate de patrimônio pessoal, sua natureza é
pública, impondo um “conjunto de medidas e providências a serem levadas a
efeito por entidades públicas e privadas, coordenadas entre si, para a
preservação, conservação e acesso aos acervos documentais privados dos
presidentes da República”.
Em
agosto de 2002, quando se preparava para deixar o Planalto, Fernando Henrique
fez um decreto para regulamentar a lei de 1991. Ali se diz, no artigo 3, que
“os acervos documentais privados dos presidentes da República são os conjuntos
de documentos, em qualquer suporte, de natureza arquivística, bibliográfica e
museológica, produzidos sob as formas textual (manuscrita, datilografada ou
impressa), eletromagnética, fotográfica, filmográfica, videográfica,
cartográfica, sonora, iconográfica, de livros e periódicos, de obras de arte e
de objetos tridimensionais”.
Com
base em seu próprio decreto, Fernando Henrique reuniu o acervo no IFHC, com
patrocínio da IBM, ainda um gigante mundial de informática, e outras empresas
privadas. Não havia nada de errado na decisão tomada. O apoio de “entidades
públicas e privadas” está previsto explicitamente na lei 8394.
É
tão cristalino que a maioria dos interessados entrou no patrocínio ao IFHC
através da lei Rouanet, o que permite uma observação curiosa. Além de assegurar
um gesto de agrado a memória de FHC, o acerto permitiu aos patrocinadores do
IFHC jogarem a conta para o contribuinte. Gozado, não?
Num
editorial, o Estado de S. Paulo investiu contra o auxílio da OAS ao acervo de
Lula. Numa linha maliciosa, lamentou que “Okamoto não esclareceu a
contrapartida para tanta generosidade”. Poderia ter feito a mesma cobrança de
FHC, não é mesmo? O problema é que isso iria atrapalhar o circo e mostrar que
neste espetáculo, o grande palhaço está na platéia.
Quando
se considera a identificação particular, quase íntima, que a maioria dos
brasileiros construiu na relação com Lula, em função de uma vitória de baixo
para cima, o que se programa é uma derrota pelo alto, uma revanche cruel e
miserável.
Vencedores
com Lula, serão derrotados através dele, ainda que se tente esconder este fato,
por todos os meios ao alcance dos interessados. Quando os brasileiros se derem
conta, será tarde: o país do 1% humilhou 99% mais uma vez.
Mesmo
sendo a conclusão lógica do processo, a prisão de Lula não é uma fatalidade.
Irá depender da capacidade da população reagir.
Este
é o movimento que tem força para colocar as peças da democracia em seu devido
lugar. A coragem daqueles que -- contrariando uma frase famosa -- já tem o que
perder além dos próprios grilhões faz nascer a vergonha dos acomodados que se
omitem. Também questiona o conforto dos bem situados que fingem que nada tem a
ver com o futuro da maioria dos brasileiros, daqueles que mostram caninos
afiados depois de exibir tantos sorrisos doces na hora em que pediam favores a
um grande homem, hoje caçado como um animal.
Esta
é a opção.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/256541/%C3%89-hora-de-mudar-o-jogo.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário