sexta-feira, 30 de setembro de 2016

OS JUÍZES PUNEM; QUEM PUNE OS JUÍZES? Por Paulo Muzell

Montesquieu concebeu o moderno estado liberal com três poderes independentes e harmônicos entre si. O primeiro, o Executivo, encarregado da gestão, deve transformar em ações os programas que prometeu realizar ao se eleger. O segundo, o Legislativo, elabora as leis que ordenam a vida social. Como o Executivo, seus integrantes se submetem periodicamente a eleições diretas e o voto universal define sua permanência ou não.

O terceiro poder, o Judiciário julga os conflitos, interpreta e aplica as leis, estabelece sanções. Diversamente do Executivo e do Legislativo, os integrantes do Judiciário não são temporários, têm caráter permanente. Juízes e desembargadores são servidores públicos de carreira, estáveis, com prerrogativas especiais – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos -, criadas para protegê-los das pressões inerentes ao exercício de suas importantes e delicadas funções.

Há, ainda, o Ministério Público, instituição encarregada da proteção do Estado contra terceiros e contra o próprio governo. Suas principais funções, dentre outras, são defender os direitos das minorias e da cidadania em geral, denunciar agressões ao meio ambiente e prejuízos à saúde pública, preservar o patrimônio público e fiscalizar a ação policial. Promotores e Procuradores da República têm remuneração e prerrogativas semelhantes às dos juízes. O Judiciário e o Ministério Público brasileiro estão entre os mais caros do mundo, sua despesa atinge 1,8% do PIB do país, montante superior a 100 bilhões de reais por ano, valor que supera o gasto da maioria dos estados brasileiros.

Em tese juízes, desembargadores, promotores e procuradores, pela própria natureza do exercício do cargo deveriam ter postura discreta, o mais distante possível dos holofotes da mídia, das pressões da opinião pública e da disputa política, lhes sendo vedado o exercício de atividades político-partidárias.

Como servidores públicos de carreira sua atividade é regulada, no caso específico dos juízes, pela Lei Orgânica da Magistratura. A lei é de 1979, sancionada em plena ditadura. Desde 2014 está em discussão no Supremo um novo projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso. Verdade é que, pretextando a necessidade de valorizar a profissão, a nova LOMAN cria uma série de benefícios que tornam a remuneração da magistratura abusiva, completamente fora do contexto da realidade salarial do país.

A Lei Orgânica estabelece as funções, prerrogativas e vantagens do exercício do cargo e, também, as sanções a serem aplicadas. A Corregedoria e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são os órgãos encarregados da fiscalização e da aplicação das penalidades. Aí está o “x” da questão: um espírito corporativo ao extremo impede que o CNJ e a Corregedoria funcionem na prática. As penalidades são brandas e raras, muito raras. Mas existe algo mais grave: dentre os servidores públicos os magistrados são os únicos “intocáveis”: constatado o crime de improbidade a sanção se limita ao afastamento das funções, sem prejuízo da percepção dos rendimentos.

Desde 2003 há no Brasil 46 juízes afastados por corrupção. Eles percebem em média 25 mil mensais, onerando os cofres públicos algo próximo dos 20 milhões de reais por ano. Nos últimos 13 anos pouco mais de três penas graves foram aplicadas, em média, por ano. Num universo de 16 mil juízes apenas 0,02% deles foram punidos por improbidade ou que 99,98% deles tiveram conduta adequada ou próxima do irrepreensível. Difícil de acreditar.

O jornalista Marcelo Auler veiculou recentemente no seu blog um caso exemplar que bem ilustra a impunidade que gozam os juízes brasileiros. Apenas um caso a mais dentre os inúmeros que a imprensa veicula com frequência: o do juiz carioca que desfilava com o Mercedes do réu de uma ação sua; o daquele que mandou parar um avião que decolava e não sendo atendido deu voz de prisão aos funcionários da empresa aérea ou aquele outro que deu um “carteiraço” num “azulzinho” que o multou por dirigir sem carteira de habilitação, dentre muitos outros. No Supremo temos uma figura sinistra que ofende colegas ministros, que opina sobre política, que tem inclinação partidária, que concede habeas corpus suspeitos. Ele é o símbolo nacional da impunidade e parcialidade do Judiciário.

O episódio narrado por Marcelo Auler ocorreu lá no Pará. O juiz José Admilson Gomes Pereira foi acusado de vender uma sentença por 300 mil reais, além de beneficiar a esposa, uma advogada com ações tramitando na sua Comarca. Acusado não soube explicar a origem de um depósito de 70 mil reais realizado em sua conta bancária à época da denúncia. Em outubro de 2014 foi aberto o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e ele foi afastado de suas funções. Como é praxe, continuou a perceber seus subsídios, acrescidos dos auxílios alimentação e moradia. Uma ação popular questionou o pagamento dos auxílios porque ele não está trabalhando e, no momento, sequer reside no município de sua Comarca. Foi mantido o pagamento dos auxílios ocorrendo apenas um solitário voto discordante.

Talvez por isso, pesquisa de opinião pública realizada pelo IPEA em 2014 apurou que numa escala de 1 a 10 os magistrados brasileiros alcançaram uma nota 4,5. Aprovados no concurso público, as “excelências” estão sendo reprovadas no teste que realmente conta, o da vida.

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Paulo Muzell é economista.

http://www.sul21.com.br/jornal/os-juizes-punem-quem-pune-os-juizes/



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