Montesquieu
concebeu o moderno estado liberal com três poderes independentes e harmônicos
entre si. O primeiro, o Executivo, encarregado da gestão, deve transformar em
ações os programas que prometeu realizar ao se eleger. O segundo, o Legislativo,
elabora as leis que ordenam a vida social. Como o Executivo, seus integrantes
se submetem periodicamente a eleições diretas e o voto universal define sua
permanência ou não.
O
terceiro poder, o Judiciário julga os conflitos, interpreta e aplica as leis,
estabelece sanções. Diversamente do Executivo e do Legislativo, os integrantes
do Judiciário não são temporários, têm caráter permanente. Juízes e
desembargadores são servidores públicos de carreira, estáveis, com
prerrogativas especiais – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos
vencimentos -, criadas para protegê-los das pressões inerentes ao exercício de
suas importantes e delicadas funções.
Há,
ainda, o Ministério Público, instituição encarregada da proteção do Estado
contra terceiros e contra o próprio governo. Suas principais funções, dentre
outras, são defender os direitos das minorias e da cidadania em geral,
denunciar agressões ao meio ambiente e prejuízos à saúde pública, preservar o
patrimônio público e fiscalizar a ação policial. Promotores e Procuradores da
República têm remuneração e prerrogativas semelhantes às dos juízes. O
Judiciário e o Ministério Público brasileiro estão entre os mais caros do
mundo, sua despesa atinge 1,8% do PIB do país, montante superior a 100 bilhões
de reais por ano, valor que supera o gasto da maioria dos estados brasileiros.
Em
tese juízes, desembargadores, promotores e procuradores, pela própria natureza
do exercício do cargo deveriam ter postura discreta, o mais distante possível
dos holofotes da mídia, das pressões da opinião pública e da disputa política,
lhes sendo vedado o exercício de atividades político-partidárias.
Como
servidores públicos de carreira sua atividade é regulada, no caso específico
dos juízes, pela Lei Orgânica da Magistratura. A lei é de 1979, sancionada em
plena ditadura. Desde 2014 está em discussão no Supremo um novo projeto de lei
a ser encaminhado ao Congresso. Verdade é que, pretextando a necessidade de
valorizar a profissão, a nova LOMAN cria uma série de benefícios que tornam a
remuneração da magistratura abusiva, completamente fora do contexto da
realidade salarial do país.
A
Lei Orgânica estabelece as funções, prerrogativas e vantagens do exercício do
cargo e, também, as sanções a serem aplicadas. A Corregedoria e o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) são os órgãos encarregados da fiscalização e da
aplicação das penalidades. Aí está o “x” da questão: um espírito corporativo ao
extremo impede que o CNJ e a Corregedoria funcionem na prática. As penalidades
são brandas e raras, muito raras. Mas existe algo mais grave: dentre os
servidores públicos os magistrados são os únicos “intocáveis”: constatado o
crime de improbidade a sanção se limita ao afastamento das funções, sem
prejuízo da percepção dos rendimentos.
Desde
2003 há no Brasil 46 juízes afastados por corrupção. Eles percebem em média 25
mil mensais, onerando os cofres públicos algo próximo dos 20 milhões de reais
por ano. Nos últimos 13 anos pouco mais de três penas graves foram aplicadas,
em média, por ano. Num universo de 16 mil juízes apenas 0,02% deles foram
punidos por improbidade ou que 99,98% deles tiveram conduta adequada ou próxima
do irrepreensível. Difícil de acreditar.
O
jornalista Marcelo Auler veiculou recentemente no seu blog um caso exemplar que
bem ilustra a impunidade que gozam os juízes brasileiros. Apenas um caso a mais
dentre os inúmeros que a imprensa veicula com frequência: o do juiz carioca que
desfilava com o Mercedes do réu de uma ação sua; o daquele que mandou parar um
avião que decolava e não sendo atendido deu voz de prisão aos funcionários da
empresa aérea ou aquele outro que deu um “carteiraço” num “azulzinho” que o
multou por dirigir sem carteira de habilitação, dentre muitos outros. No
Supremo temos uma figura sinistra que ofende colegas ministros, que opina sobre
política, que tem inclinação partidária, que concede habeas corpus suspeitos.
Ele é o símbolo nacional da impunidade e parcialidade do Judiciário.
O
episódio narrado por Marcelo Auler ocorreu lá no Pará. O juiz José Admilson
Gomes Pereira foi acusado de vender uma sentença por 300 mil reais, além de
beneficiar a esposa, uma advogada com ações tramitando na sua Comarca. Acusado
não soube explicar a origem de um depósito de 70 mil reais realizado em sua
conta bancária à época da denúncia. Em outubro de 2014 foi aberto o Processo
Administrativo Disciplinar (PAD) e ele foi afastado de suas funções. Como é
praxe, continuou a perceber seus subsídios, acrescidos dos auxílios alimentação
e moradia. Uma ação popular questionou o pagamento dos auxílios porque ele não
está trabalhando e, no momento, sequer reside no município de sua Comarca. Foi
mantido o pagamento dos auxílios ocorrendo apenas um solitário voto
discordante.
Talvez
por isso, pesquisa de opinião pública realizada pelo IPEA em 2014 apurou que
numa escala de 1 a 10 os magistrados brasileiros alcançaram uma nota 4,5.
Aprovados no concurso público, as “excelências” estão sendo reprovadas no teste
que realmente conta, o da vida.
.oOo.
Paulo
Muzell é economista.
http://www.sul21.com.br/jornal/os-juizes-punem-quem-pune-os-juizes/
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