Na
coluna de hoje, trazemos um artigo exclusivo de um dos mais renomados juristas
do mundo, Friedrich Müller.
Trata-se
de uma colaboração para o livro Resistência Internacional ao Golpe de 2016,
para o qual Müeller enviou um artigo em que condena veementemente o impeachment
de Dilma Rousseff, que ele chama decididamente de golpe.
Em
vista da urgência do momento político, as organizadoras do livro decidiram
publicar logo alguns artigos, senão para convencer um ou outro senador
indeciso, ao menos para constranger os golpistas.
Müeller
lembra que a Alemanha já viveu experiências de "golpes frios", como o
de 1932, contra o governo social-democrata da Prússia, um golpe que foi um dos
capítulos que antecederam a ascensão do nazismo na Alemanha. Aliás, o próprio
nazismo teve várias características de golpe frio, explica Müeller, como
"a Lei de Autorização de 24 de março de 1933, que fundamentou a revogação da,
até então vigente, Constituição de Weimar".
O
jurista, que acompanha de perto os acontecimentos no Brasil, afirma que "o
processo na Câmara dos Deputados apresentou graves erros de jurisprudência que
foram, no Brasil, publicamente constatados e juridicamente não refutados".
À
luz dos acontecimentos atuais, Müller lamenta que tenha colaborado com um texto
para um livro de Michel Temer sobre direito constitucional.
Müeller
se confessa um fã da Constituição brasileira de 1988, que ele chama de
"grandiosa" e pela qual ele diz que vale a pena lutar.
O
mundo assiste, perplexo, o povo brasileiro sofrer mais um covarde golpe de
Estado. E os culpados, nós sabemos muito bem que são, os mesmos de 1964: as
elites econômicas, as castas burocráticas e a mídia.
***
Para Lutar
pela Constituição de 1988!
Por
Friedrich Müller*
Tradução
do original alemão por Vanessa Moreira.
I.
Por
“Golpe” entende-se aqui a tomada do poder do Estado por um grupo fora de um
governo legitimamente eleito e, mais precisamente, sem conformidade suficiente
com a Lei e a Constituição. Nesse sentido, é evidente denominar Golpe os
acontecimentos no Brasil em 2016.
Sendo
efetuado sem violência, como acontece, então se trata de um golpe “não armado”
ou “frio”. Em tempos monárquicos esse fenômeno era chamado de “revolução
palaciana”.
II.
Atos
relevantes para o Impeachment da Presidenta eleita não foram legalmente comprovados.
Mesmo quando as correções orçamentárias imputadas a ela venham a ser
comprovadas no futuro, ainda assim não serão fundamentos suficientes para uma
exoneração pela Constituição de 1988. Até então isso parece plausível.
Portanto, a suspensão pela Câmara dos Deputados e pelo Senado já é, por falta
de base jurídica, inconstitucional e, com isso, ilegal. Jornalistas e
correspondentes brasileiros de conceituados jornais da imprensa internacional
(como por exemplo, o New York Times, DER SPIEGEL, DIE ZEIT, Le monde
diplomatique) chegaram ao mesmo parecer.
III.
O
processo na Câmara dos Deputados apresentou graves erros de jurisprudência que
foram, no Brasil, publicamente constatados e juridicamente não refutados.
Apenas em razão desse procedimento errôneo, - adicionalmente a (II) – o
resultado da votação na Câmara dos Deputados, o encaminhamento do processo ao
Senado e a suspensão provisória por 180 dias da presidenta eleita já são
insustentáveis e com isso, infecundo e inexistente.
IV.
O
golpe frio foi aplicado, para trazer o poder às pessoas já no poder, para
protegê-las da perseguição na investigação da “Lava Jato” da justiça brasileira
e para executar às pressas as, desde então por elas iniciadas, medidas
reacionárias – para enxertar “a desejada lista definitiva de investidores”
(segundo o New York Times) à custa da maioria da população. Essa transformação
radical da agenda política não aconteceu devido às eleições ou novas eleições,
mas somente devido, de fato, à tomada de poder. Para essa pessoal ** e substanciosa
“Virada ao avesso” da política não houve nenhuma concessão do povo. Nenhuma
eleição, plebiscito ou referendo que possam justificá-la.
Justamente
para um programa menos reacionário, Aécio Neves não foi eleito em 2014, mas
rejeitado pela maioria dos eleitores. Os membros do governo atual são também,
assim como suas deliberações, – adicionalmente a (II) e (III) – ilegítimos.
V.
Experiências
próprias são, da mais recente e terrível história da Alemanha com golpe “não
armado” ou “frio”, o Golpe Prussiano de 1932 contra o antigo governo
social-democrata do maior estado alemão (Prússia); e um ano depois a “tomada do
poder” por Hitler através da Lei de Autorização de 24 de março de 1933, que
fundamentou a revogação da, até então vigente, Constituição de Weimar.
Hitler
ainda não havia alcançado essa posição, na qual poderia tomar suas medidas, em
nenhum golpe anterior; sendo assim, ele chegou nessa posição de poder através
de eleições (o Partido Nazista como maior fração no Parlamento em Berlim) e
suspendeu, posteriormente e pouco a pouco, a Constituição.
A
história de ambos os países deve nos servir como valoroso ensinamento. A
grandiosa Constituição Brasileira de 1988 é digna de que se lute por ela.
Contra o golpe vale “A Luta pelo Direito” (Rudolf von Ihering) e “A Força
Normativa da Constituição” (Konrad Hesse), que não deve perecer por uma questão
de poder, mas se consolidar por uma questão de direito.
*
Friedrich Müller, jurista alemão que leciona Direito Constitucional, Filosofia
do Direito e Teoria Geral do Direito na Universidade de Heidelberg. Desenvolve
pesquisas em teoria e linguagem do Direito. Artigo escrito em Heidelberg, junho
de 2016. O artigo “Para Lutar pela Constituição de 1988!” de Friedrich Müller
faz parte do livro “A Resistência Internacional ao Golpe de 2016” organizado
pelas Professoras Carol Proner, Gisele Cittadino, Juliana Neuenschwander e
outras (editora Praxis - http://editorapraxis.com.br/).
**
Em uma publicação comemorativa para M. Temer (Direito Constitucional Contemporâneo,
2012) contém uma contribuição minha. Eu não conheço M. Temer e fui convidado
por colegas, e por motivos temáticos, a participar. À luz dos acontecimentos
atuais, posso somente lamentar.
http://www.ocafezinho.com/2016/08/30/exclusivo-friedrich-muller-renomado-jurista-alemao-sobre-o-impeachment-de-dilma-e-golpe/
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