Tema
repetido dia e noite, o déficit na Previdência virou uma verdadeira ameaça
contra os trabalhadores. Com essa alegação, Temer defende uma reforma que
retira inúmeros direitos do trabalhador. Ao mesmo tempo, preserva os ganhos da
elite financeira com o pagamento dos juros da dívida pública – 500 bilhões
Contrariamente
ao que se informa, há dados que comprovam superávit no Sistema de Seguridade
Social e da Previdência Urbana, que poderia ser ainda maior não fossem os
inúmeros artifícios usados para mostrar que há déficit.
A
Constituição Federal define, no artigo 194, o Sistema de Seguridade Social que
abrange a saúde, a Previdência e a assistência social, e, no artigo 195, a
origem dos recursos para financiar esse sistema.
Em
2014, de acordo com dados apresentados em estudo da Associação Nacional dos
Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), as receitas da
Seguridade Social atingiram R$ 686,1 bilhões, e as despesas, R$ 632,2 bilhões –
portanto, um superávit de R$ 53,9 bilhões.1 Já a arrecadação líquida da
Previdência Urbana foi de R$ 312,8 bilhões, e as despesas, de R$ 296,4 bilhões,
um superávit de R$ 16,4 bilhões. Por outro lado, a arrecadação líquida da
Previdência Rural foi de R$ 6,7 bilhões, e a despesa, de R$ 86,5 bilhões, um
aparente déficit de R$ 79,8 bilhões.
Em
relação ao pagamento da Previdência Rural, que atende cerca de 8,5 milhões de
trabalhadores, é necessário destacar que a maioria deles nunca contribuiu
diretamente com o sistema previdenciário, já que grande parte não tinha registro
na carteira de trabalho. Isso significa que o pagamento de suas aposentadorias
não tem uma base permanente de receitas da mesma qualidade que os trabalhadores
urbanos, pois, no caso destes últimos, elas são provenientes, entre outras, das
contribuições de quem tem carteira assinada.
Uma
das fontes de recursos que se destinam à Previdência e bancam as aposentadorias
rurais é definida pela Lei n. 8.212/1991, cuja base principal é 2% do total da
produção agrícola comercializada no país. Segundo cálculos da Confederação
Nacional da Agricultura, em 2014, o PIB agrícola teria sido de R$ 1 trilhão;
portanto, se não houvesse ocorrido sonegação, a contribuição deveria ter sido
de R$ 20 bilhões, e não de R$ 6,7 bilhões, como ocorreu. Outra dessas fontes
está relacionada à criação das contribuições Cofins e CSLL. Os constituintes,
sabendo que estavam ampliando as despesas, criaram essas duas novas
contribuições para aumentar a base de sustentação de todo o Sistema de
Seguridade Social e da Previdência Rural, que faz parte desse sistema.
Ainda
sobre esse tema, com base no estudo da Anfip, três questões devem ser
destacadas. A primeira é que não há nenhum caso na experiência internacional em
que a Previdência Rural não seja deficitária. A segunda é que as projeções apontam
para a estabilização ou até mesmo a redução do déficit, em virtude da tendência
de redução da população ocupada na agropecuária. E a terceira é que a
Previdência Rural causa um importante impacto econômico nos pequenos municípios
brasileiros e em 60% deles representa mais recursos do que o Fundo de
Participação dos Municípios.
Outra
abordagem que nos leva a entender como os recursos da Previdência são
subtraídos, impedindo o aumento de suas receitas, está ligada às renúncias
fiscais. Estas ocorrem por meio do Simples e de entidades filantrópicas, entre
outras. Apenas em 2014, atingiram R$ 33 bilhões.
O
que precisa ser compreendido é que, se os governos tomaram iniciativas para
beneficiar segmentos da economia e retiraram recursos da Previdência e do
Sistema de Seguridade Social por meio da renúncia fiscal, eles deveriam
compensar essas perdas, na mesma proporção, com recursos do Tesouro Nacional. O
trabalhador e os aposentados não podem ser prejudicados pelas políticas de
governo. Vale destacar que, além dessas renúncias, foram aprovadas inúmeras
outras desonerações nos últimos anos para um amplo conjunto de ramos
empresariais que deixaram de contribuir para a Previdência e, segundo cálculos
da economista Lena Lavinas, da UFRJ, geraram perdas de R$ 136 bilhões para a
Seguridade Social em 2014.
