Um
dos elementos mais constrangedores da grave crise político-institucional de
nossos dias, que ameaça engolfar de vez os fundamentos da democracia
representativa, é a partidarização em curso do Poder Judiciário, instituição já
de si pouco republicana e que, não obstante, pretende pairar acima dos demais
poderes, exatamente ele, o único que não deriva da soberania popular.
Protegidos
seus membros por uma vitaliciedade injustificável, foge o Judiciário como um
todo e o Supremo Tribunal Federal em particular, de qualquer transparência, blindando-se,
anacrônico Olimpo, em uma irresponsabilidade monárquica e em um corporativismo
auto-protetor que estimula comportamentos não condizentes com o exercício da
magistratura.
Essa
partidarização do Poder Judiciário é tanto mais assustadora quando se soma à
presente partidarização do Ministério Público, de que são exemplo as peripécias
dos procuradores que atuam na denominada operação Lava Jato.
A
quem cabe chamar 'as partes' ao bom-senso?
A
Corte Suprema pode ser avaliada pelo que fazem e deixam de fazer seus membros,
julgando e deixando de julgar, silenciando e falando. Última instância à qual
pode recorrer o cidadão, a judicatura suprema, exige, por isso mesmo, de seus
pares, imparcialidade, integridade, prudência e decoro.
O
Código de Ética da Magistratura condena a incontinência verbal, o prejulgamento
e a revelação de inclinação ou voto futuro em causa sujeita a julgamento, e
veda a um só tempo a filiação partidária e a expressão de preferências
políticas.
A
Constituição Federal (Art.95, parágrafo único, III) refere-se a "atividade
político-partidária" para estabelecer seu crivo à hipótese mais larga de
filiação política que é a filiação programática, a associação de interesses
político-eleitorais e finalmente, a judicatura comprometida, de que é/tem sido
contundente exemplo o comportamento do ministro Gilmar Mendes.
Conhecido
pela imprensa como "aquele que não disfarça", o ministro, atua, tanto
no STF quanto no TSE, como em suas entrevistas, em suas palestras, em suas
aulas, em seu Instituto, como líder de uma facção partidária, agredindo os
princípios constitucionais da impessoalidade e da imparcialidade, além de
desafiar permanente e deliberadamente os limites comportamentais estabelecidos
pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
No
exercício do cargo de ministro do STF, Gilmar Mendes eiva de parcialidade um
Tribunal que por definição constitucional deve perseguir a isenção e que chega
mesmo a reivindicar o papel de 'poder moderador' da República.
Na
presidência do TSE é ameaça à lisura da Justiça. Ameaça antecipada por Dalmo de
Abreu Dallari no artigo Degradação do Judiciário, publicado na Folha de S.Paulo
em 8 de maio de 2002.
Escrevia
o antigo professor da Faculdade de Direito da USP: "Se essa indicação [a
de Gilmar Mendes para o STF] vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em
afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o
combate à corrupção e a própria normalidade constitucional".
Como
se vê, Dallari não estava exagerando.
Pode
um ministro do STF antecipar seu voto mediante declarações à imprensa sobre
questão sob julgamento do STF, agredindo o art. 36 da Lei Orgânica da
Magistratura Nacional, que proíbe o magistrado "manifestar, por qualquer
meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de
outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos
judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício
do magistério"?
Pode
um juiz agredir o Código de Ética da Magistratura que exige (art. 1º) de seus
membros conduta norteada "pelos princípios da independência, da
imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência,
do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade
profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro"?
Pode
o ministro Gilmar falar sobre questões sob julgamento e votar como líder do
antipetismo e como líder, no STF, da oposição ao governo da presidente Dilma
Rousseff?
Gilmar
Mendes permitiu-se buscar os holofotes no episódio da indicação de Lula para o
ministério de Dilma, por ele acusada de estratagema que visava a inviabilizar
eventual julgamento do ex-presidente. Foi pródigo em diatribes, que a imprensa
registrou.
