"Fernando
Henrique Cardoso se perpetuou no poder graças a um dos mais escandalosos
delitos da história política do país: a compra de votos para a emenda da
reeleição", diz o procurador Márcio Sotello Felippe, em artigo publicado
neste fim de semana; "Nunca vimos nem veremos um powerpoint reproduzindo
esse esquema sórdido, com cobertura em tempo real da mídia, à semelhança do que
foi apresentado ao melhor estilo Goebbels por procuradores da República contra
Lula"
LULA, A
CASA GRANDE E A SENZALA
Nunca
haverá um power point denunciando FHC e a compra de votos para a sua reeleição
Por
Márcio Sotelo Felippe, em CartaCapital, 16/09/2016
Fernando
Henrique Cardoso se perpetuou no poder graças a um dos mais escandalosos
delitos da história política do país: a compra de votos para a emenda da
reeleição. Todo o aparato repressivo do Estado sabe. Existem gravações e
recentemente a delação premiada do ex-deputado Pedro Correa fez emergir o
assunto.
Foram
gravados confessando a venda de votos os ex-deputados Ronivon Santiago, Osmir
Lima, Chicão Brígido e Zilla Bezerra. Os “operadores”, como são designados no
mundo da política brasileira aqueles que fazem o trabalho sujo de aliciar e
fazer com que o dinheiro chegue aos bolsos dos corrompidos, seriam Sérgio
Motta, Luiz Eduardo Magalhães, Pauderney Avelino, Amazonino Mendes, Orleir
Camelli.
Do
outro lado estava, sempre segundo Pedro Correa, Olavo Setúbal. Patriarca do
Itaú, um dos maiores e mais respeitados banqueiros do país e personalidade da
República, chafurdava na lama “operando” para comprar votos contra a reeleição,
visando beneficiar Paulo Maluf, aquele tantas vezes sufragado pela classe média
branca que vai à avenida Paulista expor sua indigência política e moral.
Setúbal, segundo o Correa, passava bilhetinhos encaminhando parlamentares a
doleiros.
Nunca
vimos nem veremos um powerpoint reproduzindo esse esquema sórdido, com
cobertura em tempo real da mídia, à semelhança do que foi apresentado ao melhor
estilo Goebbels por procuradores da República contra Lula. Nunca mostrarão à
sociedade um círculo com o nome Fernando Henrique Cardoso e 14 círculos ao
redor com frases do tipo “perpetuação criminosa no poder” ou “Sérgio Mota”. A
razão, sinteticamente: porque uma coisa é ser da Casa Grande, outra é ser da
Senzala.
O
espetáculo deplorável de quarta-feira 14, com a apresentação de uma enxurrada
de acusações contra um ex-presidente da República sem “provas cabais” não deve
ser visto meramente como parte de um singelo jogo político com vistas às
eleições de 2018. Ele é em parte isto. Mas é sobretudo um retrato escancarado
do Brasil, o país da Casa Grande e da Senzala e de um modo muito peculiar da
dominação de classe.
Que
peculiaridade é esta? Ela está contida em uma frase profética de Joaquim
Nabuco, escrita durante a campanha abolicionista: a escravidão contaminou de
tal forma a sociedade brasileira que a moldaria ainda por muito tempo. De fato,
abolida a escravidão, a elite e os que aspiram a ser elite (como os branquinhos
da Paulista) sempre se viram acima e à parte da massa de negros, pobres, dos
serviçais que limpam suas privadas e dormem nos cubículos das áreas de serviço,
uma das contribuições da arquitetura brasileira ao mundo.
Por
isso Fernando Henrique Cardoso, sob cuja presidência foram cometidos crimes dos
quais há provas cabais, é o príncipe dessa elite filofascista. Mas o pau de
arara que escapou dessa lógica de dominação precisa ser aniquilado, mesmo que
com sua ação jamais tenha, de fato, posto em real risco a estrutura de
dominação.
A
dominação de classe não se perfaz por uma estrita racionalidade instrumental.
Precisa da dominação ideológica, precisa capturar e manipular a consciência da
massa para legitimar a violência do Estado e ao mesmo tempo aprofundar a
dominação. A racionalidade instrumental precisa, pois, do irracional para ser
eficaz.
O
método fascista clássico é o de construir no imaginário social entes, grupos,
segmentos que são apresentados como uma espécie de degeneração do humano,
capazes de todo mal e na iminência de perverter definitivamente a sociedade.
O
processo que estamos vivendo agora consiste na nossa jabuticaba fascista: a
moralmente deformada, elitista e preconceituosa elite brasileira profetizada
por Nabuco e o clássico método fascista de dominação mesclados.
Não
faço a menor ideia de qual é o patrimônio de Lula. A favor dele milita a
presunção de inocência e a dignidade que a Constituição assegura a todo
brasileiro.
De
tudo, resta uma certeza: o retrato do Brasil não é o apartamento do Guarujá. O
retrato do Brasil é a guerra sórdida de propinas denunciada por Pedro Correa
entre Olavo Setúbal, o maior banqueiro do Brasil, e a dupla FHC-Serjão, nos
porões do Congresso. Porque a Casa Grande pode tudo.
*Marcio Sotelo Felippe é
pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São
Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de
1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal.
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/255731/Haver%C3%A1-um-PowerPoint-denunciando-FHC-por-comprar-a-reelei%C3%A7%C3%A3o.htm
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