O chanceler golpista José
Serra não consegue se conter em seus impulsos antidemocráticos. Mesmo
denunciado por Marcelo Odebrecht na Operação Lava Jato, pelo suposto recebimento
de 23 milhões de reais de forma ilegal e corrupta, o ministro interino tenta
articular – por simples oportunismo e com argumentos para lá de desonestos
intelectualmente – um atropelo aos acordos feitos pelos países do Mercosul, com
o intuito de prejudicar a Venezuela, evitando que assuma a presidência
temporária do bloco, que é rotativo.
Um dos
"argumentos" de Serra é o de que a Venezuela não teria cumprido com o
rito de internalização dos acordos feitos no Mercosul, dando ênfase ao
Protocolo de Ushuaia, que é um acordo de respeito à democracia, celebrado em
1998 e, depois, reafirmado em 2011, associando o respeito aos direitos humanos
como condição das liberdades democráticas.
Ora, trata-se do roto
falando do esfarrapado, para dizer o mínimo da hipocrisia de José Serra. Nenhum
país internalizou todos os acordos até hoje, inclusive o Brasil, que tem até
certa tradição em não incorporar toda a base legal do Mercosul.
Quanto ao Protocolo de
Ushuaia, sobre o respeito à democracia, a Venezuela não internalizou o primeiro
protocolo porque não fazia parte do bloco na época, mas já internalizou o
segundo, que também trata dos direitos humanos e que é bem mais avançado que o
primeiro.
Já o Brasil se nega a
discutir este segundo, ainda mais agora em tempos de golpe parlamentar contra
nossa democracia. Além disso, o Brasil é destaque mundial em diferentes
violações de direitos humanos, seja de povos indígenas, de populações pobres e
periféricas, mulheres e população LGBT. Será que o ministro golpista não sabe
disso?
Será que seus assessores não
sabem disso? Duvido. A desonestidade intelectual do chanceler interino é,
portanto, flagrante. Sem falar que quem participou de um golpe contra 54
milhões de votos não tem moral para acusar a Venezuela de antidemocrática.
Dentre os demais países do
Mercosul, o que vem se afinando mais explicitamente com essa política mesquinha
de Serra é o Paraguai. Esse posicionamento se explica por dois motivos: 1)
primeiro, tendo aquele país sofrido anos atrás um golpe institucional-parlamentar
bem semelhante ao que atravessamos, natural que o governo de lá se alinhe aos
golpistas daqui;
2) segundo, pelo tratamento
torpe que o ruralismo plutocrata confere ao Paraguai, considerado pelos grandes
latifundiários e grileiros fronteiriços como apenas uma extensão de seus
enormes quintais (o que inclui o extermínio de povos indígenas guaranis,
vítimas de pulverizações aéreas de agrotóxicos e de balas, mesmo), não parece
estranho o Paraguai se aliar a José Serra.
Enquanto isso, o governo argentino
de Macri se posta confortavelmente em cima do muro e opera um apoio discreto à
posição de Serra.
Esse é o momento dos
parlamentares do ParlaSul denunciarmos a hipocrisia e o golpismo do governo
"interino" de Temer. Concordemos ou discordemos das políticas
internas do governo venezuelano (eu mesmo sempre critiquei duramente os desvios
antidemocráticos de Maduro e muitas de suas políticas, com as quais discordo),
este foi eleito em um pleito mais do que fiscalizado pela comunidade
internacional.
O (péssimo) hábito de
desconsiderar o que a maioria da população decide nas urnas não pode virar
produto de exportação made in Brasil.
Aliás, a situação atual da
Venezuela é um espelho interessante para o Brasil se olhar. O governo Maduro é
um desastre e levou o povo venezuelano a uma situação de calamidade social e
econômica, polarização política, autoritarismo e caos (não sem a contribuição
da plutocracia venezuelana e de uma parte da oposição, a mais radicalizada do
lado direito, que também promoveu a violência e o caos e ajudou a
desestabilizar o país).
Hoje, a maioria da população
quer a saída de Maduro, que perdeu as últimas eleições legislativas. Contudo,
as principais lideranças atuais da oposição, com maioria folgada no parlamento,
não promovem um golpe, como fez a oposição de direita no Brasil.
Recorrendo a um instrumento
incorporado na Constituição pelo chavismo (o referendo revogatório) a oposição
reuniu milhares de assinaturas e está solicitando que seja realizado um
plebiscito para que o povo decida sobre a continuidade de Maduro. Tudo dentro
da lei e da Constituição desse país, sem golpes ou manobras e de forma
democrática.
O povo vai decidir.
Exatamente o contrário do
que os golpistas brasileiros fizeram, inventando um crime de responsabilidade
inexistente para afastar a presidenta com uma maioria artificial no parlamento
e colocando um presidente interino sem votos e sem apoio popular.
Por isso, mesmo não gostando
do governo Maduro, não posso deixar de denunciar a hipocrisia de Serra e a ilegitimidade
de suas intenções. Ele é o menos indicado para falar.
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/jeanwyllys/248895/Serra-comanda-um-novo-golpe-agora-no-Mercosul.htm
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