Outro
fato gravíssimo é a astronômica sonegação em relação aos tributos que a
Previdência deve receber. O estoque da dívida ativa dessa sonegação em 2014 era
de R$ 307,7 bilhões, mas o governo recuperou para os cofres públicos naquele
ano somente R$ 1 bilhão, isto é, 0,33% da dívida. Isso significa que, além da
ineficiente fiscalização, que permite essa enorme evasão de tributos da
Previdência, o governo federal não recupera praticamente nada.
O
artigo 195 da Constituição, como já nos referimos, definiu a criação de duas
contribuições – Cofins e CSLL – que compõem parte das fontes de financiamento
do Sistema de Seguridade Social, Previdência incluída. Uma parcela desses
tributos, porém, é subtraída por meio da Desvinculação das Receitas da União
(DRU), recentemente aprovada com um aumento de 20% para 30%. Ou seja, a
Seguridade Social perde recursos, tem o superávit diminuído, e esses recursos
vão para o pagamento dos juros da dívida pública.
Outro
aspecto ainda a ser apontado é que existe uma ampla possibilidade de elevar as
receitas da Previdência por meio de rigorosa fiscalização das empresas
contribuintes do sistema.
Segundo
estudos do economista José Dari Krein e do auditor fiscal do Trabalho Vitor
Araújo Filgueiras, pesquisadores do Centro de Estudos Sindicais e Economia do
Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, é possível elevar essas receitas
com: a formalização do trabalho assalariado sem carteira assinada, o que
acrescentaria ao orçamento anual da Previdência mais R$ 47 bilhões; o fim das
remunerações “por fora”, que acrescentaria mais R$ 20 bilhões; o reembolso
pelas empresas das despesas com acidentes de trabalho, trazendo mais R$ 8,8
bilhões; a extinção do enquadramento de acidentes de trabalho como doenças
comuns, gerando R$ 17 bilhões; e, finalmente, a eliminação das perdas de
arrecadação por subnotificação de acidentes, acrescentando R$ 13 bilhões.
Diante
de todos esses dados, é possível concluirmos que não há déficit na Seguridade
Social nem na Previdência. Em contraposição à propagação irresponsável de que a
Previdência é a grande vilã do déficit público, é necessário lembrar que o
pagamento de juros da dívida pública deve chegar em 2016 a R$ 600 bilhões. Mas
a veiculação dessa informação na prática é interditada pelo governo e pelos
meios de comunicação. Segundo Amir Khair, ex-secretário de Finanças da
prefeitura de São Paulo, o pagamento dos juros (R$ 500 bilhões), em 2015, foi
responsável por 80% do déficit do setor público, sendo este, portanto, o
verdadeiro vilão da história.
Antes
de qualquer reforma na Previdência, destacamos que esse tema envolve interesses
de longo prazo, suscetíveis ao aumento da longevidade das pessoas e à queda do
número de filhos por casais e, portanto, precisa ser discutido profundamente.
Por tudo isso, é necessário e urgente o governo divulgar e tornar públicos
todos os balanços e números que envolvem o Sistema de Seguridade Social. Com
base nessas informações, é necessário promover um amplo debate, incluindo sindicatos
de trabalhadores e empresários, ONGs e movimentos sociais, tanto nos municípios
que vão ser atingidos diretamente em seus interesses como nas assembleias
legislativas dos estados e no Congresso Nacional, permeando toda a sociedade
brasileira.
*
Odilon Guedes é economista, mestre em economia pela PUC-SP, é professor das
Faculdades Oswaldo Cruz. Foi presidente do Sindicato dos Economistas no Estado
de São Paulo e vereador na cidade de São Paulo.
Fontes:
-
Caderno Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil). Previdência Social – Contribuição ao debate, maio 2016.
-
Carlos Drummond. “Manipulações e desrespeito à Constituição ocultam saldos
positivos”,Carta Capital, 6 jun. 2016.
http://www.sul21.com.br/jornal/previdencia-social-por-que-nao-ha-deficit-por-odilon-guedes/
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