No
31 de agosto, ao voltar do trabalho, minha filha Isabel se preparava para ir ao
ato de protesto contra o GOLPE, que se realizava aqui em São Paulo, como em
diversas cidades. Fui junto.
Quando
chegamos na Avenida Paulista, a passeata já tinha saído do MASP e seguia em
direção ao centro. Passamos por uma fileira de policiais militares e logo
conseguimos alcançar o final da passeata. Caminhamos rapidamente por toda a av.
Paulista (pois minha caçula pretendia encontrar com amigas, que estavam mais
adiante, e íamos encontrar a outra filha, Mariana, que sairia da USP e também
estaria à frente).
Foi
uma manifestação absolutamente pacífica, com brados e vários dizeres. Pude
cantar várias delas, inclusive uma das minhas favoritas: “nem recatada e nem do
lar: a mulherada tá na rua pra lutar”!!
Passei
em frente ao prédio da policia militar/bombeiros que fica na Consolação, onde
estava uma fileira de policiais, fortemente armados, com escudos, sendo
fotografados por vários profissionais.
Durante
todo o trajeto, não presenciei um ato sequer de violência.
Seguimos
mais adiante, passamos da altura da Rua Maria Antonia. Um grupo entrou na Rua
Amaral Gurgel e uma parte ficou mais atrás, e começou a dispersão, porque as
bombas começaram a pipocar. De longe eu via a fumaça se erguer e ouvia os
estrondos. Não pensei que poderia ser atingida, dada a relativa distância que
me encontrava.
Atravessei
a rua em direção à Praça Roosevelt e estava quase em frente à Igreja da
Consolação. De repente, um forte impacto na minha testa. Uma dor, uma ardência
e o sangue jorrando, de modo que nem conseguia abrir o olho e não entendia o
que estava acontecendo. Não sabia onde estava ferida e tossia muito porque a
garganta também ardia.
Minha
filha ajudou a estancar o sangue, apertando o casaco dela no ferimento. Vi que não tinha sido atingida no olho. Era
um corte no supercílio. Fui para o hospital, onde soube que uma pessoa também
dera entrada com um ferimento de estilhaço na perna. Deram quatro pontos no meu
supercílio. Fizeram tomografia e tive certeza que não tinha acontecido nada na
cabeça.
De
tudo que vivi e presenciei no 31 de agosto, que se repetiu no dia de ontem
(4.9.16), é forçoso que eu conclua que a polícia vandaliza o direito de
protesto, um dos primeiros direitos humanos, mas que não paralisará as pessoas,
porque estão todos na base: nenhum direito a menos!
Por
certo que a repressão policial, a violência contra os manifestantes que de
forma pacífica estão a exercer o legitimo direito de reunião e livre
manifestação e expressão, não é gratuita e não é fruto do despreparo da
polícia.
É
pura escolha. Tem finalidade. Querem proibir o exercício de direitos próprios
de uma sociedade democrática. Querem incutir o sentimento de medo, que como
canta Lenine: “O medo é uma força que não me deixa andar” (Miedo).
Mas
se enganam redondamente, pois encaramos todos os medos, não vamos deixar que
eles peguem o amor e não vamos deixar que eles apaguem a vida.
Os
mais de cem mil manifestantes de ontem, um mar de pessoas (jovens, crianças com
familiares, idosos, estudantes, trabalhadores, de todas as faixas etárias) que
caminharam e protestaram, da Av. Paulista até o Largo da Batata, saem mais
fortes com cada passo que deram por aquele asfalto. Saem mais fortes com a
repulsa à violência.
Não
tenho dúvida que parte da imprensa, a que não exerce o seu papel com um mínimo
de ética, dirá que se tratava de quebra-quebra, de baderna. Não mostrará as
cantorias, não mostrará que caminhavam pacificamente a exteriorizar o seu
pensar. Sabemos das várias metodologias que a imprensa utiliza para manipular a
realidade, como bem ensinou Perseu Abramo (em Padrões de manipulação da grande
imprensa), mas testemunhos não faltam para dizer que a festa da luta, foi
bonita pá! Até o momento que a polícia resolveu atacar barbaramente a
população.
Nesta
quadra, é bom lembrar o sentido do
direito fundamental que a
Relatoria Especial para Liberdade de Expressão, da OEA-Organização dos
Estados Americanos, indica no documento
“Marco Jurídico sobre o direito a liberdade de expressão” , para as
três funções primordiais da mesma: a)
trata-se de um dos direitos individuais que de maneira mais clara
reflete a virtude que acompanha e caracteriza os seres humanos: a virtude única
de pensar o mundo desde a perspectiva própria e de comunicar-se com outros para
construir um modelo de sociedade; b) em segundo lugar, a importância da liberdade de expressão deriva de sua relação estrutural com a
democracia, qualificada como estreita, indissolúvel, essencial, fundamental, de
modo que o objetivo do artigo 13 da Convenção Interamericana é o de fortalecer
o funcionamento do sistema democrático pluralista, mediante a proteção e
fomento da livre circulação de informações, idéias e expressões de toda índole;
c) finalmente, trata-se de um ferramenta
chave para o exercício dos demais direitos fundamentais e por esta importância,
encontra-se no centro de sistema de
proteção dos direitos humanos.
O
rompimento institucional democrático, que tivemos com o impeachment da
Presidenta Dilma, esta sendo aprofundado e, nesta medida, pretende atingir
radicalmente os direitos civis, econômicos e sociais.
A
truculência da ação da polícia contra o primeiro dos direitos fundamentais, o
direito de protestar, conectado com o direito de reunião, manifestação e
expressão, é para impedir a luta contra o retrocesso em relação aos demais
direitos. É tentar tirar a base para a preservação dos demais direitos.
O
direito de protestar é o único que pode fazer valer os demais direitos
fundamentais, especialmente destinados aos mais vulneráveis e à diversidade.
Numa
sociedade democrática, as marchas e manifestações devem ser protegidas pela
polícia e pelos poderes do Estado, e não atacadas.
Nenhum
direito à menos! Muito menos o de protestar!
Kenarik
Boujikian é magistrada do TJSP, cofundadora da Associação Juízes para a
Democracia
***
http://www.ocafezinho.com/2016/09/05/a-policia-vandaliza-o-direito-de-protesto-por-kenarik-boujikian/
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