Em
entrevista à Fórum, o advogado e professor Silvio Luiz de Almeida, autor do
recém-lançado “Sartre: Direito e Política”, fala sobre o golpe em curso no
Brasil
Ao
mesmo tempo que constrói uma visão diferente da obra sartriana, em “Sartre:
Direito e Política”, recém-lançado pela Boitempo Editorial, o professor e
advogado Silvio Luiz de Almeida resgata o confronto entre o direito, a
política, a filosofia e a aplicabilidade das políticas públicas.
Em
entrevista à Fórum, o autor do livro e presidente do Instituto Luiz Gama fala
sobre a obra e a relaciona com o momento político do país. Confira.
Fórum
– Sartre prestou, em texto, solidariedade aos militantes contra ditadura
militar no Brasil e, naquele momento, fez uma análise dos juristas a partir da
cultura burguesa. Há uma relação entre as análises deste texto e o golpe, dessa
vez parlamentar, em curso no Brasil?
Silvio
Luiz de Almeida: Existe, sim, porque o que tenho notado é que a gente tem uma
dificuldade muito grande de aprender com os próprios erros. Em primeiro lugar,
o que a gente percebe é que logo nos seus primeiros textos, Sartre chama muita
atenção para o modo como os juristas são formados subjetivamente em torno dessa
cultura que ele chama de Cultura Burguesa Liberal. O que se nota é que, mesmo
os juristas que são contrários ao golpe parlamentar, eles não conseguem fazer
um debate que vá além das prisões e amarras do próprio pensamento jurídico que
tem origem no pensamento liberal.
Veja,
nos comunicamos e falamos sobre o que está acontecendo no Brasil, que é de fato
um momento político motivado por questões de ordem econômica, por disputas de
poder, mas a gente só consegue falar de ataque à Constituição, Estado de
Direito e democracia nos limites formais da Lei. Nós não conseguimos falar e
mostrar para as pessoas quais são os interesses reais que estão em jogo. O que
nos leva a esquecer duas coisas: primeiro que o direito e os juristas,
historicamente, com algumas exceções, nunca tiveram compromisso efetivo com a
democracia e com a participação popular, muito pelo contrário. Se olharmos para
1964, por exemplo, Sartre nos diz o seguinte: nós achamos que é possível
conciliar certas coisas e que o direito é o campo da conciliação e que nós não
enxergamos o direito como campo do conflito.
Obviamente,
nós não abandonamos o debate jurídico, mas não podemos ficar presos a ele. Se
nós olharmos para 1964, da mesma forma que hoje, a OAB, o Ministério Público e
o Judiciário também participaram apoiando o golpe. Depois, com as
circunstâncias políticas eles mudaram de opinião. Ou seja, a legalidade nunca
foi uma garantia de democracia. Assim como os juristas, na sua formação, nunca
foram pessoas que cultivaram e cultuaram a democracia. Personagens que de
alguma forma se aproveitaram de tudo que aconteceu no Brasil na década de 1960
voltaram agora no ano de 2016.
Enquanto
não formos capazes de fazer um debate político e econômico, capazes de mostrar
os interesses que estão em jogo e fazer uma conexão com a população de forma
orgânica, a gente vai ficar rodando em falso. De novo o Brasil está sendo
golpeado. Mesmo juristas críticos estão atônitos esperando serem salvos por
instituições como o judiciário e a OAB, que em outras ocasiões já se mostraram
profundamente comprometidas com forças e circunstancias antipopulares.
Fórum
– É uma crítica difícil. Como compor esse quadro?
Almeida
– É, esse é o problema em não fazermos as conexões entre legalidade, política e
economia. Isso não está acontecendo à toa. Acontece que é um jogo que tem
inclusive tentáculos internacionais e, em seu texto, Sartre é solidário aos
revolucionários contra o golpe em 1964 porque sabe que não aprendemos uma
coisa: não há burguesia boa. Há um movimento aí, há interesses que são
antipopulares, e o golpe começou antes, em 1961, e seus motivos são econômicos
e estavam ligados ao capital internacional. Sarte já alertava isso nos anos
1960. É impressionante a atualidade desse texto.
Fórum
– “Não existe boa burguesia”… Como a ideia apontada como central por Sartre e o
fortalecimento da burguesia nacional podem ter corroborado o golpe?
Almeida
– Acho que fizemos a mesma coisa. O governo do PT, não podemos deixar de falar
isso, mostra que o arranjo político que foi feito e os levou ao poder trouxe
uma série de coisas interessantes e boas para a classe trabalhadora, desde
políticas sociais a políticas afirmativas. Isso foi fundamental para as pessoas
mais pobres, é inegável. Mostra que existem arranjos do capital que podem ser
menos prejudiciais às pessoas pobres, mas isso tem um limite e nós chegamos
nesse limite. Quando a presidenta Dilma Rousseff tentou mexer em um dado
estrutural da economia e do capital financeiro que é o juro, nesse momento ela
abriu as portas para o impeachment. Foi exatamente isso que revelou uma disputa
entre frações do capitalismo, disputas de poder.
Em
determinado momento o PT acreditou que era possível fazer aliança com certos
setores do capital, acho que a FIESP demonstra bem isso. Há um tempo a FIESP,
junto ao PT, assinou um documento que se comprometia a uma série de medidas
para a economia, incluindo a baixa dos juros, a redução da tarifa de energia
elétrica. A partir do momento que esse acordo não pode mais ser mantido, essas
mesmas forças se uniram com os trabalhadores e indicaram o vice na chapa que se
tornou o presidente, depois ajudaram a tirar os trabalhadores do poder. Vemos
aí algo que Sartre já apontava, os interesses do capital e da burguesia se
sobrepõe inclusive aos pactos de determinados momentos históricos. Momentos de
crise, certamente, vão revelar esse conflito que marca a própria estrutura do
funcionamento da sociedade.
Por
Matheus Moreira
http://www.revistaforum.com.br/2016/09/06/a-legalidade-nunca-foi-garantia-de-democracia/
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