Hitler
deu um golpe inteiramente 'legal', através de uma votação no Parlamento. com o
apoio da classe média alta. Se olharmos os métodos, como se parecem!
“Nem
sempre o que é, parece. Mas o que parece, seguramente é”. Ditado brasileiro.
Muito
se tem escrito, contra e a favor, sobre semelhanças e diferenças entre o golpe
nazista de 1933 e o que hoje está em curso no Brasil.
Bom,
vamos começar por alguns personagens principais. Ninguém de bom senso vai
comparar o tacanho e tragicômico Michel Temer com o trágico e sinistro Adolf
Hitler. Nem um nem outro merecem tanto. Aquele, “do lar”, este, bem, também era
“do lar”, abstêmio, vegetariano, fiel pelo que se sabe, mas, de qualquer modo e
por exemplo, os penteados eram completamente diferentes. Além disto, Hitler
ficou no poder durante doze anos, de 33 a 45, digamos. Temer não ficará tanto.
No Inferno de Dante Hitler estaria na boca de Lúcifer, mascado com os grandes
traidores da história. Onde estará Temer? Provavelmente na porta do Inferno. Nem
lá ele será admitido. Na porta, sem direito nem a meia-entrada, estão os que
carecem até mesmo de um forte caráter pecador. Para alegria dos pós-modernos,
estão no não-lugar universal e eterno.
Também
ninguém vai comparar o grotesco Cunha ao também grotesco Göring, que foi quem
presidiu a sessão do Reichstag que começou o golpe de estado nazista em 23 de
março de 1933. Se estivessem num romance de Dostoyevski, ambos seriam
qualificados como psicopatas. Mas não esteve um, nem está o outro. Vamos
aguardar para ver como a história qualificará o mais recente deles. Boa coisa
não será.
Agora,
se olharmos os métodos, como se parecem!
Em
primeiro lugar, Hitler deu aquilo que a revista alemã qualificou, em relação ao
Brasil, um “kalter Putsch”, um “golpe frio”, ou “branco”, na nossa tradição.
Foi um golpe inteiramente “legal”, através de uma votação no Bundestag, o
Parlamento, depois confirmado pelo Bundesrat, que equivaleria ao nosso Senado
(como deve acontecer), assinado pelo presidente von Hindenburg, e largamente
deixado correr ou apoiado pelo Judiciário.
O
golpe ganhou o nome histórico de “Ermächtigungsgesetz”, que poderia ser
traduzido por “Lei de Empoderamento”. Era muito breve, como o nosso Ato 5:
tinha um preâmbulo de algumas linhas e cinco artigos. Em essência, dizia que o
Gabinete Executivo - presidido por Hitler - tinha poderes para decretar leis
sem aprova-las no Parlamento, e que estas leis estariam acima da Constituição,
que não poderia ser invocada para contesta-las. Dizia que a exceção se referia
ao Bundestag e ao Bundesrat, coisa que, evidentemente, foi desrespeitada
depois. Ou seja, como hoje no Brasil, rasgava-se a Constituição “legalmente”, e
abria-se o período de exceção, diante de uma pequena burguesia (hoje diríamos
alta classe média) gessificada pelo medo da ascenção dos “debaixo”. Mas tanto
lá como hoje, nesta classe média isto não era unânime, diga-se de passagem. Por
isto a repressão que se seguiu foi generalizada. E hoje, não será?
Mas
houve também o processo de votação. Como o nosso presidente da Câmara, Göring
se dedicou a criar regras próprias para a votação. Depois do incêndio do
Reichstag, no final de fevereiro de 1933, Hitler desejou que na nova votação
que haveria no começo de março ele tivesse assegurada uma maioria absoluta no Bundestag.
Isto não aconteceu. O Partido Nacional-Socialista precisava ainda do apoio de
partidos de coalizão (basicamente o Partido do Centro, católico - parecido com
os evangélicos de hoje - e o Partido Nacional do Povo Alemão, coligado com os
nazistas. Por isto os nazis decidiram adotar o caminho da Lei do Empoderamento,
para prescindirem deste apoio futuramente. E os outros morderam a isca.
Mas
houve mais. A Constituição alemã previa que para uma votação destas, que a
modificava, era necessária a presença de dois terços dos deputados, ou seja,
432 dos 584 membros. Para vencer esta dificuldade, Göring inventou uma nova
conta. Como os comunistas tinham sido acusados pelo recente incêndio do prédio
do Reichstag (o Parlamento se reunia num teatro, a Casa da Ópera Kroll), os
deputados do KDP (Kommunist Deutsche Partei) tinham sido presos, banidos, ou
estavam foragidos. Assim Góring simplesmente descontou os 81 que eles eram da
soma geral, e o quorum ficou reduzido a 378. Boa matemática, não?
Além
disto, Göring abriu as portas do Parlamento aos Nazisturmabtellung, os SA,
Camisas-Pardas (que depois seriam sacrificados para ratificar o poder dos SS).