Não
obstante, nomeado relator de discutível mandado de segurança interposto pelo
PSDB e seu satélite PPS contra a posse de Lula na Casa Civil, não se sentiu
impedido, não teve o pejo de conceder liminar sustando a nomeação -- ajuizada,
aliás, por advogado que atua em escritório integrado por sua cônjuge.
Foi-se
o tempo em que o juiz só falava nos autos.
Em
artigo publicado na imprensa ("Judicatura e dever de recato", Folha
de S.Paulo, em 13 de setembro de 2015), Ricardo Lewandowski, então presidente
do STF, escrevia:
"A
circunspecção e discrição sempre foram consideradas qualidades intrínsecas dos
bons magistrados, ao passo que a loquacidade e o exibicionismo eram – e
continuam sendo – vistas com desconfiança, quando não objeto de franca repulsa
por parte de colegas, advogados, membros do Ministério Público e
jurisdicionados".
Foi-se
o tempo em que os ministros, essencialmente recatados, só recebiam as partes em
seus gabinetes. Evandro Lins e Silva estranhava a promiscuidade de juízes,
partes e advogados nos bares e restaurantes de Brasília, onde se trava e muitas
vezes se decide a campanha eleitoral dos candidatos aos tribunais superiores.
É
'o protagonismo extramuros', que Mendes também desenvolve em palestras para
empresários, agenciadas por instituto de que é dono, e participando de
convescotes reunindo políticos com interesses notórios no STF e no TSE.
Senão,
vejamos. Após almoço com líderes do PSDB, o ministro Gilmar Mendes pede abertura
de processo visando à cassação do registro do Partido dos Trabalhadores.
Apesar
de o Regimento do STF precisar em 30 dias o prazo para devolução dos autos sob
pedido de vista, Mendes sentou-se por longos 18 meses sobre o processo que
julgava a ADI interposta pelo Conselho Federal da OAB para declarar
inconstitucional o financiamento privado das eleições.
Em
seu voto de longas e cansativas cinco horas, o ministro anuncia que estava
tentando impedir o que qualificou de "manobra" do PT mancomunado com
a OAB!
Recentemente,
permitiu-se declarar, em mais um arroubo de sua conhecida incontinência verbal,
que considera a chamada 'Lei da Ficha Limpa', originária de iniciativa popular,
obra de bêbados, e criticar a lei eleitoral que, como presidente do TSE tem a
obrigação funcional de fazer respeitada.
Justamente
preocupada com tanto atentado à ordem jurídica, a Folha cobrou mais
responsabilidade do STF. Após registrar sinais de comprometimento de Gilmar
Mendes com os interesses do presidente do PSDB e ex-candidato Aécio Neves,
aconselha os ministros a evitar "atitudes que destoem das práticas do
Judiciário" (editorial "Seguir a cartilha", de 30 de maio de
2015).
O
jornal não esconde seu alvo: "Isso vale especialmente para o ministro
Gilmar, que agora acumula a presidência do Tribunal Superior Eleitoral com a da
segunda turma do Supremo, responsável por julgar os processos da Lava
Jato".
O
ministro com nada disso se importa, e por nada disso se emenda.
Atentos
a tantos descaminhos um grupo de juristas brasileiros – Celso Antônio Bandeira
de Melo, Fábio Konder Comparato, Álvaro Ribeiro da Costa, Sérgio Sérvulo da
Cunha, Eny Moreira e este escriba -- ingressaram na presidência do Senado
Federal com pedido de impeachment do ministro Gilmar Ferreira Mendes, nos
termos do Art. 52, inciso II, da Constituição Federal, e da lei nº 1079/1950.
Acusamos
formalmente o ministro de comportamento partidário, pois no exercício de suas
funções judicantes tem-se mostrado extremamente leniente com relação a casos do
interesse do PSDB e de seus filiados, tanto quanto rigoroso (mas desprimoroso
em seu linguajar pouco canônico) no julgamento de casos de interesse do Partido
dos Trabalhadores e de seus filiados, nomeadamente os ex-presidentes Luiz
Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, não escondendo, pois se considera acima
das leis, sua simpatia por aqueles e sua ojeriza por estes.
