terça-feira, 16 de agosto de 2016

MARES TURBULENTOS. Por Jorge André Irion Jobim

Meu barco nunca gostou de ficar ancorado em algum porto seguro. Ele tinha vocação para navegar em mares turbulentos e assim o fez. Ainda jovem defini minha trajetória, coloquei o pé na estrada e fui à luta, conhecendo lugares, coisas e pessoas dos mais diversos matizes. Com os olhos de aprendiz, transitei por metrópoles, favelas, becos e vielas, tomei contato com a realidade e descobri que o mundo não correspondia àquele ideal que me pintavam os livros, meus pais e os meus primeiros mestres. Na verdade, acabei aprendendo que se existe o bem, ele está inteiramente sufocado pelo que há de pior na natureza dos seres humanos.

Mas como nunca aprendi a lidar com hipocrisias, sou hoje considerado por muitos “aquele cara que sempre é contra tudo” e aceito isso com um misto de resignação e de muito orgulho, apesar de causar um certo desconforto na maioria das pessoas que me cercam a cada vez que exponho minhas idéias, sempre consideradas fora dos padrões.

Bem. Sabemos que a humanidade, liderada por algumas pessoas iluminadas que muitas vezes tiveram que nadar contra a corrente obteve alguns avanços que devem ser preservados ainda que a duras penas, entre eles, alguns no campo do direito. Assim sendo, peço que me desculpem, mas cultivo a mania antiquada de abraçar causas perdidas, entre elas, esta de defender as grandes conquistas do direito penal universal que são os princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, do juiz natural e tantos outros que vários segmentos da sociedade insistem em vilipendiar. Esquecem-se eles, que poderão amanhã ser vítimas destes mesmos julgamentos e condenações sumárias que hoje insistem em aplaudir e fomentar. E nesta hora, irão clamar pelo retorno daquelas garantias que um dia lutaram por desmoralizar e reduzir a letra morta.

Desculpem-me ainda por tentar me opor veementemente ao obscurantismo que está sendo apregoado por todos aqueles que verberam pela legalização da tortura como meio de obtenção de provas, pela pena de morte (que já existe de fato) e pela volta da condenação e execução sumária fundamentada no mero clamor público, muitas vezes criado artificiosamente com o fito de macular ou se descartar de alguma pessoa que está obstaculizando o caminho de algum poderoso.

Gente! Quero dizer que não podemos deixar que o estado se transforme em fortaleza na qual se refugiam apenas as minorias aquinhoadas de poder econômico. Ou ele existe para trazer dignidade e o mínimo existencial para toda a população ou então, não terá serventia nenhuma. Infelizmente, a humanidade está mais uma vez navegando em mares tempestuosos e há que se ter cuidado ou naufragaremos todos nós. Como me disse um amigo, se não aprendermos pelo amor, aprenderemos pela dor.

Jorge André Irion Jobim. Músico e Advogado de Santa Maria, RS

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