A
relação do governo provisório de Michel Temer e Ricardo Barros com o Programa
Mais Médicos é pautada por incompetência ou covardia ou irresponsabilidade ou
tudo isso junto.
Essa
é a única conclusão possível diante do iminente desmonte do Programa, que mudou
a cara da atenção básica no Brasil. Além de garantir acesso à assistência para
63 milhões de brasileiros, antes sem atendimento, melhorou significativamente
os indicadores de saúde.
O
desmonte – atenção! — poderá acontecer ainda em 2016.
Desde
o início do governo provisório, há um flagrante desgoverno na saúde.
Até
o momento não se sabe realmente o que o ministro provisório, o engenheiro
Ricardo Barros, quer com o Programa Mais Médicos.
Em
maio, ele disse que a participação dos estrangeiros (70% do total de 18 mil
médicos do Programa) seria reduzida para dar ainda mais prioridade aos médicos
brasileiros.
Ricardo
Barros ignorava o que sempre foi do conhecimento público: os brasileiros já têm
prioridade, as vagas ocupadas por estrangeiros são somente aquelas que os
nossos não quiseram ocupar.
Depois
de pressão imediata dos prefeitos pela continuidade do Programa, o governo
Temer, aparentemente, voltou atrás e desdisse essa informação.
Em
julho, o governo Temer se declarou a favor da Medida Provisória 723/2016,
publicada pela presidenta Dilma Rousseff, que prorrogava por mais três anos a
atuação dos 13 mil médicos estrangeiros do Programa. Sem a MP 723/2016, 7 mil
deles teriam que parar de atender até janeiro de 2017.
Só
que o governo provisório não fez qualquer esforço para votá-la.
Resultado:
acabou sendo prorrogada até a data de 29 de agosto de 2016.
Ou
seja, se a MP 723/2016 não for votada até a segunda-feira da próxima semana,
ela perderá a validade.
Daí
o meu alerta, já que a data está muito próxima.
Para
agravar o quadro, no início de agosto, o ministro provisório deu três
declarações muito preocupantes.
A
primeira: a de que não estava decidida a continuidade da cooperação com a
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), responsável pela atuação de 11,5 mil
médicos cubanos no país, que atendem uma população de 40 milhões de
brasileiros.
A
segunda: a intenção de retirar o principal benefício concedido aos médicos
brasileiros do Programa. Refiro-me à pontuação adicional de 10% no exame de
Residência, que atrai o médico que quer fazer outra especialidade após atuar no
Programa.
Sem
esse benefício provavelmente dois terços dos médicos brasileiros não
participariam do Programa.
Arrisco
a dizer que só o anúncio dessa absurda intenção já deve reduzir bastante o
interesse dos médicos brasileiros em participar do Programa.
A
terceira: a declaração do ministro provisório de que o provimento de médicos
para cuidar da atenção básica à saúde dos 204 milhões de brasileiros não é
responsabilidade do governo federal, e sim dos municípios.
Em
português: o Mais Médicos, segundo Barros, não deveria nem existir como
programa do Ministério da Saúde.
Agora,
faltando pouco mais de uma semana para a MP perder o efeito, o governo não
pautou o Congresso nem mobilizou sua base para votá-la.
Ou
seja, até o dia 29 de agosto a Câmara terá que votar a MP e depois será a vez
do Senado fazer toda a tramitação e garantir a votação. Um texto absolutamente
exíguo.
Caso
a MP não seja votada e perca a sua validade, 607 médicos teriam que deixar de
atuar no dia seguinte; outros 6,5 mil, até janeiro de 2017.
Em
consequência, cerca de 25 milhões de brasileiros, justamente nas áreas com
populações mais pobres e vulneráveis, dificilmente contarão com um médico para
continuar o atendimento.
Diante
de tamanha e inexplicável irresponsabilidade, é possível que o governo Temer
esteja trabalhando com duas hipóteses.
Uma
delas: como não tem coragem para enfrentar a população atendida, os
profissionais de saúde, os gestores do SUS, os prefeitos, as universidades
participantes, os parlamentares e a sociedade em geral, ele tenta deixar o
programa morrer.
Certamente
buscará transferir a responsabilidade que é sua para os outros. Neste caso, a
“culpa” seria atribuída ao Congresso Nacional, em especial ao presidente da
Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que não teria pautado a MP para
votação.
A
outra: a exemplo do que José Serra já faz com o Mercosul e a Venezuela, não
será surpresa se o Itamaraty abrir uma grande crise com Cuba por conta dos médicos
cubanos que querem permanecer no Brasil.
Seria
a cortina de fumaça para justificar o fim da cooperação e, finalmente, alcançar
seu objetivo: desmontar o Programa Mais Médicos.
O
momento, portanto, é decisivo. Ou todos nós – beneficiados, participantes e
defensores – denunciamos e lutamos contra contra essa armação. Ou a política
com maior impacto positivo na atenção básica desde a criação da estratégia de
saúde da família morrerá diante de nossos olhos.
Hêider
Pinto é médico sanitarista. Coordenou o Programa Mais Médicos no governo da
presidenta Dilma Rousseff
http://www.viomundo.com.br/denuncias/ex-coordenador-alerta-se-a-mp-do-mais-medicos-nao-for-votada-ate-29-de-agosto-25-milhoes-de-brasileiros-ficarao-sem-assistencia-ja-em-janeiro-de-2017.html
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