Todos
já sabem, dentro e fora do Brasil, que o impeachment é uma farsa para tirar do
poder a presidenta eleita e o PT. Não há crime para condenar Dilma. Se a
justificativa for ainda o combate à corrupção, os mentores do golpe deveriam
também ser acusados pela Lava Jato. Evidências não faltam, aliás, são
abundantes e existem há muito tempo. Basta lembrar o excelente trabalho do
jornalista Amaury Ribeiro Jr., que apresentou farta documentação das contas de
tucanos em paraísos fiscais em seu livro Privataria tucana.
Mas
a Lava Jato, assim como a cassação de Eduardo Cunha, está em marcha lenta,
tentando achar um jeito de encerrar as investigações e anistiar o deputado que
foi o líder do impeachment no Congresso. Talvez isso seja até possível por
conta de a maioria dos deputados federais correr o risco de ir para a cadeia,
acusada de desvios de dinheiro público e de recebimento de propina e dinheiro
ilegal para suas campanhas eleitorais. Eles foram eleitos com dinheiro das
grandes corporações para defender no Congresso esses interesses, não estão
preparados para exercer o mandato, expressam a mínima preocupação com o
interesse público.
Para
que a farsa se conclua com a deposição de Dilma e a inabilitação de Lula para
disputar as próximas eleições presidenciais é preciso a conivência do Supremo
Tribunal Federal, a instância máxima da justiça em nosso país. E, se não há
crime que possa ser imputado à presidenta, é visível que essa conivência existe
e opera para dar suporte jurídico ao golpe.
A
percepção pela população da crise política de representação se torna cada vez
mais ampla. As vaias olímpicas dirigidas ao presidente interino mostram que
mesmo aqueles que se insurgiram contra a corrupção no governo Dilma se deram
conta de que os encontros de Eduardo Cunha e Michel Temer continuam e não têm
nada de republicano ou democrático, pois tramam o golpe e a anistia para si e
para seus pares. Michel Temer é refém de Cunha, que ameaça levar todo o núcleo
do governo para o inferno se abrir a boca, incluindo o presidente interino. A
pressa de Temer para concluir o impeachment tem a ver com as imunidades que ele
adquire se se efetivar na Presidência.
É
triste, é lamentável, mas a elite brasileira, ao comprar a eleição e formar
bancadas no Congresso para garantir seus interesses, elegeu a pior escória da
política nacional. A democracia brasileira foi tomada de assalto por
oportunistas que querem vender o mais caro possível seu voto. Para quem pagar
mais. Os partidos políticos, enquanto portadores de projetos de sociedade, não
existem mais. Foram sacrificados no altar das Igrejas evangélicas e dos donos
do mercado. Poucos sabem que 38% do Congresso é formado por evangélicos que
votam conforme o interesse de sua Igreja. E que 70% do Congresso obedece aos
interesses das grandes corporações (bancadas dos bancos, do agronegócio, da
bala etc.). Afinal, esses atores do golpe investiram grande parte dos R$ 5,1
bilhões gastos na eleição de 2014.
Agora
temos o governo Temer. Aprovada a destituição da presidenta pelo Senado, acaba
o período de contemporizações. Os que bancaram o golpe cobram sua fatura: o
ajuste. Não é toda a sociedade que vai pagar o pato, isto é, esse ajuste. São
os trabalhadores e seus familiares, são todos os que vivem de seu próprio
trabalho, incluindo as classes médias.
Não
se toca em um tostão dos mais ricos, que continuam recebendo o lucro de seus
negócios sem pagar nada de imposto por isso. Desde 1997, lucros e dividendos
deixaram de pagar imposto de renda no Brasil. Foi o governo de Fernando
Henrique Cardoso que tomou essa decisão. Nenhuma grande economia mundial abriu
mão de cobrar impostos sobre o lucro e os dividendos das empresas. Nos Estados
Unidos, esse imposto é de 35%. Se tivéssemos esses recursos, muitos dos
problemas da crise poderiam ter sido debelados.
Os
direitos sociais consolidados na CLT, nas políticas da Seguridade Social, nas
aposentadorias, nos reajustes, na saúde e na educação serão drasticamente
reduzidos. É o propósito da PEC n. 241, que está para ser aprovada no Congresso
e torna o Estado mínimo, impondo um teto para o gasto público, uma regra para
valer para os cinco próximos governos! Se tomarmos a saúde como exemplo, a
proposta da PEC pretende cortar algo como 70% da verba para a área num período
de dez anos.
É
também o fim de um período em que o Brasil teve uma projeção internacional e se
articulou com blocos de países para buscar novas relações comerciais e criar na
geopolítica mundial um mundo multipolar, capaz de enfrentar as pressões e os
interesses norte-americanos. Essa política acabou. Seremos mais uma vez o
quintal dos Estados Unidos.
Para
os que defendem a democracia e os direitos sociais, é uma vergonha o que se
observa no Brasil. É um retrocesso enorme nos direitos que antes eram
assegurados pela Constituição de 1988. É o fim do período democrático que se
abriu em 1985. E não sabemos a natureza do regime autoritário que se inicia com
o golpe.
* Silvio
Caccia Bava é diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/09/o-congresso-e-justica-tem-lado.html
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