Hoje, no Brasil, não há SA, mas há as tratativas entre a presidência da Câmara
e a Rede Globo, fazendo a votação no domingo, com esta mudando horários de
jogos… enfim, cada momento tem a SA que pode e merece.
O
processo de votação foi uma farsa. Estaremos falando de 1933 ou de 2016? Tanto
faz. Aquele não foi transmitido pela TV, porque TV não havia, pelo menos na escala
de hoje. O de hoje foi, para vergonha dos deputados perante o mundo inteiro.
Vários deputados do SPD tinham sido presos, ou já haviam fugido para o
exterior. Mas o inventivo Göring criou uma nova cláusula, ad hoc: deputados que
não comparecessem, mas que não tivessem apresentado uma justificativa por
escrito, deviam ser contados como presentes, para para garantir o quorum.
(Lembram da alegação de um um deputado pró-impeachment que os deputados
ausentes teriam de apresentar atestado médico?).
Bom,
na sessão, apenas o líder do que restava do SPD, Otto Wels, que terminaria
morrendo exilado na França antes da ocupação, falou contra a nova Lei. Os
outros discursos foram acachapantemente ridículos (alguma coincidência será
mera semelhança?). Bom, ninguém invocou a mãezinha ou o vizinho, mas saíram
coisas como a Pátria e a Ordem. Resultado: 444 a favor da nova lei, 94 contra,
todos estes do SPD.
Um
detalhe muito interessante: Hitler negociara com Ludwig Kaas, o líder católico,
que respeitaria o direito da Igreja e os funcionários católicos nos cargos de
Estado, além das escolas. No dia seguinte ao da votação, que foi logo aprovada
no Bundesrat e assinada por Hindenburg, Ludwig Kaas foi despachado para o
Vaticano para explicar a nova situação ao então Cardeal Pacelli, futuro Papa
Pio XII, de triste memória (alguma semelhança com a viagem do ex-companheiro
Mateus, hoje senador Aloysio Nunes Ferreira, despachado aos States logo depois
da votação na Câmara?) Ele cumpriu a missão religiosamente, como o Mateus. Porém,
Hitler lhe prometera (a Kaas) uma carta com as garantias. Ela nunca foi
entregue.
Satisfeitas
e satisfeitos? É, mas tem mais…
Porque
ainda resta o triste papel do Judiciário. Em primeiro lugar, juízes alemães
legalizaram a perseguição aos comunistas porque eram “traidores” incendiários
do Reichstag. Depois, fizeram vista grossa para as demais perseguições que
vieram. Quando não apoiaram. Deve-se lembrar que quem inaugurou a queima de
livros em 10 de maio de 1933, na hoje Bebelplatz, foi o diretor da Faculdade de
Direito, ao lado, trazendo uma braçada de livros “degenerados” da sua
biblioteca.
Hitler
acusou um comunista holandês, Marinus Van der Lubbe, e mais quatro outros
militantes búlgaros pelo incêndio, que ocorreu em fevereiro de 1933, alguns
dias antes da eleição de março. Eles foram levados a julgamento no segundo
semestre de 1933. Lubbe foi réu confesso - sabe-se lá como sua confissão foi
obtida, mas pode-se julgar pela declaração em juízo de um dos outros acusados,
Georgi Dimitrov, de que passara sete meses acorrentado em sua cela, dia e
noite. Bem, a gente pode pensar numa justificativa: naquela época não havia
delação premiada… Era pancadaria mesmo. Os outros quatro foram absolvidos por
falta de provas, mas Lubbe foi condenado à morte e executado no começo de 1934.
Farsa?
Sim, mas o pior vem depois.
Em
1967 um juiz da Alemanha Ocidental, na reabertura do processo promovida pelo
irmão do condenado, Jan, “comutou” a pena de van der Lubbe de condenação à
morte para 8 anos de prisão (!), quando o réu já estava, bem, digamos, no outro
mundo. Em 1980, novo julgamento anulou a decisão de 1933 e de 1967. Mas em 1983
nova decisão anulou a de 1980, a pedido do… Ministério Público (!). O caso só
foi resolvido definitivamente em 06 de dezembro de 2007 (!), 71 anos depois da
decisão original, quando o equivalente ao nosso Promotor Geral da República
proclamou “o perdão" de van der Lubbe, com base em uma lei de 1998 que
declarara todas os julgamentos da época do nazismo juridicamente nulos.
Até
hoje as alegações de que o incêndio foi provocado pelos próprios nazistas para
começar sua série interminável de desmandos nunca foi oficialmente investigada.
É um bom exemplo para quem acha que o caso das omissões e vagarosidade do
Judiciário brasileiro é algo único na história.
Depois
deste exercício de história comparada, que as leitoras e os leitores tirem suas
próprias conclusões.
http://www.ocafezinho.com/2016/08/29/semelhancas-e-diferencas-entre-o-golpe-de-hoje-no-brasil-e-o-golpe-nazista-em-1933/
Nenhum comentário:
Postar um comentário