São
nossas testemunhas o escritor Fernando Morais, a historiadora Isabel Lustosa, o
jornalista e escritor José Carlos de Assis, o ex-deputado Aldo Arantes, o historiador
e professor Lincoln Pena. O dr. Marcelo Lavenère, ex-presidente do Conselho
Federal da OAB, é o advogado que acompanhará o processo no Senado Federal.
O
recebimento da denúncia depende de decisão pessoal do presidente do Senado,
senador Renan Calheiros, ameaçado, como outros senadores, por diversos
processos correndo no STF.
Se
o presidente do Senado sentir-se constrangido em face da decisão que haverá de
adotar, como não se sentirão os magistrados brasileiros e seus jurisdicionados
de um modo geral? A ação, pois, não é contra um ministro determinado, mas em
defesa da magistratura e do direito brasileiro, ora achincalhado.
Teatro
burlesco
A
imprensa foi chamada nesta última quarta-feira 14 para entrevista coletiva
mediante a qual seria anunciada, como o foi, a de há muito prometida denúncia
contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois, ao fim e ao cabo é esse o
desideratum de toda a faina policialesca corrente: assassinar politicamente o
ex-presidente Lula.
No
centro do histrionismo digno da fase mais decadente dos teatrinhos da velha
Lapa, no Rio de Janeiro, sobressaíram as dificuldades cênicas do procurador
Deltan Dallangnol, tentando suprir a ausência de elementos com uma retórica
canhestra e uma adjetivação de bar de esquina, que está a cobrar uma palavra de
seu chefe, o Procurador Rodrigo Janot.
Faltaram
aos procuradores as provas que o direito pede, e sobraram as convicções que um
certo fundamentalismo estimula. Mas acusar sem provas é mais do que
irresponsabilidade, pois se transforma em crime de difamação. Similar à
pantomina da República de Curitiba, vem à lembrança aquela outra do esquecido
coronel Job Lorena de Sant'Anna, apresentando o resultado do IPM sobre o
'atentado do Riocentro', quando um sargento morreu no exato momento em que
auxiliava um oficial do exército (na chefia da operação) na montagem de uma
ação terrorista felizmente fracassada.
O
coronel, valendo-se também de projeções e muitos desenhos e muita inventividade
e adjetivos a granel, anunciou em entrevista para a qual também foi chamada a
grande mídia, que lhe deu os espaços requeridos, que os responsáveis pelo
atentado frustrado e pela morte do militar 'eram os comunistas', milhares de
jovens que no interior do Riocentro – um gigantesco Centro de Convenções na Barra
da Tijuca, RJ, se preparavam para ouvir Chico Buarque de Holanda. Jovens que
seriam assassinados se a bomba não tivesse explodido no colo do sargento
auxiliar do capitão terrorista.
O
que estamos a ver, e viver, porém, não passa de mais um capítulo na sucessão de
episódios lamentáveis que caracterizam, após o golpe continuado, a gradual
implantação da 'ditadura constitucional'. A tentativa de eliminação de Lula é
apenas mais um episódio, violento, mas apenas mais um numa sucessões de
agressões planejadas. Outras virão.
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/robertoamaral/255649/O-impeachment-do-ministro-Gilmar-Mendes-e-a-pantomima-de-Curitiba.htm
Um comentário:
Estou indignada com a farsa política que está acontecendo neste país,sem qualquer respeito as liberdades democráticas, aos direitos do cidadão, cometidos por quem deveria preservar estes direitos! O povo brasileiro está chocado com tanta desfaçatez! Onde estão os brasileiros honrados, democratas e respeitadores dos doreitos humanos? Parece que grande parte dos políticos estão vendido e acuados. Grande parte dos JUDICIA´RIO também! Uma minoria está comandando esta farsa política que desrespeita a constituição brasileira, o livre arbítreo do povo, e sem qualquer constrangimento distorcem os fatos e julgam e condenam sem apresentar provas reais e concrétas, com a maior desfaçatez. ONDE ESTÃO OS INTELECTUAIS, OS JUIZES HONRADOS deste país?
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